Esperanças e Incertezas

…sei que só o espírito governa os homens e de maneira absoluta.
Se o homem imaginou uma estrutura, escreveu o poema,
e colocou a semente no coração dos seus semelhantes,
aí então se submetem como servidores, não apenas
interesse, mas também alegria ou razão
que serão doravante expressões no coração
ou sombra sobre o muro das realidades,
da transformação em árvore de tua semente.
Antoine de Saint-Exupéry (“Citadelle”)

Após mais de seis anos e meio de posts, inseridos semanalmente de maneira ininterrupta, chegamos aos 400.000 acessos. Cifra ínfima nessa “civilização do espetáculo”, como bem afirma Mario Vargas Llosa, nível impensável para este músico-escriba que assiste ao lento e progressivo aumento de generosos leitores. Se pensarmos no número de acessos diários de determinados blogs voltados à política, ao futebol, à violência, à moda, à música pop, como alguns exemplos, a cifra acima pareceria um simples pedregulho. De Saint-Exupéry  emerge a amplidão hermenêutica da reunião das pedras para a edificação do Templo.

Os temas do blog praticamente não mudaram. Música, cotidiano, impressões de viagens, personalidades, literatura. Ao acessar o menu à direita (resenhas e comentários), o leitor terá a lista completa de livros resenhados ou comentados desde o primeiro post. A data ao final da indicação facilita a consulta.

Alguns aspectos gostaria de frisar, pois aquele que escreve regularmente sofre os impactos de tudo que o cerca. Trabalhando em casa, raríssimas vezes saio para compromissos sociais, mas sim para tarefas do cotidiano ou para treinos de corrida nas ruas de minha cidade-bairro, Brooklin-Campo Belo. Quanto aos compromissos musicais, não os tenho no Brasil, e a apresentação em Botucatu foi de grande alegria para o velho intérprete, mas exceção. Contudo, os paradoxos de nossa atualidade chegam-me através da internet ou de algum programa especial da TV a cabo, pois é quase impossível assistir à TV aberta, dado seu nível sempre descendente.

Nos treinos, as passadas da corrida estimulam o pensar e os temas dos posts brotam naturalmente. Mesmo as resenhas ou comentários de livros amadurecem durante os treinamentos. À noite, as horas da madrugada são propícias para a decantação dos textos que fluem. Se há beleza, e assim deveria ser sempre em tantas coisas que presenciamos, impossível não ficar indiferente ao que se passa ao nosso entorno. Em muitos posts, contrariando a minha vontade interior, abordo fatos que certamente estão a afetar o equilíbrio mental do cidadão brasileiro. Nesse preciso momento em que escrevo ouço três tiros na rua. Uma hora da manhã. Nem ouso abrir a janela. É essa parte de nossa realidade que se acentua aceleradamente e com a qual somos obrigados a conviver.

Como não ficar alheio às reivindicações de centenas de milhares de pessoas que foram às ruas ultimamente? Como esquecer o descaso matreiro dos políticos pelos pacíficos protestos, mercê do tempo que corrobora esse olvidar? Como entender a arbitrariedade e despreparo de um alcáide que eleva o IPTU de maneira desastrosa para cidadãos que têm seus salários e aposentadorias constantemente achatados e que prometeu, em campanha, mudanças devido à sua capacidade de “renovação”? Pensou o atual burgomestre na real situação de tradicionais moradores que nada têm a ver com a especulação imobiliária e que já pagariam alto imposto se vendessem seus imóveis, através do ITBI (imposto sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos), de competência do município, e, no caso da transmissão ser por herança (“Causa mortis”), do ITCMD, imposto estadual? Um acinte absoluto o estratosférico IPTU, pois várias vezes acima da inflação. A votação favorável na Câmara foi um dos episódios dantescos daquela Casa. O Ministério Público Estadual está atento. Como não desconfiar da vontade do partido majoritário de tudo conquistar, com o absoluto, ferrenho e irrestrito “desejo” de seus dirigentes e militantes? Como exemplo de arrogância, o termo presidente só é pronunciado com o “a” final, ao invés do “e”, graças à aceitação plena dos adeptos. Basicamente só estes são rigorosamente fiéis ao emprego da palavra num feminino inexistente. Ante tamanho ataque à língua portuguesa, como reagiriam Eça, Machado e outros luminares do passado? Como não se preocupar com um Supremo Tribunal Federal, majoritariamente constituído por ministros indicados, nestes últimos 10 anos, por mandatários de um mesmo partido? E o “Mensalão” e seus personagens maiores, que pouco a pouco estão a sair do noticiário por conta de intermináveis recursos – hélas – e julgados pelo atual STF? Calendas gregas? Jorge Hage, ministro-chefe da Controladoria-Geral da União, em entrevista a jornalistas após o 1º Fórum Regulatório da América Latina, realizado em São Paulo, observou: “Eu sempre disse que um processo no Brasil contra um criminoso de colarinho branco endinheirado só termina em menos de 20 anos se ele quiser. Se ele não quiser, não termina”. Continua: “O problema é a legislação processual brasileira, que não tem paralelo no mundo em matéria das possibilidades infinitas de recursos que ela oferece aos réus, sobretudo aos réus endinheirados, que podem contratar os melhores escritórios de advocacia do País para encontrar as brechas nas leis, não só de possibilidades de recursos quanto de outros incidentes protelatórios” (Portal Terra, 04/11/2013, 18:45). Como não se estarrecer com a leva de milhares de médicos cubanos, “espécie de escravos da medicina familiar e comunitária”, segundo o comentarista das Organizações Globo Alexandre Garcia, para abastecer com seu trabalho os cofres da hedionda ditadura cubana, onde habita o mais antigo ditador do planeta?  Contraria o Planalto a legislação concernente ao contrato de trabalho vigente no Brasil em nome de uma ideologia que “gostaria” de ver implantada no país. Como ficar indiferente ao vandalismo que destrói diariamente bens públicos e privados, sem que as autoridades penalizem com rigor bandos de celerados? Como não se entristecer ao ler notícias sobre a Universidade de São Paulo, que, em ranking estabelecido por relevante entidade internacional, é rebaixada bem além do nº 200? Falta de autoridade intra e extra-muros, incontroláveis e irracionais manifestações provocadas por minoria de alunos e funcionários, que ocuparam a reitoria e fecharam portões em nome de ideologia retrógrada. Melhores alunos, mais eficientes funcionários? Ledo engano. Estou a me lembrar de que jamais participei de greves quando docente. Em uma oportunidade, quando chefe de Departamento, só, em minha sala, ouvi gritos de alunos grevistas que queriam forçar a porta de entrada, pois sabiam que eu lá estava. Abri a porta e uma das alunas, completamente transtornada, dirigiu-se a mim e, com dedo em riste que quase me tocou, proferiu palavras de ordem, injuriosas. Tinha as iniciais de um partido político de ultra esquerda gravadas na testa. Disse-lhe que se ela encostasse o dedo em mim prontamente deixaria o prédio, pois estaríamos voltando à barbárie. Após xingamentos e palavras impublicáveis de alguns alunos, retiraram-se. Jamais em nossa terra a “civilização do espetáculo” esteve a mostrar tão abertamente suas chagas. Se tantas distorções existem, se nossos canais de televisão aberta ou o rádio divulgam aproximadamente 90% de notícias relacionadas ao crime e à violência em todos os níveis, assim como escândalos relacionados à corrupção, que pululam todos os dias, há que se pensar que, nesse caso específico de corruptores (quase sempre na sombra) e corruptos, algo positivo e bom ainda teima em sobreviver. E, ao que parece, nossos meios de comunicação ainda têm autonomia, apesar da permanente tentativa do Poder Central de silenciá-los.

A Cultura, palavra tão utilizada à maneira de uma chave mestra, está agonizando. Pelo menos aquela tradicionalmente aceita. Sentimos essa mutação a cada dia. Educação e Cultura são palavras tão próximas e tão desprezadas, mormente pela classe política. Todavia, a busca neste espaço de alguns ideais voltados à tradição ainda me norteiam. Um livro que me interessa a abordar os vários níveis do conhecimento; as experiências das viagens; o cotidiano renovado a cada dia e a música, companheira desde a infância, são temas constantes. Poucos e fiéis amigos e a família, essência essencial na minha vida. Continuarei ligado às temáticas. Creio que o grão de areia tem muito a contar a respeito da praia e do deserto. Enquanto o sopro persistir em meus pulmões, continuarei a tocar e a escrever. A sugestão de meu dileto amigo Magnus Bardela, num passado que já se faz longínquo, para que começasse a escrever outros textos, independentemente dos artigos e ensaios para revistas arbitradas internacionais, frutificou, e desde 2 de Março de 2007 convivo com meus leitores, sem jamais ter deixado de postar um texto por semana. Oxalá ainda persista por muitos anos nesta prazerosa atividade.

This week my blog reached 400.000 visitors. I’m still faithful to the subjects that are dear to me ─ music, travel, literature, people ─ though the world around me often forces me to address issues that I would rather forget. My thanks for all who helped me reach this milestone.