Sempre por Perto
Bom dia, pássaros ouvintes!
Cá estou eu, Açor de Açores,
com o programa “Requintes”…
Já estão acordados?
Bem acordados?…
Hoje falaremos dos cuidados a ter com as penas,
as grandes e as pequenas.
Para manter bela plumagem
o melhor é banho frio
de manhã cedo no rio
e escovadela de areia
entre o almoço e a ceia.
Sumo de ameixas maduras
faz fantásticas madeixas
e evita muitas maleitas
futuras.
Violeta Figueiredo (“O Gato do pêlo em pé”)
(O arquipélago dos Açores deve seu nome ao açor, ave de rapina)
Desde o início da publicação do blog, pássaros sobrevoam meus textos. Tem sido uma constante. No primeiro, “Trochilidae” (14/03/2007), já descrevia um ninho de beija-flor no meio de uma primavera que floresce em vermelho, nos momentos em que galhardamente mantinha-se firme sob forte aguaceiro. Outros tantos temas sobre aves têm sido prazerosamente inseridos no blog e um em especial mereceu quantidade expressiva de e-mails, “Adeus, Coleirinha” (10/05/2008).
O epicentro de minha cidade-bairro assiste diariamente a um festival de pássaros que sobrevoam os espaços, pousam nas muitas árvores existentes e entoam seus maviosos cantos. A janela em frente ao computador está frequentemente aberta e posso assistir ao espetáculo in loco e ao vivo-sonoro a todo instante, com os personagens alados se revezando. Pousam sobre as árvores e são como bálsamo para os olhos, ouvidos e a alma dos humanos. Frise-se, para aqueles que sabem entendê-los.
Desde a infância tenho encanto pelas aves, mormente as canoras. Naquele período, algumas araras e papagaios, assim como canários belgas, eram mantidos por meu pai. Não faltavam cacarejos de tantas galinhas e o imponente e madrugador canto de um galo bravio. Uma alegria. Bem posteriormente, em período em que não havia restrições à manutenção de pássaros silvestres, tive em casa inúmeros pássaros cantores, a maioria deles vinda de mãos amigas espalhadas pelo país, após recitais de piano. Sabiam que era apreciador. Passava naturalmente pela alfândega, sem restrições, pois não havia nem controle, tampouco o Raio X, e alguns tiveram seus cantos retidos para sempre em minha memória. Estou a me lembrar de um extraordinário sabiá pardão da Bahia, com seu canto inconfundível. Ganhei do pai de um músico amigo na bela Salvador. Para mim, essa espécie tem o mais melodioso canto de nossas terras. Com a restrição justa e necessária, aparentemente os pássaros silvestres ficaram livres das gaiolas. Contudo, de maneira criminosa, nossas florestas estão sendo dizimadas e correntes poderosíssimas, puxadas por tratores que “marcham” em paralelo, destroem milhares de árvores diariamente. Em cada uma delas, dezenas, centenas de ninhos são abatidos e animais de tantas espécies sucumbem. Isso é um verdadeiro “holocausto”!!! O Planalto não se pronuncia. É o descaso pleno.
Tenho dois bons canários belgas (permitido por lei, pois ave não nativa) que preenchem durante o dia meus ouvidos. Quando da proibição, soltei todos os meus pássaros silvestres cantores, mantidos cuidadosamente em gaiolas, no bosque da Rua do Matão, na USP. Há várias décadas. Se não mais tenho pássaros “proibidos”, ficaram retidos na memória para sempre o canto de tantos deles: azulão, azulinho, bicudo, bigodinho, caboclinho, canário da terra, canário-tipio, cardeal, coleira do brejo, coleirinha, corrupião ou sofré, curió ou avinhado, curió do norte (um pouco menor do que o anterior), encontro, galo de campina, gralha, gurundi, pássaro-preto (não confundir com o chopim, pois o pássaro-preto é maior, e se criado desde filhote aprende outros cantos, sai da gaiola e aceita agrado), patativa, patativa chorona, pintassilgo, pintão, pixoxó (papa-arroz), pixoxó-estrela (tem canto estridente e em altos decibéis), sabiá-branco, sabiá-coleira (canto muito suave e melodioso), sabiá-laranjeira (seu canto é extremamente diversificado, a depender de “territórios” demarcados), sabiá-pardão (do sul), sabiá-poca, sabiá-una (sua aparência lembra muito o melro europeu), saíra, sanhaço, tié-sangue ou sangue de boi, tico-tico rei, trinca-ferro (pixarro, ou também eu-sou-saci-boi),… Muitos deles com inúmeras denominações espalhadas pelo Brasil. Ainda hoje consigo distinguir bem a grande maioria de seus cantos, quando os ouço in natura ou através de vídeos ou CDs.
Com a primavera há o acasalamento e o motivo deste post está relacionado a essa diversificação que fascina, verdadeiro milagre na natureza, pois a cidade da minha infância-adolescência-juventude, tão acostumada aos pardais, assiste, através dessas últimas décadas assustadoramente poluídas de maneira crescente, a presença de pássaros os mais variados, que cruzam os ares e nidificam nas árvores da nossa rua. Quantos não foram aqueles que pousaram no jasmin-manga em frente à janela, “extensão” da tela de meu computador? Sanhaço, sanhaço-do-coqueiro, sabiá-laranjeira, corruíra, pica-pau-joão-ferro, rolinha (caldo-de-feijão), caga-sebo, bem-te-vi, periquitos (maritacas) em bandos e provocando verdadeira algazarra, beija-flor, tico-tico…
Um apenas não gosta de ser visto. Não é nativo do Brasil, tendo emigrado do hemisfério norte. Talvez a razão de um certo “recato”. Tem um canto forte e repete aproximadamente o intervalo de terça menor (uma primeira nota e outra a seguir) durante duas ou três vezes. Canto incisivo, forte e penetrante. Há anos que tento vê-lo e identificá-lo, mas está sempre na copa das árvores. Frustrei-me, até que em um desses dias primaveris ouvi-o cantar em nossa casa, mas a repetir, excepcionalmente, por cinco vezes o tal intervalo de terça. Sorrateiramente subi os degraus que levam ao terraço ao fundo e, no alto da pitangueira, que neste ano foi muito dadivosa, vi-o entre galhos; portanto, numa “penumbra”. Um pássaro de 13 a 17cm, presumi. Não sabia sequer seu nome, mas dias após, ao ouvir o canto em outro local, perguntei ao Julinho, motorista de táxi e amante de pássaros, se sabia qual era esse misterioso passarinho. De bate pronto disse-me, pitiguari (também denominado gente-de-fora-vem). Busquei informações no “Dicionário dos Animais do Brasil”, do notável Rodolpho von Ihering (São Paulo, Secretaria da Agricultura, Indústria e Comércio do Estado de São Paulo, 1940). Nada encontrei, por tratar-se de animal alienígena. Fui descobrir as origens através de minucioso livro (Elizabeth Höfling e Hélio F. de Almeida Camargo. “Aves no Campus”. São Paulo, Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo, 1993). Ratificam os autores que o pitiguari “vive escondido na folhagem das árvores”. Após, ao consultar o Google, encontrei inúmeras imagens do pitiguari, sempre entre folhagens, e no YouTube, ouvi o característico canto. Segredo revelado, pois, o que me levará a ouvir seu canto de maneira mais familiar.
Num outro contexto, não canoro, gaviões-pombo continuam a sobrevoar o entorno acima dos prédios no aguardo da distração de passarinhos menores (vide A Vingança do Gavião, 11/04/2009) e pombos-domésticos têm invadido muitos espaços, nidificando em beirais e tantos mais lugares. Um problema ambiental, pois carregam determinadas parasitas prejudiciais à saúde dos humanos. Há quem goste desses pássaros urbanos da família Columbidae.
A primavera deste ano está sendo responsável por inusitada presença de ninhos. No arbusto denominado primavera, onde outrora beija-flor e rolinha fizeram seus ninhos, sabiá laranjeira construiu o berço de seus filhotes (ilustração) e na pitangueira há ninhos de sanhaço, rolinha e sabiá. Da primeira ninhada dessas aves, as crias já ganharam os ares. Uma sensação agradável se dá ao ouvir filhotes implorando alimentos e o pio das mães, seco, incisivo, demonstrando que suas presenças são a certeza de segurança, frutas e insetos.
Outras ninhadas virão. Esse constante renovar dimensiona nosso ânimo. Faz bem para a alma, mormente para o músico, pois a riqueza de timbres (verdadeira orquestra) nos leva a considerar a Criação. Não sem propósito, o grande compositor francês Olivier Messiaen (1908-1992) compôs o “Catalogue d’Oiseaux”, obra prima constituída de treze peças para piano. Tantos outros compositores se inspiraram no canto dos pássaros: Jean-Philippe Rameau (1783-1764) com suas célebres “Le Rappel des Oiseaux” et “La Poule”; Robert Schumann (1810-1856), “O pássaro profeta”; Tchaikowsky (1840-1893) “Le chant de l’alouette”; Maurice Ravel (1875-1937), “L’oiseau triste”; Igor Stravinsky (1882-1971), “O Pássaro de Fogo” e quantos mais… E nem mencionamos a infinidade de textos literários que reverenciam o canto das aves, assim como o pássaro na pintura desde os primórdios da civilização. As Artes têm a dádiva da empatia. Saber entender a mensagem dos pássaros é princípio de fusão…
This post is about the birds of the city of São Paulo. Since the ban on caging wild birds came into force, they have grown in number and variety. This spring I had the joy of watching three different birds make their nests and raise their young in my backyard. By now they have already fled the nests, but with their wide range of timbres and colors they were a present for a musician and a balm for anyone’s soul.