Quando as Mensagens Têm Guarida
O melro, eu conheci-o:
Era negro, vibrante, luzidio,
Madrugador, jovial;
Logo de manhã cedo
Começava a soltar, d’entre o arvoredo,
Verdadeiras risadas de cristal.
Guerra Junqueiro
Habitualmente insiro opinião de leitores. Alguns, “dissertadores” por vocação, colocam reflexões mais expandidas, o que me leva a considerá-las de interesse para demais leitores pelo desenvolvimento das ideias. Quatro expressivos músicos, todos do Exterior, e um referencial ex-locutor esportivo pátrio, hoje brilhante colunista, captaram a essência essencial do post e tiveram a sintonia plena com a infinidade de cantos e timbres que povoam nosso céu, nossas árvores, arbustos e beirais.
O ilustre compositor-pensador francês François Servenière enviou-me quantidade de cantos de pássaros franceses que maravilharam seu amigo. Ouvio-os todos. Extraordinário, mormente o meu preferido, o melro. Influência na adolescência? Talvez. Meu pai recitava na íntegra “O Melro”, do notável poeta Guerra Junqueiro. “Após a leitura de seu apaixonante artigo nesta manhã de sábado sobre os pássaros e seus cantos, diria que os ‘Grandes espíritos se reencontram’ uma vez mais. Meus únicos comentários são sonoros e estão anexados nos vários cantos que lhe envio. É necessário que você os ouça e, como bem diz José Eduardo, que música, que solistas incríveis”!!!
Devo ter tocado umas dez vezes em Évora, sempre conduzido pela diletíssima amiga e ilustre gregorianista portuguesa, Idalete Giga. Já comentei sobre sua paixão pelas cegonhas e, a cada viagem, Idalete se encanta ao vê-las em seus imensos ninhos colocados “cientificamente” no alto das torres de transmissão de energia ou de igrejas. É de Idalete o belo e-mail, seguido de expressivo poema de sua lavra:
“Desejo sinceramente que continue a escrever por muitos anos e a deliciar-nos com os seus textos sempre actuais, sempre lúcidos, sempre interessantes, independentemente dos temas. É curioso que as ideias lhe surjam enquanto percorre as ruas nas suas pequenas ‘maratonas’. A mim acontece-me algo semelhante, enquanto conduzo em pequenas ou longas viagens.
Sobre os ‘Pássaros que encantam’, adorei conhecer os seus nomes. O pitiguari é lindo! Também há pássaros tímidos, que não gostam de se mostrar. Como nasci no campo, conheço o canto de grande número de aves. Também me encantam. Tenho vários poemas sobre esses seres maravilhosos. Nos ‘Contos’ da escritora sueca Selma Lagerlof há alguns lindíssimos sobre aves canoras. Ela tem uma imaginação prodigiosa. O pintassilgo, por exemplo, tem as penas de várias cores porque foi o último a ser pintado por Deus com os restos de tintas que ficaram nos pincéis. O pintaroxo tem uma mancha avermelhada no peito porque, ao pousar na cruz para retirar um espinho da coroa de espinhos sobre a cabeça de Cristo, caiu-lhe no peito uma gota de sangue que lá ficou para sempre. Não acha lindo?
Creio que lhe ofereci um dos últimos poemas que escrevi. Aqui vai de novo:
Aves canoras
Pequeninos
deuses alados
vestidos
de graciosidade
e de leveza
Dádiva Divina
do Criador
à Amada Mãe-Natureza
Sábios
Mestres cantores
Excelsos improvisadores
de ritmos incontáveis
e sons encantatórios
Músicos do céu
Símbolos vivos
do Espirito liberto
do peso da Terra
Vou inserir este poema no livro que tenho já pronto para editar este ano. É um poema em memória de Olivier Messiaen. Não o conheci pessoalmente, mas conheci a viúva, Ivonne Loriot, numa tournée em França já nos anos 90. Cantámos La Transfiguration de Notre Seigneur Jésu Christ em várias cidades . Recordo-me bem dos intrincados ritmos desta obra, inspirados no canto dos pássaros. Ao piano estava Ivonne, que tocou tudo de cor!!!”
É do notável compositor português Eurico Carrapatoso o texto tão tipícamente transmontano e plenamente identificado com a passarada de sua aldeia:
“TAMBÉM EU ADORO PASSARADA, QUERIDO AMIGO.
Têm a agilidade dos corpos celestes, epifania da presença divina. Ritmadores imparáveis, cheios de rubato. Inspiração perene nas nossas vidas, verdadeiros poemas alados. Como gostei das denominações que desfilaste! Não conhecia a maioria delas. Toma lá algumas denominações da fauna transmontana (usadas na minha aldeia; às vezes mudam no concelho vizinho; e às vezes mudam mesmo na aldeia vizinha):
Xedre da cabeça preta
Milharenga,
Picanço
Boieira
Amarelante
Papa-figos
Noitibó
Boubela
Tordela
Cavalinho rinchão
Pisco
Tralhão
Mosqueiro
Moreiro
Pinta-ruivo
Abelharuco
Pica-peixe
Zirne
Chasco
Cínchala-raiz
Enfim, só para nomear alguns. Os próprios nomes são lindos como eles: os nossos pássaros.
Mais uma extrema afinidade, querido amigo”.
O último post foi dedicado ao “Passionário Polifónico de Guimarães”, extraordinária obra revelada na íntegra, a partir de profundo estudo do ilustre musicólogo português José Maria Pedrosa Cardoso. Escreveu-me neste 25 de Novembro a opinar sobre os pássaros: ” Acabo de ler também o seu blog dos pássaros. Trata-se de uma demonstração clara de um saber enciclopédico, que eu desconhecia e que enriquece a galeria dos músicos que souberam e sabem ouvir os cantos misteriosos dos pássaros. Sabe que, todas as manhãs, quando passeio não pelo paredão de Oeiras, e me cinjo à grande rotunda do jardim em frente da minha casa, também presto atenção aos pássaros que habitam nas árvores das alamedas. São certamente poucos e muito limitados nas espécies representadas, nada que se pareça com o seu léxico ornitológico, mas sempre vou prestando atenção ao diálogo que percebo travar-se entre os pares de pássaros, provavelmente comentando entre si coisas de amor ou, quem sabe, defesas contra a intempérie ou ridiculez dos homens.
Flávio Araújo, a memória do futebol, observa com a sensibilidade de quem sabe ouvir e entender:
“Maravilhado, encantado … que mais? O certo, amigo José Eduardo, é que não sei como qualificar a emoção que seu post me causou. Extraordinário. Chamei Yvette, minha mulher, para que também usufruísse desse privilégio. E fomos após a leitura ouvir os pássaros que nos cercam a cantar durante todos os momentos do dia. Só se aquietam quando a noite chega. Notadamente os sabiás. Aqui na cidadezinha onde vivemos é possivel uma caminhada do norte ao sul da mesma emendando o canto dessas maravilhas que são os sabiás. Ou as sabiás, não importa o gênero. Também não sabemos distinguir a que tipo pertencem, como faz o querido amigo. Mas o canto penetrante, persistente, nos encanta e serve de moldura para a leitura que acabamos de completar em conjunto. E pensar que acabara de escrever sobre a escolha do porto-riquenho Ricky qualquer coisa para ser o cantor oficial da Copa aqui no Brasil. Que discrepância. Onde estão os pássaros canoros do cancioneiro pátrio? O rock os matou a todos? Consolemo-nos, pois, com o canto de nossas aves”.
A ilustração do post é a dedicatória de meu livro “Encontros sob Música” (Belém, Cejup, 1990). A gaiola do sabiá-pardão-da-Bahia ficava abaixo da janela de meu quarto. Como esquecer seu canto? Registrei-o na memória. Sua melodia visitava o 1/4 de tom. Maravilhamento.
Clique para ouvir no YouTube, com J.E.M. ao piano, Le Rappel des Oiseaux, de J-P. Rameau.
This week’s post is a selection of messages from readers with comments on the post about birds. From Portugal, France and Brazil, people that, just like me, are fascinated by our feathered friends, wrote about the birds of their regions: their beautiful and diverse songs, their curious names, their role in poetry and visual arts.
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