Navegando Posts publicados em abril, 2014

Incontáveis Tendências

“Os sons não têm significação que lhes seja exterior.
Somente por vagas analogias podemos comparar
tal movimento musical a qualquer outro movimento”.
“Todas as leis da linguagem musical,
todas as regras que constituem o ‘métier’ do compositor,
nada são se não for relacionada à realidade sonora,
a existência concreta da música interpretada.
André Souris (1899-1970)

Marcelo foi direto à questão: “Professor, o que o senhor quis dizer ao colocar como epígrafe do último post a frase de Voltaire ‘a escuta se forma pouco a pouco, e três ou quatro gerações modificam os ouvidos de uma nação’ “? Aluno da década de 1980, Marcelo foi discípulo atento, que completaria curso na França após a graduação na USP. Convidei-o para um curto no local onde nos encontrávamos, após quase trinta anos sem vê-lo ou saber notícias suas. Dedica-se a uma atividade não musical, casou-se e tem prole que o entusiasma, mas não deixa de estudar piano, tampouco de estar atualizado sobre o que se passa na esfera musical. Primeiramente expliquei-lhe que em uma de suas missivas, que se contam às centenas, o grande François-Marie Arouet, que se tornaria conhecido como Voltaire, filósofo iluminista francês, referia-se à mudança de gosto da ópera francesa. Segundo ele, Jean-Baptiste Lully (1632-1687) “deu-nos o senso da escuta que nós não tínhamos. Mas Rameau o aperfeiçoou”. Tratava-se de Jean-Philippe Rameau (1683-1764).

Conversa iniciada, fomos divagando sobre o tema. A certa altura Marcelo me confessou que, mais de uma geração passada após nosso último encontro, deixara de ter afinidade com a música contemporânea, mormente a eletroacústica, e que se perde frente às numerosas tendências existentes. Era um adepto. Acreditando ser preconceituoso, foi a várias apresentações e perdeu-se mais ainda diante de propostas “antagônicas”, como afirmou. Comentei que a quantidade exagerada de autores de música atual se deve em parte àquilo que o compositor francês Serge Nigg (1924-2008) – primeiro a compor música dodecafônica em França – dizia. Segundo ele, estava sempre a ser apresentado a novos compositores, dado o fato de que todos assim se consideravam.

Durante nossa conversa sobre temas voltados preferencialmente à música atual mencionei um livro que lera em 1954, pois me interessava transmitir a Marcelo deduções relevantes. Tratava-se da primeira biografia sobre o J.S.Bach, escrita por Johann Nicolaus Forkel, nascido um ano antes da morte do biografado, ocorrida em 1750. Vertido para o espanhol (“Juan Sebastian Bach”. Mexico, Fondo de Cultura Económica, 1950), apresenta ao final três apêndices, Catálogo, Los Claves e El Clave Temperado, esses dois escritos por um dos mais extraordinários musicólogos do século XX, Adolfo Salazar (1890-1958). Ao abordar o Cravo Bem Temperado, de Bach, fá-lo com precisão, a evidenciar a determinação de Bach em confirmar a denominada “afinação igual”, um passo monumental em termos do caminhar musical. Os dois volumes da obra, contendo cada um 24 Prelúdios e Fugas, percorrem as 24 tonalidades maiores e menores e tem-se nessa gigantesca criação um dos pilares da composição musical. Como salienta Salazar, “a antiga afinação ‘acústica’ ou ‘física’, ‘natural’ ou ‘exata’ chega a se constituir paulatinamente em uma trava para a evolução musical, estorvo que era necessário debelar”. Apesar de debruçamentos anteriores sobre a matéria, Bach encerraria a polêmica com os dois livros do CBT. Quando do segundo volume, de 1744, portanto 22 anos após o primeiro, o temperamento igual já estava consagrado. Nele considera-se a afinação a partir dos doze semitons da escala, tornando, como exemplo, iguais na afinação o dó sustenido e o ré bemol, notas enarmônicas. Pela afinação “exata” anterior, verdadeiro dogma a obedecer a relações matemáticas da escala, existe uma diferença mínima na proporção de 80/81 entre os sons enarmônicos citados.

No apêndice em questão, Salazar apresenta a tabela da série harmônica. Desde a antiga Grécia já era estudada a vibração de uma corda esticada, que produz determinado som. Pitágoras (século VI a.C.), filósofo e matemático, notabilizar-se-ia nesses estudos a partir do monocórdio, instrumento primitivo constituído de uma caixa de ressonância e de uma corda apenas. Pitágoras demonstraria que a altura de um som é inversamente proporcional ao comprimento de uma corda. Dividindo-a ao meio e ao ser tocada a corda, teremos a oitava superior do som inicial. Dividindo-a em três partes e sendo novamente tocada (utilizavam um plectro), o terço da corda esticada resulta na quinta e assim sucessivamente (vide ilustração). Suas conclusões atravessaram os séculos.

Voltando à nossa conversa, Marcelo me perguntou a razão das incontáveis tendências da música contemporânea, mormente aquela voltada aos processos eletroacústicos. Foi quando mencionei a tabela da série harmônica apresentada no apêndice citado em que, à medida que a distância  intervalar diminui, Salazar acopla-a à própria evolução da música ocidental. Essa interessante observação, não inédita, estabelece o tempo dos períodos da história da música a partir dessas “abreviações” dos intervalos. O leitor, mesmo sem conhecimento da escrita musical, pode acompanhar o processo através da ilustração. Estaria configurada a duração de práticas a partir do período histórico: monodia, polifonia, formação dos acordes, escalas várias e os microtons. “E daí, professor”? indagou Marcelo. Expliquei-lhe que todos os períodos históricos poderiam ter “explicação” considerando-se essas deduções. Se técnicas composicionais estabelecidas tiveram milênios, séculos e decênios dando a elas uma continuação ou transição cada vez mais abreviada, com os microtons e as infindáveis outras vibrações “infinitesimais” já não poderíamos sequer falar em anos ou meses. Seria nessa abreviação temporal acelerada que a metafórica Torre de Babel torna-se visível e… audível. Tem ela sido citada amiúde. Quantas não são as incontáveis tendências da música contemporânea acústica e mormente a da eletroacústica? Aquela destinada aos instrumentos com “sons fabricados pelo homem, produzidos por sua ação, e que ele pode modificar à vontade”, segundo Nigg, esta para aparelhagem eletrônica. Estamos diante de incessantes novos processos, afeitos prioritariamente à eletroacústica, quase todos explicados teoricamente por seus “criadores”. Isso é bom, isso é um mal? Apenas consequência da atualidade em que, anualmente, processos impensáveis anteriormente na área da tecnologia passam e são substituídos rapidamente por outros. Numa mesma cidade, procedimentos composicionais hodiernos não têm sequer homogeneidade escritural, mercê da diversidade e prolixidade. “Essas obras permanecerão”? pergunta-me Marcelo. Temo que não, pois o “compositor” afeito à tecnologia, tantas vezes sentindo-se “profeta”, está geralmente ligado à Academia. Subvenções de Fundações, Institutos de Fomento e Universidades dão-lhe guarida, pois tecnologia abre portas. Obra apresentada será logo mais substituída por outra já encomendada. Dificilmente o passo atrás será dado, pois importa, geralmente, o “inédito”. Como a tecnologia é rápida caminhante, aparelhagens do passado recente são esquecidas pelas do presente e, logo a seguir, estas também seguirão o mesmo destino, pois outras mais avançadas surgirão. Seria possível entender que a ininteligibilidade para o grande público dessas obras experimentais façam-nas permanecer em guetos precisos.

“Haveria solução”? indaga-me Marcelo. Acredito que a pulverização natural, a partir dos microtons da ilustração de 1950, é também sem retorno. Competentes e curiosos continuarão nesse caminho que, paradoxalmente, tem resultados surpreendentes em filmes, onde efeitos especiais exigem sonorização especial. A imagem dá à música eletroacústica uma dimensão interessante. Meu dileto amigo e compositor François Servenière, que praticou alpinismo e ainda pratica vela, escreveu-me recentemente a dizer que a tragédia na montanha ou no mar, na vida real, não tem a aura que o “público” gostaria, pois falta-lhe o som estéreo dos filmes que acompanha esses acidentes. Numa outra direção, creio que tantos são aqueles que romperam ou não aderiram aos muitos processos nessa área tecnológica. Compõem de maneira a criar obras inteligíveis, resultando composições de muito interesse, basicamente utilizando-se do arcabouço instrumental acústico ditado pela tradição e de formas e gêneros “reorganizados”. Na Europa, principalmente, tenho conhecimento de compositores super talentosos que estão a trilhar esse caminho. Sob outra égide, a literatura não é um constante renovar a partir da senda já traçada? A escrita é a mesma há séculos, muda-se o conteúdo. Não há ruptura, palavra muito apreciada, aliás, na esfera da “criação” musical.

Antes de partirmos, Marcelo comentou que “gostaria de anotar o nome de alguns compositores que escrevem para instrumentos acústicos sem esquecer o passado”. Mencionei alguns vivos: Gilberto Mendes, Ricardo Tacuchian, Mario Ficarelli, Paulo Costa Lima no Brasil, Eurico Carrapatoso em Portugal, François Servenière na França, Gheorghi Arnaoudov na Bulgária, Aleksandër Peçi na Albânia, Frédéric Devreese e Lucien Posman na Bélgica, entre tantos outros. Todos com escritas diferenciadas, mas não se esquecendo do passado. Muitas de suas obras podem ser encontradas no YouTube. Conversa revigorante.

I met a former student who I had not seen since the 1980s and during a chat over a cup of coffee we discussed musical trends through time. As a curiosity, I mentioned the harmonic series that, according to the great Spanish musicologist Adolfo Salazar, explain the length of the various historical periods.

 

 

 

 

 

Utopia?

A escuta se forma pouco a pouco,
e três ou quatro gerações modificam os ouvidos de uma nação.
Voltaire (1694-1778)

A profética frase do grande escritor, ensaísta e filósofo francês, contida em uma de suas missivas ao se referir à música, pode ser aplicada a qualquer área do conhecimento. Voltaire teria ido além, pois vaticina nessa carta que o interlocutor “dar-lhe-á notícias daqui a cento e cinquenta anos”. Essas “três ou quatro gerações” de que nos fala o ilustre pensador têm sido abreviadas, pois a escuta teve uma transformação brutal nessas últimas décadas. O gosto majoritário da juventude desligou-se da tradição erudita, popular de raiz ou elaborada a partir de diversos procedimentos como o jazz, a canção francesa e italiana, o samba-canção, a bossa-nova, como exemplos dessas criações. Transferiu-se para a parafernália acústica, à qual dezenas de milhares de alucinados acorrem quando dos megaeventos onde essa barulhada persiste madrugada adentro. Entoam a descartabilidade com a convicção de que se ouve o mito “eterno”. As cenas do último festival LollaPolooza bem evidenciam a histeria coletiva frente a ídolos que se utilizam de tantos recursos eletrônicos e visuais para favorecer a ideia do “demiurgo” vociferando “músicas” e “letras” de baixíssima qualidade, que fariam corar versejadores de canções autênticas. E, dias antes, muitos desses jovens frequentadores acampam no entorno, vindos dos rincões desse país. O sertanejo-brega e a barulhada dos trios elétricos no nordeste inebriando as massas são outras tipificações. Tem-se apenas um exemplo daquilo que Mario Vargas Llhosa entende como a decadência irrefutável da cultura tradicional.

Diariamente somos invadidos por uma quantidade crescente de mensagens eletrônicas. Há os antivírus que têm, de maneira razoável ajudado a combatê-las, mormente as “comerciais” ou aquelas imbuídas de conteúdos de toda ordem, mas nocivas. De um amigo de Portugal recebi uma foto com dizeres que, além da mensagem intrigante, provocativa, mas repleta de verdades, levou-me à reflexão. Partilho com o leitor a foto e teço algumas considerações.

A hipotética viagem para um mundo melhor, ainda mais tendo uma criança como símbolo, não seria a certeza de que neste planeta ainda se pode sonhar? O cenário mundial mostra-se instável. Europa em crise e um dos poderosos da KGB da antiga URSS, a dar sinais de senhor da guerra, estaria a vislumbrar uma Grande Rússia. Apesar da gritaria oficial do Ocidente, pouco a pouco acalenta suas aspirações, pois parece que esse mandatário permanecerá num ad eternum possível a governar o “Império”. Sob outro aspecto, regimes democráticos estáveis e com governantes probos, mormente em alguns países tradicionalmente afeitos à alternância do poder, sabem, na medida do possível, controlar seus gastos, a economia e a vida social. Estão fundamentados num pilar irrefutável, a Educação. Pode estar em alguns desses países um mundo melhor. Alternância do poder é resultado da Educação. Sem ela, a teia formada pela não compreensão por parte do povo dos problemas graves de um país, faz sucumbir liberdades inalienáveis, mercê dos votos dos rigorosamente desinformados. Tivesse o povo acesso pleno à Educação, mãe de todas as virtudes, a alternância do poder seria inevitável.

Um Mundo Melhor é o almejo da grande maioria dos humanos. Como admiti-lo, se povos de um mesmo país se digladiam em conflitos cujo estopim não teria curso houvesse ponderação e respeito, quando de fases preliminares, em que diálogos são rompidos tantas vezes por disputas inconsequentes? É o fanatismo a sufocar as mentes lúcidas.

Mundo Melhor. Teremos de sonhar ainda. A menininha da ilustração deseja estar nesse utópico planeta, onde a fraternidade entre as pessoas seja real; em que uma paz possível seja almejada; no qual lucro e tributos sejam apenas justos e não escorchantes; em que a família, tal qual a conhecemos de antão seja preservada e não desestruturada; onde – em nosso país particularmente -, saúde e segurança não existam apenas nos discursos de todos os candidatos em palanque, friso, todos, sem exceção; onde a palavra corrupção, mãe de todos os vícios, inexista no dicionário; no qual político seja sinônimo de honradez. Um mundo… melhor, aqui e alhures.

A photo that has recently swept the web led me to reflect on society as it is today and on the political, economic and social utopia it could be were men different.

 

 

 

 

Diálogos que Enriquecem

Só os trâmites importam.
Eles é que permanecem e não o fim,
mera ilusão do caminhante que vai de pico em pico,
como se o fim alcançado tivesse um sentido.
Assim como não há progresso sem aceitação do que existe.
Antoine de Saint-Exupéry (Citadelle, cap. XLIX)

Um dos prazeres que a vida nos oferece é o diálogo. Há inúmeras possibilidades e níveis que se apresentam. O diálogo, nessas circunstâncias, se enriquece devido aos conteúdos trocados e às experiências em áreas aparentemente antagônicas, que se intercalam e abastecem a mente. Se Carlos, paraibano, meu companheiro de corridas, é um sábio nas tarefas mais intrincadas do cotidiano como pintura, eletricidade, encanamento, estando sempre a apresentar soluções exatas para problemas que, para mim, são de dificílima resolução quando o consulto, ainda assim é funcionário exemplar de uma empresa há cerca de 27 anos. Nas corridas, aos 50 anos, Carlos é, logicamente, mais rápido, pois não carrega 25 anos a mais. Carlos ou Batoré ou, ainda, Peba (apelido de infância que vem da Paraíba, pois costumava  arrastar-se pelo chão à maneira do tatupeba existente no agreste) está sempre disposto. Nosso diálogo em torno do cotidiano tem interesse imenso, pois aprendo sempre com esse amigo de forte sotaque e linguajar simples e envolvente, que pontualmente me espera antes de raiar o dia quando das corridas oficiais de rua  em São Paulo ou no interior próximo à nossa cidade. Nas corridas de 10k é Carlos que me aguarda na linha de chegada, já com a medalha de sua participação pendurada no pescoço e com palavras estimuladoras para o velho corredor.

Num universo outro, a troca semanal de e-mails com o compositor e pensador francês François Servenière, desde 2010 mais intensamente, preenche até a presente data bem mais de 1.000 páginas!!! Música a predominar, mas também literatura, aventura, cotidiano, degradação cultural que se acentua e a política plena de subterfúgios e de escândalos de nossos dois países. Diálogo virtual a atravessar o oceano nessa velocidade que nos espanta. Nosso intercâmbio de ideias pressupõe a existência do trâmite e, quando um de nós atinge o fim proposto, a somatória do diálogo permanece, a substanciar a longa caminhada.

Selecionei alguns temas esparsos desses últimos e-mails, para transmiti-los ao prezado leitor. Escrevia eu que, acentuadamente, artigos arbitrados e livros analíticos sobre música distanciam-se de minhas preocupações atuais por motivos claros: quantos não são aqueles escritos com a finalidade precípua de contar pontos em avaliação acadêmica, quantificar currículos ou obter recursos em Instituto de Fomento para serem lidos em incontáveis congressos que pululam nas agendas universitárias? É tão claro distingui-los, mas eles tendem a ser maioria nesse impulso voltado à produção. Sim, é preciso escrever para ser respeitado como scholar e, para o medíocre ou não vocacionado, a tarefa da elaboração de um texto torna-se um fardo que é preenchido pelo vazio de ideias, pela quantidade de notas de rodapé, tantas delas forçadas, e pela precisão do número de caracteres. Muitos são aqueles artigos que, espremidos, não produzem uma gota de saber. Justamente estava a ler livro com dezenas de artigos, alguns notáveis, outros de que desistia já no primeiro parágrafo. E mais grave, esses últimos aceitos e… publicados.

François Servenière comenta: “Sou um pouco como você desde sempre. Na minha juventude li grande quantidade de livros teórico-musicais do passado e da atualidade. Posteriormente, essa literatura acabou por me causar enfado, como uma serpente que morde sua cauda. Como você, encontrei mais inspiração nos relatos de escritores viajantes e nas aventuras épicas que me provocam arrepios, sensação que encontro ao descobrir partituras e gravações que me entusiasmam, mesmo que concernentes à música da segunda metade do século XX. Desta, mais acentuadamente tenho dificuldade de achar composições que me deem a sensação do absoluto e das exóticas terras virgens. Consideremos que há quantidade de teses que levam os leitores a zonas totalmente estranhas ao objeto precípuo do trabalho acadêmico. Quantas não são as vezes em que o mestrando ou doutorando é órfão da criação ou da interpretação e tem a imperiosa necessidade de compensar essa criatividade frustrada por elucubrações fora de propósito. É o que fez estancar minhas críticas  sobre determinadas áreas, pois inúmeras vezes essas críticas podem ser filhas da frustração pessoal”.

Em reiterados posts abordei livros concentrados nos desafios de intrépidos aventureiros. Sob égide não distante do tema, desloquei minha atenção para os depoimentos de esportistas ou técnicos. Seus ensinamentos e a constante evolução de métodos visando ao aperfeiçoamento dimensionam nosso entendimento relativo aos quesitos essenciais para o músico: compreensão, disciplina, horas de labor, concentração, performance sem pressões. São tantos os canais televisivos de esporte e entrevistas com técnicos de todas as modalidades esportivas do Brasil e, sobretudo, do Exterior, deveriam fazer parte de diálogos entre professores de música e seus alunos. Paradoxalmente, esses ensinamentos têm analogia com procedimentos de um intérprete, assim como do corredor amador que eu insisto em ser. Acredito também que há maior atualização na técnica esportiva se comparada àquela aplicada à performance musical. Como esse processo tem a ebulição nos treinamentos (ambas as áreas)  visando ao resultado final, a execução “físico-mecânica”, estou sempre mais propenso a ouvir uma gravação de mestres do passado àquela de um jovem egresso de importantes concursos internacionais, pois nesta consigo extrair o ato performático que tantas vezes surpreende nossos sentidos, mercê da virtuosidade em expansão, e naquela transparece a essência essencial de uma obra, razão de sua perenidade. François Servenière, excelente compositor e pensador, praticou muitos esportes, entre os quais alpinismo, esqui alpino e vela. Trocamos mensagens permanentes também sobre a temática da aventura que nos apaixona, daí tantos livros que resenhei nesse espaço. O diálogo em circunstâncias internéticas tem lá seus resultados. Escreve-me Servenière: “Minha biblioteca, como a sua, está repleta desses opus marítimos e terrestres que são, na verdade, os livros que me fazem partir para ‘fora’. Sou amador dos livros de ficção científica e de conflitos marítimos, nos quais a coragem dos homens é testada no alto das montanhas, no mar, nas tempestades”. Arguta sua reflexão sobre a possibilidade da morte em circunstâncias tantas vezes provocadas pelo “instante do acontecido”, no dizer do filósofo Vladimir Jankélévitch. Servenière, ao comentar um de meus posts sobre livros de aventura, escreve: “Desde muito tempo sou fascinado pelo contraste entre a relação épica das histórias nos livros e filmes. Temos sempre a impressão de que as aventuras são vividas sob grandes orgias de músicas sinfônicas, tais como são apresentadas em documentários. Sobre esse tema, tendo praticado muito montanhismo, esqui e navegação marítima, posso confirmar que a natureza não é sonorizada em estéreo sinfônico nem em hard rock quando a tensão se apresenta palpável em circunstâncias trágicas. Muitos aventureiros do mar e das montanhas insistem permanentemente sobre esse aspecto da aventura. A maior delas, melhor organizada, com o melhor barco, com o melhor equipamento e a melhor equipe de montanhismo, para imediatamente quando algum tripulante cai no mar ou um alpinista, numa fenda. É meu pesadelo recorrente quando trabalho mentalmente à noite sobre meus projetos de travessia oceânica. Como ter a certeza de que uma queda no mar não pode acontecer? Barcos seguros afundaram e marinheiros experientes sucumbem sempre, assim como no caso dos alpinistas e suas quedas extraordinárias. Nas aventuras o risco zero não existe”. (tradução JEM).

Essas divagações sobre diálogo permanente e enriquecedor com Servenière tem a dádiva da diversidade de temas. Se a música prepondera na grande maioria de e-mails trocados, e não foram poucas as vezes em que inseri segmentos expressivos do ilustre amigo, os mais variados assuntos são evocados. Divagações prazerosas que, oxalá, prossigam.

This post is about the simple pleasure of conversations with friends and acquaintances. It is illustrated by my own experience with two friends of opposing personalities. On one hand, my fellow street racer Carlos, a good-hearted and simple guy of humble birth, with infinite skills to handle the practical side of life. I turn to him in case of problems with leakages, broken tiles, car mechanics, wall painting. On the other hand, the French composer François Servenière —well known by readers of my blogs — a reflective man with whom one may talk about almost everything. Different dialogues with different types of people, but the same pleasure of being in communication with others.