Leitores opinam e vaticinam

Temos, sobretudo, de aprender duas coisas:
aprender o extraordinário que é o mundo
e aprender a ser bastante largo por dentro,
para o mundo todo poder entrar.
Agostinho da Silva
(“Entrevista”)

O blog anterior suscitou posições saudosistas e outras expondo ceticismo quanto ao alcance atual da literatura específica destinada a adolescentes e jovens. Gerações de antanho foram atraídas por coleções ou livros avulsos com propósitos educacionais definidos. As muitas colocações dos leitores não deixaram de louvar as duas coleções, “O Thesouro da Juventude” e o “Mundo Pitoresco”, elogios esses vindos daqueles que acumulam muitas décadas.

Nos meus 85 anos, foram enormes as transformações experimentadas pela literatura para adolescentes e jovens dos meados do século XX e os da mesma faixa etária nos dias atuais. Outros são os interesses da maioria da juventude hodierna. As décadas que se sucederam pouco a pouco desviaram a atenção do conhecimento humanístico. Aceleradamente, após a internet, o aprender foi se tornando mais supérfluo, imediato e sucessivamente modificado, atendendo aos constantes avanços da tecnologia que, a cada passo, mais se distancia do legado literário-filosófico ditado pelos grandes mestres da Antiguidade ao século XX.

A superficialidade, irmã gêmea da brevidade das mensagens internéticas, não deixaria de penetrar no âmago de centenas de milhões que se prendem às telinhas para inteirar-se dos fatos de toda ordem e comunicar-se no cotidiano. “A pressa é inimiga da perfeição”, como se apregoava no passado, desvirtuou a língua, não apenas em termos do Brasil, mas em tantas outras terras, minimizou o pensamento, banalizou os costumes, atendo-se ao fugaz que não deixa traços, apenas prossegue em direção à paradoxal “sedimentação” da efemeridade, hélas.

O falar bem está a se estiolar. Em vários noticiários televisivos abundam os cacoetes; nos sites prolifera a inobservância do trato linguístico. Não teria sido a formação incompleta de determinados agentes da comunicação uma das causas?

Retorno à essência das mensagens que, em síntese, focalizou as leituras destinadas aos adolescentes e jovens nos meados do século XX.  Gildo Magalhães, ilustre professor titular aposentado da Universidade de São Paulo, aponta respectivamente para a formação décadas passadas: “É exatamente esta a sensação que você descreve que eu sinto também, ao folhear algo como o Tesouro da Juventude, ou até mesmo o Diccionario Lello, que meu pai tinha e me foi depois presenteado”. Lia-se muito e a memória retinha parcela considerável do conhecimento aprendido. A não menos notável professora titular aposentada da USP Aurora Bernardini observa com precisão: “É verdade. O desinteresse pelo conhecimento humanístico empobrece a memória e empobrece a vida. Mas que luta convencer disso as novas gerações!”

Como não me lembrar, em tempos bem remotos, da leitura dos livros de Monteiro Lobato (1892-1948)? Nos meus 10 ou 11 anos, percorri-os quase na totalidade e a turma do Sítio do Pica-pau Amarelo foi fundamental àquela altura. “História do mundo para crianças” (1933) levou-me primeiramente à leitura de “A Conquista da Terra”, de Wilhelm Treue (1909-1992), e à incrível “A Expedição Kon-Tiki”, de Thor Heyerdahl (1914-2002). O livro de Treue me foi extraordinário, pois de maneira didática o autor desvenda a epopeia do homem em suas conquistas e intrepidezes. Possivelmente  meu interesse pelas obras do aventureiro francês Sylvain Tesson (1972-) ao percorrer o planeta teria origem certa. São vários os blogs dedicados às suas andanças (Vide menu: Livros – Resenhas e comentários – lista). “Os doze trabalhos de Hércules” (1944) encaminhou-me aos vários livros sobre a mitologia grega. Esta, figuradamente personificada nas aventuras de Hércules, tendo os personagens do Sítio do Pica-pau Amarelo a acompanhá-lo numa “distância segura”, abriu-me a perspectiva de leituras sobre a Grécia Antiga, seus filósofos, artistas e escritores. As incursões posteriores aos livros percorridos na adolescência tiveram pois origem segura. Não seriam aquelas obras o peristilo basilar para aprofundamentos? Naquele longínquo período de formação, a leitura, paralela aos deveres escolares e aos estudos pianísticos, propiciou o descortino.

Rememoro uma coleção especial. Tratava-se de biografias resumidas em uma ou duas dezenas de páginas que destacavam, em cada livro particularizado, compositores, filósofos, pintores, escritores… Traduzidas do inglês para o português, tinham elas importância fundamental, não apenas com exemplos de vida dignificantes, mas também como referências culturais e humanísticas que substanciavam o conhecimento geral, indispensável em tantas decisões que o jovem daquele período tinha de tomar em relação ao futuro. Outras biografias em volumes individuais foram “consumidas”: Mozart, Bach, Beethoven, Aníbal Barca, Fernão de Magalhães, Napoleão, Churchill e tantas mais… Aquelas âncoras, em suas áreas específicas, eram sempre revisitadas e o conhecimento penetrava na memória. Paralelamente líamos os clássicos, pois nosso Pai insistia que “o estilo é o homem”, sempre a mencionar o conde de Buffon (1707-1788).

O escritor e poeta Flávio Amoreira, em crônica publicada em “A Tribuna” de Santos, escreve: “É sabido que a alta literatura é sempre pedagógica, é sabido que ler os clássicos nos modifica (quase sempre para melhor) por toda a vida, é sabido que ler é uma atividade insuperável em busca de autoconhecimento e é sabido que escolas, governos e pais têm feito pouco para motivar os jovens ao hábito sagrado da leitura” ( Novembro, 2023). Verdades absolutas.

O presente post, a rememorar leituras realizadas a mais de sete décadas, fez-me debruçar sobre a importância de um hábito salutar que, paradoxalmente, a alta tecnologia tende a sufocar. A extinção do objeto físico em relação à Música clássica ou erudita, LPs e CDs; e a banalização temática de livros à disposição, “marginalizando” a grande literatura, estão a provocar o já mencionado culto ao efêmero e, com ele, um futuro incerto.

Readers wrote about the collections “O Mundo Pitoresco” (The Picturesque World) and “O Thesouro da Juventude” (The Treasure of Youth) as well as other books that were fundamental in the formation of past generations, understanding that the habit of good reading is essential from adolescence and youth onwards.