Um Fim de Semana a Ficar Gravado
Ora et Labora
Fundamento da Ordem de São Bento
Nossa filha Maria Fernanda há anos insistia para que fizéssemos um retiro no Mosteiro São João, em Campos do Jordão. Resistia sempre à ideia movido por afazeres do cotidiano, que existem apesar da aposentadoria universitária em 2008. A Música não cessa e assim será, textos solicitados para publicações internacionais prosseguem, o blog é sistemático, a fazer parte da respiração, e a corrida de rua, incluindo treinamentos, a grande descoberta desde 2008. Portanto, o apelo da filha, netas e genro passava sempre ao largo. Enfim, acabei cedendo.
Conhecia bem Campos do Jordão. Por seis vezes apresentei-me no Festival de inverno (décadas de 1980-1990) e, apesar de sentir-me bem nessas apresentações, sempre me incomodava uma certa afetação existente na vida da cidade devido ao afluxo de turistas, na maioria pseudamente envolvidos com a Cultura, descaracterizando o ambiente, a dar-lhe uma atmosfera sensível de esnobismo vão. Comércio, restaurantes e outras atrações buscam transmitir uma sensação alpina, resultando num nítido artificialismo, quando seria possível atrair esses turistas imprimindo características típicas da região, como aliás assim procedem cidades ao sul do país.
Em Agosto, fora da grande temporada, a vida parece que volta à normalidade e outra categoria de turista aflui a Campos de Jordão aos fins de semana. Diferente. Visitantes chegam geralmente em caravanas, retornando às suas respectivas cidades no próprio dia ou no domingo.
A Ordem de São Bento (Ordo Sancti Benedicti), fundada em 529 por São Bento de Núrsia (480-547), é a mais antiga Ordem religiosa do ocidente e uma das maiores Ordens católicas existentes, criadora da Regra de São Bento (Regra Benedicti), conjunto de preceitos que direcionam o comportamento da vida monástica. Entre esses: castidade, obediência, ensino, abrigo aos peregrinos, assistência ao menos favorecido. PAX é um dos lemas da Ordem. O retiro no Mosteiro Beneditino faz bem ao corpo e à alma. Respira-se paz e… ar puro. Há um verdadeiro bosque muito bem cuidado a circundar toda a área, aberta ao público aos fins de semana, pois na belíssima e austera igreja celebram-se missas com a frequência de fiéis de várias procedências. Se fosse escolher do que mais gostei, diria que foram as preces que as irmãs beneditinas realizaram ao final da tarde de sábado. A Iª Solenidade das Vésperas da Assunção de Maria nos conduz à meditação. Como não entrar em comunhão com o canto gregoriano cantado pelas 29 monjas, presididas pela Superiora? Convidado pela abadessa, toquei dois corais de J.S.Bach (órgão eletrônico) na entrada e na saída das monjas. A cerimônia religiosa tem duração aproximada de uma hora.
Sentar-se em um dos bancos espalhados pela área fartamente arborizada, ler e escrever, ouvir os muitos e variados pássaros levam aquele que frequenta os espaços do Mosteiro à interiorização, mormente se vindo das grandes cidades. Se distrairmos o olhar, é reconfortante a visão das monjas em seus afazeres cotidianos, que não são poucos.
Em uma das conversas com uma das monjas, comentamos as representações das imagens de São Bento. Sanctus Benedictus, tendo-se livrado de duas tentativas de envenenamento, dimensionadas pela literatura e oralidade através dos séculos, está acompanhado, em determinadas esculturas, estampas e medalhas, pela presença do corvo com um pedaço de pão no bico – o pássaro que faz lembrar a morte em tantas lendas e contos do hemisfério norte – e da serpente, corroborando o imaginário. A Ordem dos Beneditinos chegou às nossas terras em fins do século XVI. Tracei um breve relato concernente ao Vale do Paraíba, pois beneditinos transmitiram aos moradores dessa extensa região montanhosa a história de São Bento. Para o santeiro – homem simples do campo -, que aprenderia a arte da confecção de paulistinhas (imagens de barro cozido) e aquelas em madeira com habilidosos artesãos da Ordem, a escultura de São Bento teria a entrelaçá-la uma serpente, que poderia ser cobra coral, jararacuçu, urutu, jararaca, entre outras. O santo estaria doravante a proteger os campesinos das picadas de serpentes peçonhentas, escorpiões, aranhas e marimbondo caboclo ou fogo.
Dois dias apenas no Mosteiro, onde permaneci caminhando ou lendo, enquanto Regina, filha, netas e genro encontravam passeios agradáveis pela cidade. Não obstante, em manhã plena de sol realizamos um passeio de trenzinho de Campos do Jordão até Santo Antônio do Pinhal. Entre ida e volta nesse mini comboio de um só veículo foram duas horas e meia. Lentamente, o trenzinho percorre, sacolejando, os 19km até Santo Antônio do Pinhal, permanece meia hora para visão de panorâmica do Vale do Paraíba no mirante e degustação de renomado bolinho de bacalhau, retornando após à cidade. Fico a pensar, ao olhar a imensidão de uma infinitesimal parcela de nosso território verdejante e montanhoso, e vem-me à mente frase do notável intelectual português António Cândido (1850-1922) e que me foi enviada pela saudosa e ilustre gregorianista Júlia d’Almendra “É que, à beira-mar, eu tenho que escutar o mar, mas na montanha é ela que me escuta”. Acrescente-se que António Cândido se notabilizaria, entre outras atividades, como notável orador.
Estávamos para partir quando desce de um pinheiro um gracioso esquilo. Permanece estático durante poucos segundos, mas não escapa do reflexo rápido de Maria Fernanda, que o fixa em bela foto.
Certamente regressaremos ao Mosteiro São João. Bálsamo para a mente, invadida diariamente pelas notícias de um país completamente à deriva. Dá-nos força para enfrentar o cotidiano, as atividades às quais nos dedicamos e à família, que o Sistema teima em desagregar. Sanctus Benedictus…
A weekend in Campos de Jordão, the highest city in Brazil., located in the mountains about 180 km from São Paulo. My family and I stayed at Mosteiro de São Bento (St. Benedict Monastery), an island of peace and quietness in the heart of this tourist town. Two days reading, writing and listening to the birds in the woods that surround the monastery are a soothing balm to the soul, giving me strength to meet the challenges of living in a country misruled to the point of political and economic collapse.