Desalento e Esperanças
Como nada entenderam do passado,
nada podem sonhar para o futuro.
Agostinho da Silva
(“Espólio”)
Se 2015 foi ano atribulado pelo mundo afora, há que se destacar a deterioração de tantos valores morais e culturais no Exterior e mormente em nosso país. Nem insiro a palavra ética, pois esta tem sido utilizada por todas as correntes, banalizou-se, prostituiu-se, retiraram-lhe o significado essencial. Estou a me lembrar de série de programas sobre Ética em canal estatal, faz um bom tempo. A intelligentsia de sempre, tupiniquim, discutiu durante semanas, em linguajar ex cathedra, pomposo, acadêmico e ininteligível para o leigo, os valores da ética. Alisou egos dos convidados e os efeitos, como esperados, foram nulos, pois o telespectador ficou desinformado.
O PT, ao reivindicar posições, desde sua fundação erigiu a ética como fundamento. Desnecessário estender-se sobre o tema. Desgovernos, mensalão, petrolão e tantos outros escândalos e indiciamentos aí estão para dimensionar o desvio absoluto por que prima o partido, desde 2003, quanto ao desrespeito dessa nobre palavra, ética, hoje tão aviltada. Lembremo-nos de que o lema apregoado pela presidente de plantão em seu desastroso segundo mandato foi “Pátria Educadora”. Seu criador, em recente pronunciamento na Espanha, culpa a colonização portuguesa pelo atraso da Educação no Brasil e menciona dados históricos falhos (sic). Com absoluta clareza a imprensa portuguesa revoltou-se contra essa verborragia. Teria o ex a coragem de proferir o descalabro quando do recebimento do título Doctor Honoris Causa conferido pela Universidade de Coimbra, anos atrás? Desrespeito para com a verdade, ignorância e absoluto desconhecimento do rito diplomático. Recebi mensagem de minha amiga portuguesa Idalete Giga, em que deputado europeu, indignado com a fala do ex presidente, assim teria se pronunciado: “Fazer da ignorância um exercício de erudição, é em si mesmo um paradoxo. Discorreu sobre temas que implicam estudo, com a facilidade com que trautearia um forró. E o disparate aconteceu”.
2016 aponta no horizonte. Será um ano basicamente perdido, mercê de todo o processo de impeachment que se deverá prolongar. As mais vis porfias serão travadas em Brasília entre o executivo e o legislativo, sob o olhar de um judiciário complexo no que tange às nomeações de seus integrantes, por vezes ideológicas. Após a trágica sessão do Supremo Tribunal Federal em que a Corte decidiu barrar o processo de impeachment (17/11), estabelecido pelo presidente da Câmara dos Deputados, contra a presidente atual, assim se pronunciou o ilustre Ministro do STF, Gilmar Mendes: “Existe um projeto de bolivarização da Corte. Assim como se opera em outros ramos do Estado, também se pretende fazer isso no tribunal, e, infelizmente, ontem tivemos mostras disso” (Fonte: Brasil 247, 19/12/2015). Economia, inflação, desemprego galopante, insegurança, saúde, educação, saneamento básico assustam o brasileiro. O descaso do governo pelo elementar saneamento é fator primordial da aceleração dos surtos causados pelo mosquito aedes aegypti, transmissor de outras mais pragas que não a dengue. Temos que acreditar e arregimentar cidadãos que compartilhem princípios morais, que anatematizem essa chaga que se tornou endêmica e que se alastrou, sobretudo desde 2003, a corrupção. O sistemático desvio de dinheiro nas grandes e pequenas obras, o inchaço da máquina administrativa a continuar o aparelhamento do Estado e a contagiar o orçamento pátrio, a prática vexatória do popularmente “toma cá, dá lá”, são temas do cotidiano, hélas. Há o Lava-Jato, benfazejo processo que está a desmoronar redutos e a chegar à fonte primeira do desvio de somas fabulosas. O cidadão de bem acredita nesse processo, salvaguarda ainda de nossa pobre sociedade brasileira. Oxalá permitam!!! Ano difícil está por vir.
Num aspecto mais amplo, de possível transição para períodos menos desfavoráveis, há a hipótese remotíssima, frise-se, do pronunciamento, por parte da presidente, de uma palavra apenas: renúncia. Completamente despreparada para a função que ocupa, sua fala, quando improvisada, apenas aumenta o anedotário pátrio; seus desvios sistemáticos da verdade estão acelerando seu descrédito; sua “inanição” frente à economia e ao desemprego no país; suas articulações políticas diárias para se manter no Poder a qualquer custo, tudo está a conduzi-la ao fundo do abismo, reduzindo sua aprovação pública a nível constrangedor. Saint-Exupéry, em frase notável, dizia que a vaidade não é um vício, é uma doença. Criador e a pobre criatura sofrem desse ego superdimensionado, que inviabiliza a leitura do Brasil como país de todos e não de um grupo. O projeto de não alternância do poder impede o olhar a miséria do povo, que deveria ser extinta pela ação educadora. Entregam o peixe simplesmente, em detrimento da vara, do anzol, da isca e dos mares, rios e lagoas tratados… E bastaria uma só palavra que revelaria, nessa conturbada pátria, grandeza a atenuar o descompasso da presidente. Renúncia, termo que os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado também deveriam pronunciar. Acrescentaria que a arrogância, a empáfia e a teimosia também são doenças, alargando o preceito de Saint-Exupéry. “Poderosos” desprovidos de preceitos fundamentais. Nesse tópico relativo à política à deriva no país, mencionaria recente (26/11/15) sexteto (XXVI) de meu irmão Ives Gandra, notável jurista:
“O Brasil em polvorosa
Vê política horrorosa
Em Brasília praticada.
Há muito qu’este país
Deixou o povo infeliz
À mercê da canalhada”.
2016 sinaliza as Olimpíadas no Rio de Janeiro. A organização preparou devidamente nossos atletas para o maior evento esportivo do planeta? A ouvir-se esportistas que não tiveram o acompanhamento necessário, a resposta é, decididamente, não. Assim como no futebol, devastado pela corrupção aqui e alhures de maneira vergonhosa, mercê, entre outras mazelas, de mandatos “perpétuos” de seus dirigentes. Sob a égide de permanência no cargo, há quantas décadas está na presidência do COB o mesmo cidadão? No caso, também, não há renovação e ideias arejadas não conseguem penetrar as mentes dos dirigentes. Se nas Olimpíadas, que distribuem aos vencedores das muitas categorias centenas de medalhas, as minguadas láureas que o país de 204.000.000 de habitantes receberá serão motivos de palavras plenas de lisonjas pelos mandatários, que também não têm a grandeza da renúncia. Veremos. Nem menciono super-faturamentos que virão à tona após competições, mas que já começam a pulular. Voltarei ao tema após as Olimpíadas para, infelizmente, ratificar o que acabo de escrever.
2016 deverá persistir, sempre em movimento de ascensão, na continuação do óbvio. Na música erudita, os mesmos de sempre, com raras exceções, visitarão o país. Ouviremos, com algumas ressalvas, as repetidas obras do repertório para orquestra, de câmara e solista, as óperas rotineiras. Toda uma programação que completa geralmente o círculo após, no máximo, cinco anos. A roda a fazer seu giro e a prosseguir o movimento circular. Na televisão, há canais a cabo com programas interessantes, pois a TV aberta não merece comentários, salvo, diga-se, alguns raros programas de entrevistas e de documentários. O ano vindouro deverá assistir à avassaladora avalanche dos mega-shows que chegam do Exterior com o som às alturas, entradas a preço de ouro, e a massa informe de frequentadores erguendo os braços, agitando-os, à maneira da juventude nazista. E a cultura?
No hemisfério norte, a problemática da imigração descontrolada de muçulmanos, preferencialmente, conduz aos continentes a incerteza, o temor e a islamofobia generalizada. Períodos difíceis e assustadores estão por vir. Veremos também.
Apesar de todas as mazelas, dificuldades de toda sorte por que passa o planeta, há valores que têm de ser preservados, e a família continua a ser o epicentro que leva ao equilíbrio das mentes.
Desejo a todos os leitores que prestigiam meu blog um ano de 2016 que ao menos traga certa tranquilidade e menos incertezas. O convívio familiar e os amigos serão os bálsamos que ajudarão a todos nessa transição que custa a passar, mas passará.
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Finalizava o post quando recebo e-mails de Idalete Giga e de François Servenière, comentando o texto da semana que passou, dedicado ao Natal e tendo como epicentro bela narrativa de Saint-Exupéry. Insiro segmento da mensagem da ilustre gregorianista portuguesa e do notável compositor francês. Escreve Idalete:
“O texto de Natal que extraiu do cap. 122 da sua obra Citadelle está escrito numa linguagem metafórica que pode, na realidade, ter várias interpretações. O soldado que queria morrer pode ser cada um de nós. As imagens são constantes na linguagem que usa. Este é um dos aspectos mais deslumbrantes da Citadelle. Também concordo que esta obra foi a ‘Bíblia’ do século XX e continuará a ser neste século. Mas podemos perguntar: quem a compreende verdadeiramente na sua dimensão ao mesmo tempo humana, metafórica e espiritual?
O José Eduardo foi um privilegiado ao conhecer e ouvir pela 1ª vez, textos desta obra impar lidos pela irmã do escritor-piloto, Simone de Saint-Exupéry. E chegou a ouvir alguma gravação do próprio Exupéry?” Sim, semanalmente, naquele ano e meio a que me refiro no e-mail anterior, a irmã do piloto-escritor lia e fazia-nos ouvir gravações de Saint-Exupéry. Continua Idalete “Citadelle não é obra para ler e guardar. É um universo a descobrir constantemente. Cada vez que abrimos o livro, seja em que capítulo for, descobrimos sempre novas revelações, novas imagens, novos mundos que, por vezes, se nos deparam quase inatingíveis. E voltamos a ler e a reler até descobrirmos o sentido das metáforas”.
Servenière envia verdadeiro hino à nossa atividade de músico.
“Espírito do Pequeno Príncipe, estás lá?
Espírito da infância, onde estás?
Porque tantas mortes, concessões à ignomínia e ao inominável?
O caos das estrelas?
Olhas como elas nos iluminam desde as origens.
Uma esperança ancestral?
Não, um permanente anseio.
Olhas o céu e serás levado ao divino.
Se apenas olhares o solo serás levado ao sepulcro.
Nossa música como testemunho de um dom.
Não deixemos as trevas invadirem nossas vidas e nossas artes”
New Year and the reflections it gives rise to: political unrest and corruption in Brazil, violence, vandalism, poor quality of education and health, infrastructure deficiencies, tax burdens. In the Northern hemisphere, intolerance and invasions of illegal immigrants. Hoping that family values will not be wasted in face of the tough times ahead of us, I can only wish you all a New Year filled with some promises of a brighter tomorrow.