Considerações outras
Conforme fores lendo
Assim irás vendo.
Adágio Popular Açoriano
Mensagens recebidas de inúmeros leitores frisavam aspecto fulcral que julgo pertencer ao de profundis do indivíduo. O fato de me considerar low profile, mencionado em vários comentários, nada tem a ver com a feitura da interpretação musical. Entendo que a denominada carreira do músico pode sim ter vertentes. Sob outro aspecto, estar longe das exigências do mercado, que evolui incessantemente em direção ao incensamento dos eleitos, e dessa busca frenética pelo sucesso, holofote e lucro é ato pessoal.
Na digressão ora finda ficou patente minha total incapacidade e idiossincrasia decorrente diante das evoluções tecnológicas. Nossa neta Valentina, de 16 anos, deixava-me desconcertado, pois acessava o mundo ao falar com seus pais em São Paulo e com colega na Austrália diariamente, interagia com filmes e fotos enviados e recebidos e estava conectada com outras amizades de sua escola que lhe transmitiam deveres a serem cumpridos. Só de pensar que, durante os anos que passei em Paris, dos fins de 1958 aos meados de 1962, apenas três ou quatro vezes consegui falar com meus pais por telefone… Uma chamada durava três dias para ser concretizada e por duas vezes, mercê de cabos – assim diziam funcionários da telefonia francesa – mais outros dias foram adicionados.
São tantos os motivos para o low profile! Ao proferir palestra em Guimarães, na Fundação Martins Sarmento, falei sobre “A música como Missão” e busquei transmitir a essência essencial contida na monumental obra de Romain Rolland, “Jean Cristhophe”, quando, ao final da saga, o personagem, perto dos momentos terminais da existência, admite ter por vezes fraquejado, mas que a música jamais o traiu, fazendo pois derradeiro apelo para que partissem juntos. As muitas décadas acumuladas fazem-me integrado às escolhas na longa caminhada.
O professor Gildo Magalhães escreveu-me frase que foi direta ao coração, pois buscou sintetizar a mensagem do post anterior: “Este blog em especial vale por uma vida, ou talvez mais de uma!”.
Pragmático, meu amigo Marcelo, que encontro por vezes na feira-livre de sábado em minha cidade bairrro, Brooklin-Campo Belo, fez-me pergunta direta: “algum recital foi gravado?”. Respondi-lhe que o de Évora foi totalmente gravado pelo experiente António Gavela, que trabalha no Eborae Musica. Disse-lhe que inseriria uma música no blog desta semana.
Minha dificuldade em separar uma das obras interpretadas fez-me apelar para os préstimos de meu dileto amigo Elson Otake, responsável por muitas gravações minhas no YouTube. Clicando no link, o leitor ouvirá o poema Vers la Flamme, de Alexander Scriabine, gravação realizada durante meu recital em Évora no dia 21 de Abril. Essa obra é basilar. Escrita em 1912, seria atualíssima se composta hoje. Sob outro aspecto, trata-se de uma composição que sofreu em minha mente um processo de muitas transformações. Presentemente realizo todo o primeiro segmento ainda mais lentamente e em baixíssima intensidade, a fim de que a extraordinária evolução posterior em direção à consumação cósmica possa ser transmitida.
O compositor e pensador francês François Servenière fez-se presente no recital em Gent, acompanhado de sua graciosa filha Ambre, como salientei no blog anterior. Trouxe consigo o CD “Éthers de l’Infini” – Études Contemporaines pour piano, lançado no recital em Gent. Será tema do próximo blog. De regresso a Les Mans, onde mora, Servenière escreveu-me:
“Acabo de ler seu post da semana sobre os recitais realizados em Portugal e na Bélgica. Sentia-me feliz como sempre por presenciar seu recital em Gent. Foram fabulosas as 24 vividas nessa maravilhosa cidade flamenga, apesar de uma longa viagem a dirigir, 1.200km, ida e regresso a Le Mans.
Sinto igualmente uma pequena depressão post partum, após o lançamento em Gent de nosso CD ‘Éthers de l’Infini’, que acalentamos longamente. A emoção de vê-lo lançado e nele ter meus Études Cosmiques deixou um vazio, fato comum nessas circunstâncias.
Gostei imenso de viver todas essas horas na sua companhia e na de seus amigos calorosos, competentes, cultos, todos eles tendo realizado obras importantes em suas respectivas vidas. Compreendo toda a sua admiração por Johan Kennivé, o extraordinário engenheiro de som, um homem que admirei muito pela sinceridade, reserva e a grande inteligência que emana de sua personalidade. Evidentemente impressionou-me a figura de André Posman, o dirigente da extinta De Rode Pomp. No jantar em sua casa, em que estivemos todos juntos, impressionou-me a personalidade de André, a gentileza de sua esposa e de seus filhos, todos inteligentes e cultos, mercê também da figura do capitão, sua força de caráter, sua liberdade de pensamento e de vida”. Confesso que André Posman é uma das pessoas mais importantes na minha já longa existência. Graças ao acaso de nosso primeiro encontro, em 1995, houve sequência de mais de vinte viagens a Gent. Devo-as a André Posman, pelo estímulo vigoroso com que sempre me presenteou. Servenière comenta o encontro com três destacados compositores belgas que me deram a honra da presença no recital. Continua: “Admirei Lucien Posman, irmão de André, cuja inteligência já emana do olhar, a sensibilidade de Raoul de Smet, a agudeza de espírito de Daniel Gistelinck e de outras pessoas destacadas e competentes que mostravam grande interesse pela apresentação”.
Projetos fazem parte da esperança que sempre mantive ao longo das décadas. Sem a divulgação da denominada grande imprensa, eles se concretizam, mercê da presença nos recitais daqueles realmente interessados. E não é esse o fator essencial? Franz Liszt afirmaria que “há almas que amam os sons”. Assertiva essencial.
Last week’s post received much feedback. Among the messages received, I have selected two for this post. I also go deeper into the subject of my wish to work freely and keep a low profile.