E novo livro de poemas de Ives Gandra da Silva Martins

Eu não quero ter poder
mas apenas liberdade
de falar aos do poder
do que entenda ser verdade.
Agostinho da Silva

No meio de uma tarde aprazível estava a estudar piano para próximas apresentações quando atendo à campainha e recebo um pacote vindo do escritório de meu irmão, o ilustre jurista Ives Gandra Martins. Abro-o e sou contemplado com dois presentes: a placa miniaturizada da existente  na confluência das avenidas Juscelino Kubistchek e Nações Unidas, que leva o nome de meu pai,  assim como um livro de poesias do Ives, dedicado à sua esposa Ruth.

Em blog recente escrevi sobre a Praça José da Silva Martins (vide blog “Em torno de uma praça”, 04/02/2017). Foi-lhe dado o nome de meu pai, José da Silva Martins, mercê principalmente de sua atividade literária iniciada aos 86 anos, que resultou em sete livros publicados até sua morte em 2.000, aos 102 anos. Há cerca de uma década as placas haviam desaparecido. Cartas que escrevemos, Ives e eu, aos últimos prefeitos da cidade resultaram no silêncio absoluto dos alcaides. Empossado o prefeito João Dória Junior, voltei a escrever missiva, novamente endossada pelo Ives, reivindicando o nome da praça que poderia, pela proposta aprovada de algum vereador de plantão, mudar de nome, pois a memória curta tem sido um dos entraves em nosso país. Dez dias após recebíamos a comunicação de que as placas novas haviam sido colocadas nessa praça, ora revitalizada após a construção do Shopping JK Iguatemi e a urbanização do Parque do Povo. Fui pessoalmente ao centro da cidade levar uma outra carta de agradecimento ao prefeito e o último livro de meu pai, “Breviário de Meditação”, publicado poucos meses antes de seu falecimento. O portador foi um jovem amigo, Pedro Flesch Fortes, neto de meu saudoso vizinho Walter Flesch. Pessoalmente entregou ao prefeito João Dória o livro e alguns CDs meus.

Qual não foi nossa surpresa – dos quatro filhos de José da Silva Martins – ao recebermos essa bela lembrança que nos sensibilizou muito. Fica neste post registrado o agradecimento de Ives, José Paulo, João Carlos e o meu ao Prefeito João Dória e à sua equipe da CET.

O segundo presente foi o livro de meu irmão Ives contendo 101 poemas para sua esposa Ruth. Tem-se 24 Sonetos Octogenários e 77 Haicais Brasileiros (São Paulo, Giordano – Pax &  Spes, 2017). Nele, Ives prossegue no culto à mulher amada com quem, desde o namoro, noivado e casamento convive há 64 anos!

Em soneto que lhe é dedicado tem-se:

Torna a velhice tudo mais difícil,
A inteligência morna e já sem brilho.
Outrora meu andar, próprio de um míssil,
Hoje parece trem fora de trilho.

O coração, porém, por ti querida,
Não segue, sendo moço, este caminho.
Tu mantiveste aceso em minha vida
O constante calor de teu carinho.

Do Senhor a vontade eu desconheço,
O tempo que dará para nós dois.
O tempo que nos deu já não tem preço,
Mas sempre espero ter tempo depois.

Sou grato a Deus o que me resta ainda
De ter-te de meu lado, calma e linda.

Mencionaria alguns haicais:

IV
Ó minha Ruth,
Que meu coração
Sempre te escute.

VII
Antigos beijos
Sangram passadas lembranças,
Quantos desejos.

XXIX
Desde o ventre,
Amei-te minha amada
Para  sempre.

Escreveria em Maio de 2015: “Quantos livros escrevi? /  Não me lembro, foram tantos, / Alguns foram para ti, / Repletos de alegres cantos”.

Certo dia disse ao irmão que, com certeza, a quantidade de poemas sinceros dedicados à sua eleita não encontra paralelo na história da literatura. Anos atrás Ives entrou para o Guiness Book, após escrever durante um ano um soneto diário. Foram quatro volumes magnificamente ilustrados pelo saudoso amigo e artista plástico Luca Vitali (1940-2013). Nesses, há também uma série de poesias dedicadas a Ruth, assim como em sua vasta bibliografia poética. Creio que deverá brevemente ter, nesse conhecido livro de recordes de toda espécie, mais uma citação. Na realidade, há que se louvar tão imensa devoção àquela que, em todas essas décadas, acompanha com carinho e dedicação seus passos por este planeta tão conturbado, em que as relações amorosas tendem a estiolar-se cada vez mais rapidamente, embora entendidas, a princípio, como perenes. À primeira tormenta tantos laços se desfazem, pois os protagonistas dos desenlaces não apreendem que o convívio de um casal está sujeito a tempestades e bonanças. As cicatrizes serão a afirmação de que feridas foram curadas, testemunhando a caminhada. A não ser que fatos graves motivem rupturas e a tolerância, hélas, desapareça, há que se elogiar a continuidade sob a égide da amizade e, por que não, do amor. Retorno ao autor da epígrafe, o notável pensador português Agostinho da Silva: “O ideal da vida deve ser acima de tudo a serenidade”.

On two gifts received last week: from São Paulo mayor, João Dória, a replica of the street sign of the public square named after my father and from my brother, the prominent jurist Ives Gandra, his last book, with poems dedicated to his wife.