Cultura, internet e outros temas…
Nos caminhos
desta vida
sou uma viandante
inconformada
buscando
a Luz da verdade
a cada instante
Idalete Giga
(“O Canto da Palavra”)
Conversei com jovens estudantes de uma Escola próxima à minha moradia. Encontro casual num café que também serve guloseimas. Entretinham-se animadamente, quando um deles me viu sentado a ler um livro volumoso e com uma caneta na mão. Sorriu e veio até minha mesa, a perguntar se era escritor. Disse-lhe que era músico, mas gostava de escrever. Verifiquei que seus colegas ficaram a me olhar e, como minha mesa era pequena, convidado, sentei-me junto aos jovens. O fato de estar a ler e a escrever pareceu algo raro para os simpáticos alunos. Conversas rápidas sobre cotidiano e futebol, tema este último que provocou gargalhadas quando lhes disse que meu time de outrora despedira-se de todas as categorias nacionais de futebol; portanto, devidamente falecido. Trata-se da Portuguesa de Desportos, de triste e melancólico fim, alijada de todas competições principais brasileiras após administrações desastrosas.
A descontração da rapaziada levou-me sutilmente a questioná-los sobre Cultura. Livros, exposições, exercício da escrita, abrangência das artes, ética, política. Como já estavam livres das aulas, mostravam-se sem pressa. De maneira unânime abominavam a classe política, a corrupção e a falta de segurança. Compartilhei das mesmas posições. Três foram assaltados e traumas ficaram. Compartilhei assalto a mão armada que também sofri em 2008.
Ao verificar que sentiam confiança nas minhas elucubrações sobre temas diversos, voltei à Cultura. Apenas um mostrou-se leitor assíduo, mas de títulos bem duvidosos. Todos os outros, seis ou sete, preferiam a internet e suas redes sociais, atentos às inovações desses aparelhos de ampla comunicação. Nenhum lia jornais e revistas. Também compartilhei essa posição, pois não mais leio jornais, tampouco revistas em estado físico, mas acesso publicações online francesas, uma inglesa e temas não tendenciosos brasileiros online. Contudo, mormente em nosso país, a poluição visual, com avalanche de publicidade invasiva online, irritante e em constante mutação é tão massacrante que o leitor realmente perde interesse. Ficaram surpresos quando lhes disse que não fazia parte nem do facebook, tampouco do linkedin ou do instagram, apenas tendo o whatsapp para fins familiares. Perguntei-lhes, após essas primeiras exposições, se me consideravam jurássico. Riram e continuei a fazer-lhes perguntas, com pleno consenso dos jovens.
Sobre literatura, nenhum deles conhecia autores franceses. Ouviram falar em aula, mas não retiveram nomes. Da Inglaterra, dois conheciam J.K.Rowling, autora da saga de Harry Potter. Silêncio sobre quaisquer outros autores, daqui e alhures!!! Sabiam resumos de livros brasileiros, necessários para o verniz literário nos vestibulares. E só. Quatro deles adoram os e-Sports, frequentando certames, mas todos têm seus times eleitos de futebol, não comparecendo aos estádios por falta de segurança!!!
Falei-lhes sobre preferências musicais. Basicamente o tema passou em branco quando abordei música erudita, clássica ou de concerto. Um apenas adentrou uma sala de concertos. Sobre a música popular brasileira, diziam não gostar, mas desfilaram inúmeros ídolos roqueiros americanos, ingleses e canadenses, assim como os de outras manifestações frequentadas por grande massa. Aquele que foi à minha mesa indagou se tocava algum instrumento. Disse-lhes que era pianista. Um deles disse que, para seu pai, o melhor pianista do mundo era Richard Clayderman (pianista que se apresentava como o maior do planeta, apenas tocando arranjos de músicas de sucesso de filmes ou do showbusiness!!!, interpretadas sofrivelmente). Não comentei nada.
Interessados que estavam nesse “interrogatório”, perguntei-lhes se frequentavam museus. Gargalharam e um deles, descontraidamente, respondeu “somos jovens”. A um novo questionamento sobre profissões, apenas dois sabiam realmente o que queriam ser.
Durante uns poucos minutos ainda fiquei a conversar sobre a cidade. Cumprimentei um a um e mostraram-se receptivos e educados. Despedi-me e voltei para casa a pensar nas novas gerações, pois os jovens eram alunos de escola conceituada.
Que a Cultura erudita no Brasil está em estado crítico é de conhecimento. A mídia, ao abordá-la, privilegia figuras carimbadas, que se repetem em jargões ditos de alta erudição, palavreados proferidos com seriedade, pretensamente filosóficos – como há filósofos neste país!!! – e as classes leitoras ou telespectadoras aplaudem como se fossem enunciados por oráculos definitivos. Não mais temos crítica cultural nas várias áreas e essas, quando publicadas, têm a assinatura de soi-disant, como bem dizem os franceses. “Tudo vai mal onde tudo vai bem”, como afirmava Roberto Campos. A superficialidade reina em nosso país à deriva.
Simpáticos, receptivos, os jovem mencionados apenas traduziam o que parte essencial de uma denominada elite tem do saber tradicional, pouco ou nada na realidade. Ao desconhecerem o passado e áreas basilares, perdem os alicerces que estruturam o conhecimento. O edifício é construído sem sustentáculos seguros e as lacunas são visíveis. Em todas as áreas, na política, nas empresas, nas universidades, quantos não são os pronunciamentos de “líderes” carentes de quaisquer conhecimentos de áreas fundamentais da história da humanidade? Pronunciam o que ouviram ontem, deliberam resultados de conchavos, vaticinam o futuro desconhecedores de lições do passado. Os jovens que tive o prazer de conhecer e cujos anseios e perspectivas pude entender são o reflexo de décadas de descuido com a Educação. Integram, hélas, o desmanche da Cultura, essa essencial para o aprimoramento do homem em sua aspiração mais equilibrada.
Fico a pensar se um cidadão percorresse as salas das Câmaras, Assembleias e Tribunais com perguntas elementares sobre Cultura. Essa classe que decide os caminhos que devemos tomar não passaria por teste elementar. E a “elite” empresarial, com raríssimas exceções? As falas dos donos das empresas que desencadearam ultimamente um desarranjo na política brasileira são inaceitáveis, a partir de analfabetismo crônico. Os donos estão presos. Até quando? Como poderemos almejar um futuro melhor se a incultura de um lado, a corrupção a corroer estruturas e a demagogia que impede avanços essenciais reinam em nosso infortunado Brasil!
Foi bom ter conhecido esses jovens. Gostei imenso da sinceridade de suas respostas. Pergunto-me em que estágio estariam milhões de outros jovens estudantes espalhados pelo país?
A conversation with some young students of a nearby elite school about general knowledge and the internet, followed by my feeling of hopelessness that comes from the perception that there is no way out from the dismantling of our educational system and the ephemeral above all else in the information age. What can we expect from a country that undervalues education, wastes its human potential, is plagued by political corruption and demagogy?