“Messiaen – L’empreinte d’un géant”
Falar da cor em Messiaen significa dizer
que a evocação da natureza, da atmosfera e do clima
forma um exemplo perfeito de inspiração que conduz à obra-prima.
Assim como a cor se situa no âmago da problemática do pintor,
assim também ela se apresenta como meio
de descoberta e sublimação na composição de Messiaen.
Catherine Lechner-Reydlett
Há livros biográficos que buscam retratar de maneira, a se esperar precisa, figuras marcantes da história da humanidade. Críticas ou laudatórias, as biografias sérias perscrutam desde as fontes primárias a outros variados mananciais que auxiliam a construção do eleito. O critério imparcial nem sempre está presente, o que, por vezes, inviabiliza avaliações.
A escritora e pianista Catherine Lechner-Reydellet, professora titular do Conservatório de Música e Arte Dramática de Grenoble, apresenta mais um livro sobre música, entre os vários ficcionais e poéticos de sua lavra, fazendo parte de um espírito multidirecionado. Em “Messiaen – l’empreinte d’un géant” (Paris, Séguier, 2008), a autora volta-se à tendência que tem adotado em obras anteriores sobre música, ou seja, textos pessoais e depoimentos de músicos que conviveram com homenageados. Esse posicionamento pluralista e generoso nos induz a dividir o post em dois, um a abordar o que pensa Catherine Lechner-Reydlett após pesquisas aprofundadas e um outro a buscar a síntese dos ricos depoimentos, compartimentando-os em seus ineditismos, pois obviamente há nesses depoimentos opiniões convergentes. Sob outro aspecto, “Messiaen – l’empreinte d’un géant” pressupõe a admiração confessa da autora. A leitura do livro e o conhecimento prévio de muitas composições de Olivier Messiaen apenas ratificam a exatidão do subtítulo.
Olivier Messiaen (1908-1992) foi um dos mais influentes compositores franceses. Compositor, pianista, organista, regente e ilustre professor, Messiaen teve sob sua tutela no Conservatório Nacional Superior de Música e de Dança de Paris alguns dos mais ilustres músicos que se projetariam no cenário. Entre eles, Serge Nigg, Pierre Boulez, Karlheinz Stockhausen, Maurice Leroux, Mikis Theodorákis, Iannis Xenakis, Tristan Murail, Yvonne Loriod e o nosso saudoso e notável compositor José Antônio de Almeida Prado. Messiaen, católico convicto e amante inveterado da natureza, estabeleceu parâmetros inéditos para a composição e seu estilo rigorosamente pessoal causa até o presente admiração e reverência.
Catherine Lechner-Reydlett realizou trabalho exaustivo e profundo, a fim de levar ao leitor a diversidade criativa de Messiaen. Fê-lo bem, pois seus estudos levaram-na a apreender quase todas as facetas possíveis do grande compositor e, quando ausentes, complementadas nos depoimentos que serão tratados no próximo blog.
No fervilhar de tantas tendências musicais que grassaram ao longo do século XX, Olivier Messiaen estrutura um estilo a partir de uma fé católica imperturbável, “mesmo que esse engajamento nem sempre tenha tido defensores entre os puros agnósticos. Todavia, desperta a atenção, torna-se respeitado, pois forja uma trajetória original estabelecida com ciência e consciência, contribuindo para elevar a música francesa a um dos polos privilegiados da arte musical construtiva no mundo”, observa Lechner-Reydlet. A autora elenca uma série de contributos essenciais que deve ser consignada à ação de Messiaen. Entre esses, a estética fundamentalmente inovadora, devendo-se ao compositor duas grandes obras teóricas do século XX, “Technique de mon langage musical” (Paris, Leduc, 1944) e “Traité de rythme, de couleur et d’ornithologie – 1949-1992” (Paris, Leduc, 1994-2002). Após aprofundamentos voltados à métrica grega, aos neumas do cantochão e às linguagens de ilustres compositores que perduraram pela qualidade, assim como à rítmica de outros povos, Messiaen estabelece seus critérios inovadores.
Essencial durante a trajetória, ratifique-se, é a fé católica. Lechner-Reydellet situa de maneira a não deixar dúvidas esse aspecto, que teria influência decisiva na criação de Messiaen. Cercado pela contemporaneidade que aderira à negação de Deus – segmento expressivo nessa tendência -, nada abalaria o posicionamento de Messiaen. A autora posiciona bem aspectos do caráter do homenageado que, afável, gentil e generoso com os que o procuravam, reservava-se o direito de manter determinados isolamentos, que seriam a salvaguarda de seu mundo interior. Quantas não são as obras em que o Divino está presente: Transfiguration de Notre Seigneur Jésus-Christ, Vingt Regards sur L’Enfant Jésus, Saint François d’Assise, Les Trois Petites Liturgies de la Présence Divine, Les Visions de l’Amen e outras.
O piano é fundamental para Olivier Messiaen. Lechner-Reydellet dedica-lhe capítulo substancioso, a focalizar preferencialmente O Catalogue d’ Oiseaux. Menciona confissão do compositor: “Sempre amei o piano e sofri de um complexo ao pensar que era um organista-compositor e um pianista analista”. A transcender outras composições, a magistral coletânea para piano, obra das mais importantes da literatura pianística em termos mundiais, o Catalogue d’Oiseaux, (1956-1958), criação de quase três horas, foi composto a seguir outra composição extraordinária, Vingt Regards de l’Enfant Jésus (1944).
O Catalogue des Oiseaux está dividido em sete livros, que reagrupam treze peças. A autora recorre a outra confissão de Messiaen: “as viagens e os estágios repetidos, necessários à notação dos cantos de cada pássaro, foram, por vezes, bem anteriores à composição das peças. Essas indicações tornaram-se bem precisas e o autor soube despertar as velhas lembranças de algumas horas ou de muitos anos”. Encerra a dizer “aos meus modelos alados e à pianista Yvonne Loriod”. Messiaen se casaria em 1961 com a dedicatária, sua ex-aluna, e Yvonne Loriod (1924-2010) tornar-se-ia a extraordinária intérprete de toda a criação pianística de Messiaen, justamente ela que apresentara em público, entre outras obras de seu imenso repertório, a integral do Cravo Bem Temperado de J.S.Bach e os 27 Concertos para piano e orquestra de Mozart.
Catherine Lechner-Reydlett debruça-se sobre a produção de Messiaen, a classe de composição mantida no Conservatório de Paris e o “Festival Messiaen au Pays de la Meije” criado em tributo ao homenageado. Como no próximo post abordarei a síntese de depoimentos de intérpretes e alunos colhidos criteriosamente pela autora, esses temas surgirão naturalmente, a realçar as qualidades inalienáveis de um dos maiores mestres da composição e do ensino do século XX.
My comments on the book “Messiaen – l’empreinte d’un géant”, written by Catherine Lechner-Reydellet, French pianist, writer and professor at the University of Grenoble. The book is a sound research on the French composer, organist and teacher Olivier Messiaen’s creative diversity, pointing out the influence of his devout Catholic faith in his production. An essential reading for anyone wanting to learn more about one of the most influential names in the history of 20th century classical music.