Leitores e seus posicionamentos
Mais custa quebrar rocha do que escavar a terra;
mais sólido, porém, o edifício que nela se firmou.
A grandeza da obra é quase sempre devida
à dificuldade que se encontra nos meios a empregar.
Agostinho da Silva
Foram inúmeras as mensagens sobre o último blog. Leitores e alguns ex-alunos escreveram, o que me leva a compartimentar posições no presente post. Desses alunos que estudaram minha disciplina piano, mas que frequentaram a classe de Willy Côrrea de Oliveira, ficariam marcas indeléveis, pois tantos têm a lembrança perene dos ensinamentos de Willy. A essência transmitida em aula pelo professor passou por inteiro e a única palavra inexistente nessas mensagens pós-aprendizado é o termo indiferença. Willy Côrrea de Oliveira permanece nas mentes desses missivistas pelo legado. Legião de docentes é esquecida mesmo antes da conclusão de curso.
Transmito duas mensagens aos leitores, do advogado e escritor Pedro de Almeida Nogueira e do Professor Titular da FFLECH-USP, Gildo Magalhães. Almeida Nogueira comenta: “Li seu texto no blog, conduzido pela curiosidade que o formato do livro de Willy, que não conhecia, me despertou. Gosto muito da forma leve e inteligente de sua narrativa e vou me acrescentando com as frases que dizem muito. Hoje me encantei com o Willy dizendo: ‘…encontrei-a numa tarde e brincamos a tarde inteira, amei-a (sem que ela soubesse) por semanas a fio’. Tenho uma consideração muito grande pelos nordestinos, em especial pelos pernambucanos e, em termos de música popular, não sei por que não há um trabalho (pelo menos não conheço) desenvolvido nos acordes do frevo. Capiba, Nelson Ferreira, o irreverente Maestro Spok, Gaby Amarantos e tantos outros. Veja que não é sugestão, apenas uma lembrança”. Creio que Willy poderia responder. Falarei com ele. Gildo Magalhães observa: “Belíssimo texto desta semana! É de pura crítica no melhor sentido da exegese. Quem, como eu, já cruzou com Willy, percebe uma qualidade do blogueiro: a atenção para a pessoa humana, pois sem deixar de apontar as estranhezas, conhecidas por alguns, do compositor, reconhece o mérito daqueles que têm muito a dizer”.
Quanto ao Willy, visitei-o outra vez. Levei-o ao cartório, a fim de autenticação autorizando-me a gravar em Maio, na Bélgica, sua coletânea “Recife, Infância. Espelhos…”, obra que pertence ao meu universo de afetos. Após, permanecemos longamente em um café no Brooklin e nossas conversas passaram pela diversidade e contrastes: Haydn-Mozart, Debussy-Ravel e pela música contemporânea, Pierre Boulez e Karlheinz Stockhausen, assim como pelos cineastas Andreï Tarkowsky e Ingmar Bergman. Se a criação artística foi temática descontraída, mas a considerar tantas derivantes que percorrem nossas mentes, a interpretação pianística também teve relevância na troca de ideias. Ambos temos inclinação nítida pelos intérpretes do passado. Vladimir Horowitz, Vlado Perlemuter, Andor Foldes, Wilhelm Kempff foram alguns dos nomes referenciais lembrados, além de Vianna da Motta, extraordinário músico português, que mantinha sob os dedos um repertório descomunal (vide blogs: “Vianna da Motta – 1868-1948″, 07/07/2018 e “Seria Vianna da Motta lembrado à altura de seu mérito?”, 14/07/2018). Ouvintes das gerações mais recentes podem entender-nos saudosistas. Contudo, naturalidade, reflexão, envolvimento com a essência essencial deixada por um compositor, graças em parte à ausência dos portentosos holofotes atuais – praga que oblitera o aprofundamento -, tornaram-se concordância em nossos diálogos sobre pianistas. Salientaria uma exceção ainda em plena atividade, Daniel Barenboim, por nós considerado o intérprete mais completo da atualidade. Mencionei uma observação de Barenboim sobre a interpretação nos nossos dias, a priorizar a virtuosidade. Afirma o grande pianista, regente e pensador que os ouvidos humanos não conseguem apreender a velocidade extrema, desiderato de tantos, à la manière dos atletas olímpicos. Quanto à concepção para a execução de uma obra, Willy e eu mostramo-nos concordes com a arquitetura sonora que Barenboim extrai de uma partitura musical.
De outro segmento das missivas eletrônicas de leitores não músicos, ficou-me a impressão de um não dito em meu texto anterior, pois tantos também me perguntam sobre a carreira de professor na Universidade e sugerem-me abordar esse espinhoso tema. Como meu blog existe sem interrupção desde Março de 2007, lembrar-lhes-ia que dois posts do “passado” têm, sob a égide cirúrgica ou fulcral – se assim pudermos a eles fazer referência, mormente aos leitores mais recentes – uma visão ampla após minha leitura de três livros, que entendo referenciais e dos quais teço comentários: “Os Últimos Intelectuais”, de Russel Jacoby (vide blog: 21/03/2009), “Teoria Geral da Estupidez Humana” e “A Nova Ordem Estupidológica”, de Vitor J. Rodrigues (vide blog: 14/08/2010). Penetram fundo no compartimento da docência na Universidade, sendo que os de Vitor J. Rodrigues mostram-se ainda bem mais enfáticos na crítica aguda às mentes docentes na Academia.
Mais de dez anos me separam do ensino na Universidade de São Paulo, graças à compulsória, àquela altura aos 70 anos. Contudo, responderia àqueles que me questionaram que, ao longo dos anos aprendi a diferenciar categorias de professores. Sucintamente, diria que na essência temos: vocacionado (inteira e prazerosamente dedicado ao ensino), burocrata (décadas a repassar os mesmíssimos ensinamentos, sem renovação e sem rubor), pesquisador, compartimentado em dois segmentos (brilhante nessa área e menos eficiente como didata, ou convincente nas duas atividades), carreirista (facilmente detectado, devido à indisfarçada volúpia pela ascensão na carreira diretiva, e para o qual a docência – mesmo que eficaz -, apresenta-se apenas como instrumento para voos intencionais visando ao Poder na Universidade), “profissional” de bolsas ou de subsídios para projetos de pesquisa, nem sempre de interesse. Creio que o leitor tirará conclusões abrangentes ao ler os posts mencionados, que aprofundam essa temática. Nesse item, em conversa na década de 1990 com colega de uma outra área que estava sempre com verbas a receber, dele ouvi que tinha muito maior trabalho em aprontar relatórios para os Institutos do que com a própria pesquisa!!!
O reencontro com Willy Corrêa de Oliveira, abastecido por tantas intenções mantidas no de profundis durante décadas e que estão aflorando, como se a buscar a recuperação do tempo, marca um momento prazeroso que, espero, perdure. Jamais, nas décadas da docência universitária, tivemos contato tão bom e descontraído. Nossos 80 anos trouxeram uma natural serenidade, mercê da decantação. Mesmo se tema possa levar a possível antagonismo de ideias, um absoluto respeito mútuo instaurou-se nessa releitura de relacionamento depois de longa hibernação. Impossível qualquer excesso. Não mais temos tanto tempo…
Today I publish messages received with comments on the previous post about the composer Willy Corrêa de Oliveira and his book “Passagens”. Willy and I have been contemporaries at the Department of Music of Universidade de São Paulo till we both retired. We met a few times recently due to my forthcoming recording of his work for piano “Recife, Infância, Espelhos…” and all I can say is that never in the past have we had such pleasant moments together. At our age, mutual respect prevails over any possible antagonism of ideas. And since many have asked my opinion about the academic career, I also explain briefly each of the categories into which I classify university teachers: naturally gifted, bureaucrats, researchers, careerists, experts in obtaining fellowships and grants from research funding institutions.