O tempo implacável a retardar respostas

Não corro como corria
Nem salto como saltava
Mas vejo mais do que via
E sonho mais que sonhava

Agostinho da Silva

Entre as inúmeras mensagens recebidas através do endereço eletrônico inserido no menu do meu blog muitas continham questionamentos. Anotei-os criteriosamente por categorias para respostas futuras em blocos. Busco no presente post atender às dúvidas e às questões formuladas pelos leitores.

Perguntam-me sobre a atividade musical, as preferências literárias, as corridas de rua, as viagens ao Exterior, o distanciamento das apresentações no Brasil, as gravações e até a política em nosso país… Mui dificilmente deixo de atender leitores, mormente se há questionamentos urgentes merecendo respostas imediatas por e-mail, e essas, nesse caso, saem logo após a recepção, pois mensagens se acumulam e o retorno à nova leitura torna-se quase sempre improvável. Ao se distanciar no tempo, tendem às calendas. Portanto, temas que me são caros quando questionados, mas que demandam um maior debruçamento, se não os respondo de imediato deixo-os numa lista de espera. Nesses quase 12 anos de blogs ininterruptos jamais recebi mensagem desinteressante e esse fato é reconfortante e fonte de estímulo.

Não foram poucas as mensagens lamentando a ausência das ilustrações do saudoso amigo e imenso artista Luca Vitali. Sinto muito a sua falta, pois foram dezenas de blogs que, após minha leitura durante nossos almoços às terças-feiras no Natural da Terra, tiveram charges plenas de humor, ironia e perspicácia do amigo artista. Deixou-nos em 2013. Lembrá-lo atende não apenas leitores sensíveis, como é singela homenagem que lhe presto. Sob outro patamar, elogios nunca cessaram às participações sábias do ilustre compositor e pensador francês François Servenière. Lê em França todos os blogs e incontáveis vezes inseri seus comentários. Formávamos um trio que permanece em nossas mentes. Os Études Cosmiques para piano de Servenière, que gravei na Bélgica e saíram em França pelo selo ESOLEM em 2017, estão no Youtube. Foram escritos a partir da monumental Série Cósmica, pintada (acrílico sobre tela) por Luca Vitali.

Basicamente as questões levantadas por leitores são concernentes aos temas espalhados em textos ao longo dos blogs, que tiveram início aos 2 de Março de 2007. O fato de ter, ao passar dos anos, recebido com enorme prazer a adesão crescente de leitores, implica, sob outro aspecto, o desconhecimento que novos seguidores do blog têm de temas abordados desde o início. Sem querer ser redundante, mas a buscar atender aos muitos novos leitores, respondo a várias perguntas sobre assuntos comentados nesse extenso período.

Questionam-me sobre minha ausência nas programações musicais, principalmente em São Paulo. Assiduamente me apresentava na cidade em que nasci, dos meados da década de 1950 aos anos 2000. São Paulo viveu estertores da efervescência cultural voltada à música erudita até dois ou três decênios após a metade do século. Naqueles tempos, a mídia estaria possivelmente descompromissada com o lucro advindo da ação cultural, concedendo espaços nos jornais e revistas ao que de fato interessava culturalmente à cidade, sem contrapartida. Estou a me lembrar que jamais, nas décadas em que mais atuei em São Paulo, jornais deixaram de publicar matérias, tantas vezes bem extensas, quando repertório mostrava-se relevante. Como tenho o hábito de tudo arquivar, as integrais (opera omnia) de Jean-Philippe Rameau (Auditório Itália, dois recitais em 1971) e de Claude Debussy (MASP, quatro recitais solo mais a integral para dois pianos com minha mulher Regina no Cultura Artística em 1982) mereceram ampla cobertura, gratuita diga-se, na Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo e Jornal da Tarde. Nessas apresentações, assim como nas das integrais das Sonatas Bíblicas de Johan Kuhnau (1972) e dos Estudos de Alexandre Scriabine (1977), ambas no MASP, havia público excedente sentado nas escadarias.

Não poucas vezes mencionei que na década de 1950 São Paulo tinha cerca de 13 críticos musicais, a maioria músicos-professores respeitáveis, como Caldeira Filho (“O Estado de São Paulo”), H.J.Koellreutter e L.C.Vinholes (“Diário de São Paulo”), Arthur Kauffmann (“Folha da Noite”), Dinorá de Carvalho (“Diário da Noite”), Cyro Monteiro Brizolla (“Correio Paulistano”), Diogo Pacheco (“O Tempo”), Odette de Faria (“Shopping News”), Lilly Wolff (“Jornal Alemão”), exemplos sensíves a serem destacados. Outros tempos, certamente. Em sendo músicos, frequentavam os recitais dos intérpretes consagrados, mas também dos jovens. Opinavam com competência, incentivando o jovem talento ou indicando que caminhos outros existem. A cidade cresceu desmesuradamente e, bem inversamente, desapareceria o crítico músico de ofício, conscientemente opinativo pois, salvo alguma possível exceção. Sob outra égide, espaços nos jornais dedicados ao pulsar musical erudito existente fora dos grandes holofotes parecem não ser mais a orientação da imprensa. Basicamente desapareceram.

Foi a partir de 1995 que iniciei, aos 57 anos, gravações, no Exterior. Essa atividade foi decisiva, pois nas mais perfeitas condições tecnológicas possíveis, delas constando a qualidade indiscutível dos engenheiros de som – o saudoso Atanas Baynov, na Bulgária, e Johan Kennivé, na Bélgica -, acústicas absolutas dos locais de gravação e pianos rigorosamente impecáveis. Priorizei, dessa época ao presente, as gravações, e o CD a ser gravado em Maio deste ano na Bélgica será o 25º, que, assim como os anteriores será lançado na Europa. Essa menção à gravação é importante, pois a partir dela o recital continuou como atividade amorosa e benfazeja, mas não mais como necessidade imperiosa da apresentação pública pela mera apresentação… Esta atitude fez com que me distanciasse um pouco do público, por opção pessoal, respeitando-o e sentindo o calor que ele transmite. Paralelamente, a realidade tem mostrado que o próprio recital de piano, sob o aspecto geral, ao não ser precedido de ampla divulgação – publicidade essa destinada aos nomes amplamente divulgados no Exterior que se apresentam na cidade, ou para os intérpretes pátrios com patrocínios vários, faz com que as récitas de intérpretes que ainda resistem à sensível queda de público cheguem a ter caráter heroico. Esse fato é real e a se lamentar. Se me apresento anualmente uma ou duas vezes em São Paulo, busco fazê-lo em salas que abrigam público não numeroso, mas fiel à tradição. Sinto-me feliz em poder dar meus recitais nessas salas.

Ao leitor diria que, na década de 1990, estávamos em Belém do Pará, a grande pianista Yara Bernette (1920-2002) – uma das maiores do Continente -, o excelente violoncelista Antônio Lauro Del Claro e eu para apresentações distintas. Reunidos no terraço do Hotel em que estávamos hospedados, Bernette observou, para nossa surpresa, que o recital de piano tinha prazo certo de existência. Bernette, que durante décadas viveu em Hamburgo onde se tornaria chefe da cadeira de piano da Escola Superior de Música e Arte Dramática, observou que, independentemente dos nomes mediáticos, a grande maioria dos intérpretes estaria confinada às salas menores, pois teatros e salas monumentais não mais a abrigaria. Posteriormente, a escritora e historiadora de arquitetura Victoria Newhouse, em seu livro Site and Sound, explicita pormenorizadamente a problemática das grandes salas, muitas delas não mais ocupadas na plenitude, e a real possibilidade das salas menores. Anualmente, as visitas a Portugal e Bélgica e outras à França levam-me às apresentações que me entusiasmam, a ter sempre público seletivo em salas que abrigam umas poucas centenas de ouvintes. Creio que a explanação estaria a responder aos questionamentos de inúmeros leitores.

Perguntaram-me sobre as resenhas e qual o motivo de preferências sensíveis, como música e aventuras. Sirvo-me de frase do poeta português José Gomes Ferreira, que observava: “Música, minha antiga companheira desde os ouvidos da infância”. Temas relacionados às aventuras e conquistas do homem através dos tempos também me apaixonavam desde a tenra idade. Eis duas temáticas que sempre foram prioridades nas minhas leituras, Logicamente, tantos outros livros abordando romance, filosofia, arte, literatura epistolar e outras mais permaneceram ao longo, despertando constante interesse. Desde os meus 10 anos habituei-me à leitura, incentivado pelo nosso saudoso pai. Fazia-nos ler, pois somos quatro irmãos, um capítulo de livro por ele escolhido, sempre a priorizar a melhor literatura, preferencialmente a portuguesa – cuidado com o estilo -, e tínhamos de redigir diariamente resumo do que líamos, em apenas uma página. O pai corrigia, atribuía avaliações e uns poucos cruzeiros (moeda da época) para as sinopses precisas, sem erros. Dizia ele que o espírito de síntese era fundamento essencial na leitura e na vida. Esses cruzeiros revertiam-se em livros, escolhidos doravante por cada um de nós nas visitas que fazíamos no último sábado do mês às livrarias do centro de São Paulo. Somavam-se esses cruzeiros a outros que eram atribuídos à escuta de LPs de música clássica que nosso pai adquiria mensalmente. Após a audição escrevíamos o nome do compositor numa papeleta e nem sempre acertávamos, pois o acerto vinha após detectarmos o período histórico e o criador da composição. Nosso pai chegou a ter 5.000 LPs!!! Essas considerações são necessárias, pois a leitura virou respiração e a audição de música, uma constante, principalmente após o advento do Youtube.

Três leitores indagam-me sobre a desativada equipe de corridas TA LENTOS e as causas de seu desaparecimento. Longe de ser uma equipe como tantas, organizada oficialmente, com treinos semanais e programação, a TA LENTOS reunia cerca de 10 amigos, a grande maioria descendente de japoneses, para encontros em corridas determinadas, entre elas as provas de revezamento da Ayrton Senna (Autódromo de Interlagos) e a do Pão de Açucar (Ibirapuera). Congraçamento. alegria contagiante e a permanência na arena durante toda a competição de revezamento que para nós, oito corredores, suplantava bem as quatro horas de duração. O meu ingresso deu-se em 2008. Após sessões de quimioterapia a que me submeti para tratar de um câncer que quase me levou aos anjinhos, continuei e continuo, hoje com visitas periódicas, a frequentar o consultório da mesma médica que me acompanha desde 2004, a competente hematologista e hemoterapeuta, Drª Ana Rita Burgos Manhani. Como chefe da enfermagem da clínica em que trabalhava a Drª Ana Rita, a enfermeira Cristina Ito, ao saber que passara a correr em 2008, convidou-me a ingressar na TA LENTOS. Foram anos muito felizes participando de corridas em São Paulo, Mogi das Cruzes e Osasco. Com o desligamento de alguns, a TA LENTOS perdeu o sentido, mas não o vínculo amistoso, pois constantemente encontro três corredores da equipe, o casal Américo-Regina Umeda e André Shigueo nas muitas corridas de rua existentes. Shigueo até hoje prestigia a TA LENTOS ao vestir a camisa da equipe com desenho jocoso realizado por Luca Vitali.

Outros leitores escrevem para que opine esporadicamente sobre política. Fi-lo pouquíssimas vezes. Há incontáveis articulistas e radialistas que tratam do tema de maneira competente. Contudo, segmento expressivo entre eles que, graças à carga repetitiva do discuso com nítida orientação, é detectado facilmente pelo leitor ou ouvinte atento. Quando percebo o “ranço” partidário, passo ao largo. Creio, todavia, que a corrupção endêmica, acentuada de maneira estratosférica no Brasil neste século, verdadeiro saque aos cofres públicos, terá uma diminuição sensível com os novos governantes, mas estará longe de desaparecer, pois enraizada nessa relação espúria político-empresário. Sob outro aspecto, o povo, razão essencial de uma nação, basicamente não mais crê em nossa Justiça. Triste fato.

Por fim, as mensagens estimulantes apenas acentuam a vontade de continuar a escrever, uma de minhas grandes alegrias. Desvinculado de quaisquer interesses relacionados a patrocínios, felizmente nunca buscados, o que me possibilita a total independência, prossigo aos 80 anos escrevendo com o mesmo prazer que me levava a redigir artigos para o jornal do Liceu Pasteur, “O Arauto”, na longínqua juventude, quando em bancos escolares. E os textos continuarão a fluir, assim espero.

In this post I reply to questions  frequently posed by readers: my musical engagements, reading choices, trips, recordings, races and even my political opinions. The messages received are a stimulus to go on writing, something I do with the same enthusiasm of the time I was a student at Liceu Pasteur and a “columnist” of “O Arauto”, the school newspaper.