A partir de silêncios mediáticos
É-nos dado constatar que a indústria cultural moderna,
tendo hoje a regência-mor da comunicação audiovisual que equaliza,
em todo o território nacional, gostos e costumes; práticas e modismos;
aceitação ou rejeição; o que se deve ouvir, ver e ler,
estabelecerá cada vez mais acentuadamente
os seus tentáculos ditatoriais de padrões normativos.
(Extraído de uma Aula Magna – 1993)
Recebi muitas mensagens mencionando o desconhecimento da morte do notável pianista Fernando Lopes. Uns poucos sabiam do falecimento, mas pela transmissão de amigos e colegas. Assim como alguns luminares da interpretação que se foram são lembrados até calorosamente por apreciadores da música erudita através das gravações, Fernando se incorpora a esse grupo seleto, pois legou execuções que já se tornaram históricas, como as Cartas Celestes de Almeida Prado e a integral dos Concertos para piano e orquestra de Villa-Lobos.
Meu amigo Gustavo, engenheiro e violinista amador, após elogios a Fernando Lopes, fixou perguntas que ouvi em café próximo de minha casa, local em que ficamos por bons momentos. A beirar os 40 anos de idade, diz não mais suportar os principais provedores, espaço que antes apreciava, depois de ter abandonado noticiários e programação da TV aberta. Lamenta profundamente o descaso de provedores e da TV aberta que abandonaram a divulgação de entrevistas e programação da música erudita. Curiosamente, em determinado momento disse-me que da TV Globo apenas se salvava o Globo Rural aos domingos. Fiquei surpreso, pois é o único programa a que assisto da Rede Globo, durante o café da manhã e antes dos treinos para as corridas, apesar de jamais ter tido uma denominada “vida rural”. Muito bem produzido, abrangendo entrevistas no Brasil inteiro, focaliza todos os aspectos de nosso universo rural de maneira bem agradável e instrutiva, com ótimos apresentadores que não buscam holofotes. Dessa Rede não consigo mais assistir a nenhum outro programa. Entre aqueles oferecidos pela TV por assinatura ainda vejo uns poucos, alguns com raro prazer, mormente documentários.
Gustavo entende tudo de computação, enquanto eu sou uma verdadeira toupeira, conseguindo apenas publicar meus blogs semanais, ler e responder aos e-mails recebidos e, após visitação a alguns provedores com o cuidado necessário, filtrar o noticiário que me interessa que, infelizmente, está sempre misturado à lama que cito no blog anterior. Sites de jornais da França e da Inglaterra são lidos mais naturalmente, pois não há esse amálgama indigesto.
Tendo também apreciado o final do texto precedente, Gustavo não mais acredita em uma reviravolta a trazer a Cultura erudita novamente à divulgação ampla.
Sob outra égide, entendo igualmente que não mais há retorno, pois a engrenagem empresarial voltada aos grandes eventos de entretenimento e à internet, a cada momento mais devoradora, leva a juventude, preferencialmente, a não mais refletir, a distanciar-se da decantação que conduz à dedução e a resultados, a entender a língua escrita como um código mediocremente reduzido, pois esses jovens se adequam às abreviações das palavras quando em comunicação através dos antigos celulares que, hoje, adquiriram denominações mais complexas. A abreviação carrega consigo a voluntária falta de interesse pela escrita correta e o que se vê é uma verdadeira barbaridade. Twitter, Whatsapp, Instagran e outros mais aplicativos são reducionistas e agem na mente de jovens despreparados culturalmente de maneira devastadora. Essa abreviação voluntária elimina a reflexão e estimula a comunicação de um cotidiano banal.
Estava em um coletivo dias atrás e, sentado, observava cidadãos ao meu redor. Contei, apenas num flash, dezesseis pessoas lendo ou vendo algo em seus “celulares”. Estavam na faixa que se estende dos 15 aos 40 anos. Como sentara-me em cadeira isolada mais alta, de costas para o motorista e quase em frente ao cobrador, tinha uma visão panorâmica do ônibus tri-articulado. Daquilo que pude ver, apenas uma senhora sexagenária e um senhor mais ao fundo, esse septuagenário, não acessavam nada. Ninguém lia, nem que fosse um panfleto. Alguns desses passageiros não desgrudavam seus olhos da telinha e quando enviavam mensagens escritas o faziam com extrema agilidade digital. Dois conversaram com fone de ouvido ininterruptamente da Av. Paulista à minha cidade bairro Brooklin-Campo Belo (cerca de 35 minutos para o trajeto).
Num outro contexto, os meios de comunicação propagam com ênfase a visita de bandas que aportam em nossas terras para shows com “celebridades” de vários gêneros pretensamente musicais, mas certamente muito barulhentos, e meses antes os ingressos para as Arenas imensas já estão vendidos a preço de ouro. Filas se formam, acampamentos são montados meses, semanas, dias antes do ensurdecedor evento e essa juventude à deriva clama que se não conseguir assistir a esses megashows, prefere morrer!!! Uma reportagem televisiva colheu entrevistas nesse sentido. Fato. A tragédia não está estampada nessas pretensas mortes, mas na origem originária que propiciou chegarmos a esse ponto. Agregam-se a esta o descompromisso com os estudos, a alienação, o compartilhamento entre partícipes da mesma incultura e, tantas vezes, a mortífera droga. O Estado oculta-se. Sob outra égide, o exemplo vivo dos “astros” dessa modalidade pseudomusical teriam, assim como outros de áreas esportivas o fazem, influenciado a legião de jovens, a encontrar na tatuagem uma possibilidade de identidade, uma fuga do anonimato.
Escrevi ultimamente que pequenas salas ainda abrigam recitais de música erudita, contrastando com teatros maiores, que seguem a rotina das Sociedades de Concerto. Essas salas de resistência bem menores corroboram o pulsar cultural. São várias as causas do declínio da música erudita entre os jovens: familiar, social, proliferação da internet que, à mercê das corporações interessadas financeiramente nesse vasto universo juvenil, estão a destruir raízes que se mostravam firmes. Jovens e adultos minimamente frequentam salas de concerto e o público reduzido – comparado ao que vai a espetáculos pop – atesta o desalento.
Casal amigo que encontro por vezes nos supermercados apresentou-me o filho com pouco mais de 15 anos. Conversamos e perguntei-lhe a certa altura se gostava de leitura. Em dado momento, mencionei o livro “Cuore”, de Edmondo de Amicis, lido por muitas gerações. Mostrou-se discretamente interessado e prometi entregar-lhe meu exemplar no dia seguinte. Compareceu na hora marcada no mesmo estabelecimento. Ao entregar-lhe, imediatamente disse que não leria um livro tão velho, pois minha edição é antiga e as folhas estão bem amareladas. Desejei-lhe boa sorte em seus estudos e vi nessa atitude um sinal desse distanciamento irreversível da juventude atual com o antigo. Sessenta e cinco anos antes, ao receber um livro antigo interessava-me inicialmente o conteúdo e as velhas folhas, via-as até com simpatia.
O prezado leitor a essa altura julgar-me-ia cético, pessimista, inconformado. Diria a todos, apenas um observador, nada mais. Contudo, a corroborar esse possível posicionamento, mencionaria uma amiga que recentemente leu a Aula Magna que proferi na Universidade de São Paulo após me tornar Professor Titular, “A cultura musical erudita na universidade: refúgio, resistência, expectativas” (Anfiteatro de Convenções e Congressos da USP, 4 de Março de 1993). Disse-me ela: “Você tinha mais esperanças”. Talvez tenha razão.
A brief assessment of some aspects of the cultural industry impact on society: alienation, exaggerated consumerism, non-commitment to learning, despise for art forms that belong to tradition, here included the shrinking relevancy of classical music among the new generations. My pessimism about today’s society has only gotten worse with time and I have no hope the situation will turn around.