Uma cartinha para o Papai Noel e a ansiosa espera

Dizem para você que os semblantes
nessa noite são extraordinários,
pois estão à espera de um milagre.
E você vê que todos os anciões retêm a respiração,
fixando seus olhares nas crianças,
preparando-se para fortes palpitações do coração.
Algo indescritível e de valor inestimável
se passará nos olhares dessa gurizada.
Antoine de Saint-Exupéry
(Citadelle CXXII)

Desde 2008 realizo meus treinos para as corridas de rua do calendário oficial dessa atividade esportiva, que a cada ano ganha um número maior de adeptos. Quando não participo de uma prova, nem por isso deixo de treinar na minha cidade-bairro, Brooklin-Campo Belo. Durante a semana os treinos se concentram em torno do Brooklin e, aos domingos, no Campo Belo.

Nos treinos dominicais passei a encontrar o pequeno José, de apenas seis anos, que passeia por uma das ruas do bairro com sua mãe, avó e bisavô. Certo dia, lá se vão alguns meses, ao passar pelo menininho José, ele me perguntou se poderia correr comigo. Deu-me sua mãozinha e percorreu uns 40 metros. Domingos seguidos esse meu trajeto teve curta distância percorrida também pelo pequeno José.

Vendo-o triste determinada manhã, perguntei-lhe a razão. Um seu coleguinha destruíra seu carro de polícia. Imagine o leitor o efeito desse acontecimento. Estava “de mal” com o coleguinha. Disse-lhe que deveria tentar as pazes com o pequerrucho, pois não é bom a animosidade já a essa altura. Como completaria seis aninhos dias após, presenteei-o com uma caixa a conter alguns carros de metal e lá estavam o carro de polícia, de bombeiros, ambulância e outros tantos.

Ultimamente o pequeno José, sempre a acompanhar bisavô, avó e mãe, ao me ver correr – parece ter olhar de lince – vem até mim em desabalada correria, dá-me a mãozinha e nossos 40 ou 50 metros ficam garantidos. Despeço-me com um abraço e retomo meu treinamento.

Num desses domingos José tinha às mãos um boneco do Batman todo articulado, medindo uns 40 cms. Perguntei-lhe se pedira algo para o Papai Noel. Respondeu-me que gostaria do Superman. Disse-lhe para escrever cartinha ao bom velhinho e que eu entregaria sua mensagem, pois era meu amigo. Meu amiguinho colocou a mão na minha barba e disse que eu também a tinha branca. Comentei que Papai Noel sabe se o menino foi bom aluno, obediente aos pais e que na cartinha ele não poderia mentir.

Uma ou duas semanas após, entregou-me a cartinha com seu desejo – mas redigida pela mãe. Fez inclusive o desenho do super-herói sonhado. Perguntou-me se Papai Noel iria atendê-lo. Respondi-lhe que dependeria do bom velhinho, mas acreditava que sim. Corremos mais umas dezenas de metros e prossegui meu treino.

Deixarei o Superman com sua mãe ou avó para que o deposite ao pé da árvore de Natal. Posso antever a alegria de meu amiguinho José.

Esse episódio me faz lembrar de uma infância feliz, que antevia o Natal e a presença certa do Papai Noel, que à meia noite em ponto tocava a campainha. Miúdos ainda, assustávamos à primeira vista, mas à medida que o velhinho em traje púrpura tradicional, gorro e outros apetrechos tirava do imenso saco os presentes para o quarteto de meninos, ficávamos hipnotizados. Como não recordar daqueles instantes inefáveis? Nessa idade edipiana ainda não imaginávamos nosso saudoso pai nesse mágico mister. Foi-se a magia desse maravilhamento, sempre precedido pelos preparativos de nossa também saudosa mãe semanas antes. O Natal, mesmo perdendo esse encantamento, mercê da imensa pressão comercial, continua a ser data maior da cristandade.

Ainda não tiraram a ilusão do garotinho José que  está ansioso para pegar, pela manhã do dia 25, seu Superman ao pé da árvore. Certamente Papai Noel vai atendê-lo. Só o bondoso velhinho da Lapônia, a avó e a mãe do menino José, o leitor e eu sabemos do desfecho.

Se hoje Papai Noel “serve” majoritariamente para fins comerciais, rememorar sua presença, que fazia bater bem mais forte nossos coraçõezinhos, afigura-se como extensão inebriante.

A todos os leitores desejo um Natal de confraternização e paz.

As a boy, Christmas night was pure enchantment, a beautifully perfect night. At midnight Santa Claus – my father in disguise – would ring the doorbell loaded with gifts for me and my three brothers. The magic of the moment now lives on only in my memory, but it is a reality to my six-year-old friend José. Usually strolling along the street with his mother and grandparents during my running routine on Sundays, he sprints in my direction when he sees me and we run some forty meters together as a rule. Little José has entrusted me with the task of handing over a letter to Santa Claus, believed to be my personal friend. First on his wish list: a Superman doll, to keep company with the Spider-Man he already has. I will make sure Santa Claus leaves Superman beneath his Christmas tree. To all my readers, I wish a Christmas filled with beautiful moments and cherished memories.