Uma pianista surpreendente
Não há cérebro melhor para fazer música
do que o de Tatiana Petrovna Nikolaieva.
Sviatoslav Richter
No blog do dia 15 de Agosto focalizei a notável Maria Yudina em suas interpretações rigorosamente pessoais, resultado de tantas opções na vida concernentes a outras áreas. Tatiana Nikolaieva tem perfil distinto. Membro do Partido Comunista desde 1956, sem contudo ter-se engajado na causa, Nikolaieva forjaria uma carreira sui generis e dois compositores preponderariam em seu vastíssimo repertório, J.S.Bach e Dmitri Shostakovich. Dotada de uma memória prodigiosa, em seu repertório imenso muitas obras foram apresentadas em público poucos dias após aprendê-las.
Tendo participado do Concurso Bach em Leipzig em 1950, obtém o primeiro prêmio. Shostakovich, que integrava o júri, ficou impressionado com os dons de Nikolaieva. A ela dedicaria os 24 Prelúdios e Fugas op. 87, obra cuja publicação dependeu de várias tratativas, pois entendida pela Nomenklatura como “formalista”. Enfim, é publicada e estreada pela pianista aos 23 de Dezembro de 1952 em Leningrado. A pianista foi a intérprete preferida do compositor. O opus 87, assim como tantas outras, Nikolaieva apresentaria nos muitos países satélites da União Soviética e no Ocidente.
Clique para ouvir, na interpretação de Tatiana Nikolaieva, o Prelúdio e Fuga op. 87, nº 7 de Shostakovich:
https://www.youtube.com/watch?v=3w0C3Ipwxkw
No ano de 1951 receberia o prêmio Stalin como compositora, mercê de seu Concerto para piano e orquestra, sendo que em 1983 foi proclamada “artista do povo”.
Clique para ouvir, na interpretação de Tatiana Nikolaieva, o Estudo em Mi Bemol Maior de sua autoria:
https://www.youtube.com/watch?v=CuIFhwDvO78
Em 1959 torna-se professora do Conservatório Tchaikovsky em Moscou, sucedendo seu ilustre professor, Alexandre Goldenweiser. Em 1993, executando os 24 Prelúdios e Fugas de Shostakovich em São Francisco, nos Estados Unidos, sofreria um AVC, vindo a morrer nove dias após.
Ficaram marcados os ciclos J.S.Bach, Beethoven e Schumann, assim como a incursão no repertório de seus contemporâneos, como a Sonata para piano de Henri Dutilleux e o Capriccio para piano e orquestra de Stravinsky. Sobre essa obra, fato memorável se deu quando o compositor visitou Moscou a fim de participar de um Festival e propuseram o seu Capriccio no programa. Como não houve quem o pudesse preparar em tão pouco tempo, Nikolaieva se habilitou e não apenas ensaiou com a orquestra, realizando leitura à primeira vista, como o tocou de memória durante o concerto.
A sua compreensão da obra de J.S.Bach era decantada e prolongar-se-ia após sua morte. Assim como Claudio Arrau e Edwin Fischer, Tatiana Nikolaieva apresentou em público a integral do compositor alemão. Sua leitura da obra de Bach segue a tradição, mas Nikolaieva imprime suas impressões digitais. Suas interpretações das Variações Goldberg e do Cravo bem Temperado são rigorosamente referenciais.
Clique para ouvir, na interpretação de Tatiana Nikolaieva, a Partita nº 1 em Si bemol Maior de J.S.Bach. A se observar, entre tantos outros processos da técnica pianística, a peculariedade de seus staccatos:
https://www.youtube.com/watch?v=4QTtcNWr7q0
Alexandre Scriabine igualmente fez parte de seu vasto repertório. Nikolaieva compõe a lista dos grandes scriabinistas. Ouçamo-la a interpretar os oito Estudos op. 42:
https://www.youtube.com/watch?v=aTlzKA91GIE
Como professora não impunha sua vontade e, desde que a interpretação fosse a seguir preceitos da partitura e da individualidade, a excluir o livre arbítrio, aceitava-a de bom grado. Dizia que disciplina e paixão são ferramentas indispensáveis e que uma obra a estudar deveria ser fonte de perene alegria. Seus pósteros afirmavam que aprendeu um dos Concertos para piano e orquestra de Brahms nos seus trajetos de ônibus e que a prática de aprender uma música sem a necessidade do instrumento lhe era habitual.
Tatiana Nikolaieva foi certamente um dos grandes fenômenos pianísticos do século XX. Sua concepção interpretativa tem quase sempre a amplitude de uma orquestra, pois timbres variados, graduação agógica, sentido pleno da dinâmica, articulação diferenciada e rica, pedalização ímpar, detectável mormente na obra de J.S.Bach, a privilegiar as grandes linhas, imprimem a cada obra executada singularidade raramente encontrada. Assim como alguns luminares da arte pianística de antanho, Nikolaieva tinha uma cultura geral respeitável. Ela confessava que não apenas a música era foco de suas atenções, mas a arte como um todo, pintura e literatura preponderando.
O curto documentário sobre Tatiana Nikolaieva, com legendas em inglês, pode se acessado através do YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=Wtu81rUqrfk
The Russian pianist, composer and pedagogue Tatiana Nikolaieva (1924-1993) was one of the greatest pianistic phenomenon of the last century. In 1950 she won first prize at the Bach Leipzig piano competition, where she met Dmitri Shostakovich (a member of the jury panel). It was the beginning of a lifelong friendship with the composer, who considered Nikolaieva the best interpreter of his music. His 24 Preludes and Fugues have been dedicated to her, who premiered the work in 1952. Famous for her remarkable memory, Nikolaieva built up a huge repertoire, the names of Bach and Shostakovich standing out. Her performances had almost always the amplitude of an orchestra, with varied timbres, nuanced agogics, full sense of dynamics, rich articulation and unique use of pedals giving to her music a seldom found originality. For those who want to know her better, I give the link to a short documentary with English subtitles available on YouTube.
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