“Drie Stukken”, um tríptico impecável para piano

Na realidade, o único terreno experimental
é o compositor no ato de compor,
e o único observador possível é o próprio compositor.
Mas, para que suas observações sejam válidas,
é necessário que ele as tenha no curso de seu trabalho,
sem um segundo de desatenção.
André Souris
(“Conditions de la Musique”, 1976)

Roland Coryn é um dos mais notáveis compositores da Bélgica. Estudou no Conservatório Real de Música de Gent, concluindo o curso com brilhantismo e recebendo Primeiros Prêmios como pianista, violinista e compositor. Essa versatilidade concentrar-se-ia com o passar dos anos na composição e no ensino. Na mesma instituição foi professor de música de câmara, harmonia, contraponto, fuga e composição, até a aposentadoria em 1997.

Na atuação como professor de composição, dirigiu o “The New Music Ensemble”, que realizou a estreia de relevantes obras da Bélgica flamenga e também de compositores de outros países, como Louis Andriessen, Maurizio Kagel, Kaija Saariaho e Giacinto Scelsi, entre outros.

Recebeu inúmeras premiações: Tenuto (1973), Jef Van Hoof (1974), Koopal pela sua música de câmara (1986) e o Prémio Visser-Neerlandia em Den Haag (1999) pelo conjunto de sua obra de composição.

Em cooperação com a Câmara Municipal da sua cidade natal, Harelbeke, organizou de 2000 a 2012 o Concurso Internacional de Composição Bianual, “Harelbeke, Cidade da Música”, para novas músicas de bandas sinfónicas.

Quando do projeto de um CD unicamente com Estudos belgas para piano, André Posman, diretor da De Rode Pomp, que promovia cerca de 150 recitais ao ano em sua aconchegante sala para apresentações e mantinha um selo seletivo, a abrigar principalmente projetos inusitados, não apenas aprovou como estimulou a iniciativa. Já havia gravado vários CDs para o selo e nosso entendimento não era apenas musical, mas de uma amizade franca. Ao escolher compositores coetâneos, André ofereceu-me “Drie Stukken” (“Três peças”), de Roland Coryn. Li-as em seu escritório e a partitura me encantou pela competência da escrita, a sobriedade do tríptico e a presença do Adagio Funebre intermediando duas criações movimentadas. Em 2002 gravei o CD “New Belgian Etude” para o selo De Rode Pomp (2004), dele constando dez destacados compositores, sendo que os Estudos de Daniel Gistelinck e Lucien Posman já estão no Youtube.

Nas três noites a gravar na mágica capela Saint-Hilarius, em Mullem, não distante da cidade de Gent, ao registrar as três peças de Roland Coryn, as duas extremas foram gravadas sem percalços e na tranquilidade que Saint-Hilarius proporciona. Contudo, no Adagio Funebre, que, publicada receberia o título Canto Funebre, após duas execuções sentia que algo faltava. Foi quando o extraordinário engenheiro de som Johan Kennivé, um dos mais importantes do planeta, chamou-me para ter com ele na van que ficava no exterior da capela, local de onde ele tudo controlava.

Johan é também psiquiatra e durante vinte anos, anualmente, acompanhou minhas gravações. Profunda amizade se estabeleceu. Disse-me que, vivendo nos trópicos, eu não poderia entender o que representava um enterro nas planícies flamengas, com a carroça a transportar o esquife passando lentamente pelas ruas até o destino final. Em tempos gélidos, solidão absoluta. Fez-me ouvir uma gravação recente, que realizara em homenagem ao ilustre escritor, poeta e padre flamengo Guido Gezelle, com música incidental e fala de Jan van Landeghem a partir do poema “Traagzaam trekt de witte wagen” (“lentamente a carroça transporta pela rua silenciosa…”), de autoria do homenageado. Traduziu-me o poema. Apreendi.

Clique para ouvir pequeno segmento de “Traagzaam trekt de witte wagen”, de Guido Gezelle:

Segmento do poema de Guido Gezelle, Traagzaam trekt de witte wagen.

Adentrei a capela e gravei de uma só vez o Adagio Funebre, mas ainda mais lentamente do que o indicado; diria, um Largo, utilizando-me de uma indicação do léxico musical. Ledo engano entender que as peças mais rápidas e virtuosísticas são as mais difíceis para gravar. A concentração relacionada às criações lentas, em que a escuta é imperativa, requer uma outra abordagem.

Admiro a escrita de Roland Coryn, clara, sem quaisquer exageros, verdadeiramente de um grande mestre.

Clique para ouvir, de Roland Coryn, “Três peças”, na interpretação de J.E.M.

https://www.youtube.com/watch?v=UGtSF9XgvuU

Acredito firmemente que muitas criações ainda estão por vir na aplicação de técnicas composicionais empregadas bem anteriormente. Arnold Schoenberg já se expressara: “há ainda muita música boa a ser escrita em Dó Maior”.

Incluo uma curta criação coral de Roland Coryn, “Standbeeld” (“Estatueta”):

https://www.youtube.com/watch?v=Rn-MOwL-lcc

Roland Coryn is a noted composer and scholar from Belgium. His “Three Pieces” for piano, on the CD “New Belgian Etudes, are contrasting and exemplify the competence of an authentic master.