Prática comum em todas as áreas
Toda representação ou reprodução integral ou parcial
feita sem o consentimento do autor [...] é ilícita.
O mesmo ocorre em relação à tradução,
à adaptação ou transformação,
ao arranjo ou à reprodução por uma arte ou um processo qualquer.
(Definição do plágio. Artigo L122-4 do Código francês de propriedade intelectual).
Um leitor atento, Álvaro Aparecido, escreveu-me em Agosto sugerindo um post sobre o plágio. Fez-me regressar, após muitos anos, a um tema que tem recrudescido. Particulariza a música, mormente a música de alto consumo e majoritariamente efêmera, mas pode-se estender a considerações para todas as áreas. Lembraria um post publicado bem anteriormente, no qual comentava a larga utilização dos termos imitação e plágio (vide: “Imitação, Plágio, Inspiração”. 19/09/2009). Plágio e imitação são palavras que, apesar de diferenciações, se coadunam.
No post mencionado citava frases basilares de Francisco Mignone: “Todos os grandes artistas de todas as artes foram enormes plagiários. O plágio só é condenável quando feito com a intenção de roubar o sucesso alheio”. Outra frase bem incisiva: “Originalidade está na lógica da criação e se Debussy é feito de uma parte de franceses (até de Massenet), e uma terça parte de Moussorgsky, lhe bastou botar uma terça parte de Debussy na sua criação para ser original e chefe de escola” (Francisco Mignone, “A Parte do Anjo – autocrítica de um cinquentenário”. São Paulo, Mangione,1947). Acredito que “a intenção de roubar o sucesso alheio” torna-se algo que deve ser insistentemente combatido. Não obstante, apesar de a internet ser a cada dia mais atuante e detectora, o plágio persiste, velado ou não. O célebre Dicionário Moraes, no século XIX, já assinalava fraude como um sinônimo de plágio.
Os vários estilos musicais que se sucederam durante séculos possibilitaram aos compositores coevos manterem linguagens bem próximas, a lembrar ao ouvinte ser determinada criação pertencente ao século XVII, XVIII ou XIX, como exemplos, guardando-se, é evidente, as características próprias de cada compositor. A forma e o conteúdo obedeciam a ditames que eram seguidos como normas. Determinadas formas, como Fuga e Sonata, obedeciam às regras. Sob o aspecto subjetivo, dir-se-ia que uma espécie de prana “sobrevoava” diversos estilos de época e tornava-se pouco provável a ausência de eflúvios penetrando as mentes. O mesmo se daria com os costumes, indumentárias, gostos e preferências…
Em outra abordagem, como não associar lembranças que, desde a infância, abastecem a imaginação dos autores. Estou a me lembrar de algo sugestivo, pois ao apresentar em Paris ao insigne musicólogo François Lesure (1923-2001), então curador do Departamento de Música da Bibliothèque Nationale, um texto que seria publicado posteriormente, disse-me ele que um dado que apresentei era um verdadeiro ovo de Colombo (“La vision de l’univers enfantin chez Moussorgsky et Debussy”, in “Cahiers Debussy”. Paris, Centre de Documentation Claude Debussy, nouvelle série nº 9, 1985). Reminiscências de cantos e contos da “niania”, (babá) de Moussorgsky, ficaram gravados indelevelmente, e o tema da “Grande Porta de Kiev”, um quase segundo hino russo, última peça dos célebres “Quadros de uma Exposição”, continha lembrança sensível da célebre canção francesa “Frères Jacques”, exibida magistralmente nessa criação lúdica do grande compositor russo.
Clique para ouvir, de Modest Moussorgsky, os “Quadros de uma Exposição” na interpretação de J.E.M. É tão nítida a alusão a Frères Jacques no último Quadro (29:00)!
https://www.youtube.com/watch?v=dDr75RcRNDw
Respondo ao Álvaro Aparecido que, nesse caso específico, não há plágio, mas sim retorno consciente ou não a tema que ficou perene na mente do compositor.
Outro aspecto a ser considerado é a citação. Seria evidente a existência de citações explícitas de temas que ganharam ampla aceitação pública. Um compositor, ao fazer uma citação de autor, ou então de algum tema anônimo ou não pertencente ao hinário pátrio, ao cancioneiro popular ou mesmo aos cantos da Igreja, fá-lo conscientemente. O tema de Dies Irae (Dia da Ira), datado do século XIII, foi exaustivamente utilizado por inúmeros compositores através da História, preferencialmente nos Réquiens. Entre eles poderíamos citar os Réquiens de Mozart, Liszt, Verdi, Bruckner, Gounod e outros mais. Hector Berlioz também utilizará o tema do Dies Irae na sua célebre Sinfonia Fantástica. Tchaikovsky, na celebrada Abertura 1812, serve-se do tema da Marselhesa e de um outro da época czarista, Deus Salve o Czar. Debussy inúmeras vezes se lembrará de algum tema, pátrio ou não, e La Marseillese, God save de queen, Marcha nupcial de Mendelssohn, Fanfan la tulipe e tantos mais surgem rapidamente e se esvaem.
O plágio acadêmico, não mencionado no post citado, é algo grave a ser combatido, mas, hélas, muitas vezes de difícil aferição, mercê das inúmeras fontes bibliográficas nem sempre do conhecimento das bancas examinadoras. Impossível tudo conhecer. Todavia, quem assim age com o desiderato de “roubar o sucesso alheio” poderá até progredir na atividade acadêmica, mas, a exemplo daquele que pratica um crime e a ele tende a retornar, dificilmente passará incólume em sua carreira, pois certamente voltará a praticar plágios outros.
A internet fez recrudescer a utilização de vários aplicativos fornecedores de amplo material, geralmente sucinto e majoritariamente sem a profundidade que se faz necessária. A prática provoca, inclusive, colagens tiradas de um sem número de sites que, no caso de falta de seriedade acadêmica, são de difícil detecção por parte de bancas examinadoras de dissertações e teses. Se artigos são destinados às revistas ou publicações científicas, passam por comitês de redação especializados nas diversas áreas, frise-se, e a detecção se torna facilitada, devido inclusive à menor dimensão do artigo acadêmico e à almejada originalidade em texto de síntese.
Sob aspecto outro, já há sistemas internéticos que detectam se determinado segmento de um trabalho acadêmico foi plagiado. O decoro de um pesquisador faz com que, sempre que conceito ou citação não lhe pertença, a nomeação da fonte dignifique a pesquisa. Estou a me lembrar de que, fazendo parte de banca julgadora de um doutorado na FFLCH da USP nos anos 1990, uma meritória tese possuía mais de mil notas de rodapé. Exagero, indagará o leitor. Todavia, a bem fundamentada tese, apesar de quantidade de citações ou esclarecimentos pertinentes, possuía um alto grau de criatividade. Importante considerar que nem sempre a abundância significa sapientia, pois a quantidade pode representar a necessidade de um postulante mostrar-se “senhor da matéria”, possibilidade de camuflar conhecimento, aparência da verdade.
Acredito firmemente que dissertação e tese não envolvem apenas a presença ocasional do plágio. Geralmente essa prática não vem isolada, pois acompanhada de uma redação eivada de problemas. Um bom orientador normalmente conduz o postulante a resultados positivos. Um orientador menos gabaritado não atenta por vezes à quantidade não despicienda de equívocos e falhas de um orientado. Durante minha já distante vida universitária, observava bem a origem originária, o nome daquele que orientou tal candidato ao trabalho acadêmico. Trata-se de uma garantia, sem dúvida.
O plágio se estende igualmente às traduções de parágrafos sem menção ao autor ou mesmo às adaptações possíveis, ausentando-se a citação das fontes que deram origem a um determinado texto.
Álvaro Aparecido menciona em sua mensagem o autoplágio. É ele condenável? Pergunta complexa, pois é possível entender o autoplágio de diferentes olhares. Se considerarmos o genial Mozart (1756-1791), em sua obra para piano ou solo concertante são inúmeras as recorrências às passagens “semelhantes”, mormente as rápidas, que proliferam ao longo de sua existência. Trata-se de seu estilo e o desenrolar da obra evidencia a maestria mozartiana. Poderíamos enumerar um sem número de compositores que assim agiram. No caso acadêmico, a não citação explícita de pesquisa própria bem anterior ou mesmo frases basilares pode sinalizar desvio pouco saudável.
Há legislação que defende o direito do autor e que é acessada principalmente pelas áreas extra-acadêmicas. Plágio e imitação devem ser combatidos. Todavia, camuflados, podem passar despercebidos. Infelizmente, é o mínimo que se pode afirmar.
A reader suggested I write about plagiarism. I reminded him of a previous post in which I addressed the subject (2009). In the present post I give further consideration to this matter.
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