O jurista Ives Gandra da Silva Martins frente aos aforismos
O caráter das grandes mentes
leva à compreensão de muitas coisas em poucas palavras,
enquanto que mentes pequenas, pelo contrário,
têm o dom de falar muito e não dizer nada.
La Rochefoucauld (1613-1680)
(“Les Maximes”)
759 – Quando um governo é totalmente corrupto,
o governante não pode alegar desconhecimento.
Não há quadrilha sem chefe.
949 – O professor que procura impor suas convicções próprias
e as ideológicas, em conflito com os valores morais familiares
aceitos pela maioria da sociedade,
não é professor, mas apenas um agente político.
Ives Gandra da Silva Martins
(“Reflexões sobre a vida”)
O acúmulo das décadas pode ter inúmeras consequências, entre as quais os extremos. Um primeiro limite abriga desde aquele que muito realizou ao outro que, na simplicidade do existir, cultuou valores cada vez mais obliterados na atualidade, como moralidade, lhaneza, respeito, fidelidade às convicções, família… Num outro extremo, aqueles cujas condutas, sob os mais variados aspectos, estão voltadas ao temor de que jamais sejam expostas.
Em “Reflexões sobre a vida” (São Paulo, Cultor de Livros, 2022), o notável jurista Ives Gandra Martins repassa, nos seus 87 anos, conteúdos essenciais de seu pensar através de 1022 reflexões. Estas abordam moralidade, costumes, religiosidade vivida plenamente como cristão leigo, mas também contemplam política e justiça. Antolha-se-me, contudo, que os momentos conturbados que estamos a viver no país e a imprevisibilidade futura levam-me a preferenciar esses dois últimos tópicos, entendendo que todos os outros temas têm plena relevância. Creio que o leitor poderá aferir o posicionamento de unicidade, através das décadas, de um dos mais respeitados juristas do Brasil. Nessa singularidade do pensar inexiste o talvez e é essa coerência que torna o Dr. Ives Gandra referência tanto na ação jurídica como na de cidadão da maior integridade. Considere-se que a prática de provérbios, axiomas e tantos mais termos de ordem moral, de costume, de orientação religiosa, de cunho popular ou não, é frequentada desde a Antiguidade.
A inserção de cada “reflexão” está precedida da numeração, pois Ives a elas retorna na medida em que escreve ao longo da existência seus pensamentos sobre variados temas.
Da leitura do livro em apreço colhi frases sobre a política e seus atores, assim como as poucas a respeito da Justiça. Ives Gandra observa que tantas são as reflexões que “Certamente, alguém já deve ter pensado como eu. O que vale neste livreto é a luta que tenho por viver o que escrevo, apesar de permanentes fracassos”. Acrescento que, ao longo das décadas, tive o privilégio de acompanhar a coerência opinativa de meu dileto irmão.
Eis algumas de suas reflexões:
208 – Os ditadores, mesmo quando fantasiam eleições manipuladas, são sempre truculentos, principalmente quando, apesar da manipulação, os opositores demonstram força.
209 – A coerência na política é virtude rara. O oportunismo, defeito comum.
210 – Quanto mais conheço o poder, mais vontade tenho de afastar-me dele. Questão de higiene mental.
224 – Os ideólogos são sempre totalitários. Pensam que têm a verdade e querem impô-la, sem respeitar a liberdade alheia. Por isto, quando conquistam o poder, se não tiverem oposição transformam-se em ditadores.
225 – A ideologia está para a sabedoria como o lixo para as flores.
226 – O sábio não precisa impor-se. Sua sabedoria e sua maneira falam por ele. O ideólogo não. Sem a força e a demagogia nada é.
244 – O magistrado deve julgar por aquilo que se encontra nos autos. Se não o fizer, macula sua profissão.
250 – Os ditadores silenciam a oposição com violência e acusações fraudulentas. Mentem para se manter no poder e fingem-se democratas quando podem manipular eleições.
251 – Na América Latina, hoje, pululam falsos democratas e autênticos ditadores.
252 – A democracia dá trabalho, pois exige diálogo à exaustão. É, todavia, o único sistema em que se pode opinar, em que o direito de defesa é assegurado e em que a imprensa e a advocacia são livres.
269 – O poder só tem sentido se for para servir.
330 – Certos intelectuais entendem que são mais competentes do que o povo e podem, em lugar deles e contra eles, definir o que é melhor para a sociedade. Assim nascem os ditadores.
331 – Por pior que seja o Parlamento, é lá que se encontra a representação da Nação. No Executivo está a maioria representada. No Parlamento, a totalidade, ou seja, a situação e a oposição.
332 – O Judiciário só pode ser um poder técnico. Legislador negativo, jamais positivo, pois não tem representação popular e pouco conhece as reais aspirações do povo.
359 – Quem almeja o poder, almeja-o para si, como forma de autorrealização. Quase sempre o poder é apenas campo de manobra para suas ambições.
360 – A corrupção é a moeda corrente do poder, em qualquer espaço ou período histórico.
399 – O poder inebria o ambicioso, mas não o torna melhor se não perceber que quem tem o poder deve servir.
401 – Quando se ataca a iniciativa privada ataca-se a geração de empregos e a evolução social. Quase sempre os que a atacam não têm qualquer habilidade para iniciativas próprias e pensam apropriar-se dos resultados alheios.
403 – Os intelectuais modernos gostam de pensar que o controle dos meios de produção pelo Estado é bom, pois gera justiça social. Desconhecem a história e esperam que, se o seu desejo se transformar em realidade, usufruirão do poder sem trabalhar, passando apenas a pensar, reunir-se e difundir suas ideias para o “povo inculto”.
415 – Quanto mais burocratas e políticos, tanto mais corrupção e atraso.
444 – Parlamentarismo é o regime político de responsabilidade a prazo certo, que dura enquanto o governo for responsável. No presidencialismo, mesmo sendo irresponsável um governo, sua irresponsabilidade terá de esperar o fim do mandato. No primeiro, o afastamento é “intraumático”. Noutro, se antes do prazo, traumático.
448 – Na política, há dois tipos de corruptos, a saber: os políticos que corrompem, o mais das vezes para financiar campanhas, e os burocratas, que se corrompem para enriquecer.
515 – Os governos sem escrúpulos são sempre demagógicos. O tempo pode demorar a desmascará-los, mas a verdade, enfim, sempre aparece.
516 – Quanto mais imoral o governante, mais faz da mentira sua arma principal. Esta perde sempre a última batalha.
530 – Quantas saudades dos tempos em que os que buscavam o poder respeitavam Deus, a Pátria e a Família.
544 – O estadista busca o bem de seu país mesmo que à custa do poder. O político busca o poder mesmo que à custa de seu país.
557 – Muitos, quando entram na vida pública, são tentados a roubar e roubam. E quando estão para ser expelidos, lutam desesperadamente para manter o poder, com medo de que, perdendo força sobre a política, venham a ser presos.
563 – O Poder Judiciário é um legislador negativo. Não pode dar curso a leis inconstitucionais, mas também não pode legislar.
613 – Os tiranetes precisam da demagogia e da força para governar. Tal união de elementos mantenedores do poder, todavia, com o tempo facilita sua queda quando a “verdade verdadeira” vem à tona.
630 – Os governos podem ser de esquerda ou de direita, na rotulação preferida dos ideólogos. Pouco importa. O que devem é ser eficientes.
632 – Os “progressistas” progridem pouco, porque falam sobre os fins sem preocupar-se com os meios. E por não saberem gerar os meios, buscam sempre confiscá-los.
639 – Os ricos pensam ser donos de sua riqueza, mas, na verdade, são as riquezas que são donas dos ricos.
713 – Quanto mais conheço os políticos modernos, mais vejo que sua forma de exercer o poder é podridão.
730 – A política é a arte de os políticos viverem à custa do povo, fingindo que o auxiliam. Que pena!
735 – O desonesto pode ficar rico, mas para os que o conhecem não passa de um dejeto humano.
739 – Qualquer reforma que objetive modernizar um país é sempre combatida pelos burocratas que vivem à custa de regimes arcaicos, pelos políticos que mantêm o poder por força do atraso, e pelos corruptos que usufruem da esclerose retrógrada da máquina estatal.
741 – Há três formas de um homem honesto arruinar-se. 1) Acreditar na boa fé dos governos corruptos. 2) Executar projetos na esperança de que cumpram o que prometem os governos incompetentes. 3) Seguir os conselhos dos burocratas de plantão.
875 – O Estado é um mal educador sempre que substitui a formação do cidadão como pessoa pela concepção de que deve ser coletivizado.
876 – Qualquer pessoa é sempre maior do que a ideologia dominante do Estado. Se o ensino não for voltado ao crescimento do jovem como pessoa, o educador fracassa.
880 – Todo julgador deveria ter a função de juiz como um honroso encargo e não como um cargo honorífico.
968 – Os raros estadistas na política não poucas vezes desaparecem pela mediocridade da maioria.
969 – Houve um político que presidia, nacionalmente, um partido que não objetivava o poder, mas implantar um ideal democrático de bom governo, ou seja, o parlamentarismo. Raul Pilla.
971 – Infelizmente, o Ato Institucional nº 2 encerrou o meu sonho e o de quase todos os libertadores – Partido Libertador era a agremiação. A partir daquele momento nunca mais fiz política, decisão da qual nunca me arrependi.
973 – Para muitos, a política é a arte de enganar o povo.
974 – Para outros, a política é a arte de enganar aqueles que estão ao seu lado, sem que saibam que estão sendo enganados.
1017 – Quanto mais vejo as notícias nos jornais sobre o que de errado ocorre no mundo, mais percebo como o ser humano não sabe preparar-se para a vida.
“Reflexões sobre a vida” é livro a ser consultado. Recomendo-o vivamente.
In the book “Reflections on Life”, the noted jurist Ives Gandra da Silva Martins includes maxims of his own written in the course of his life. Customs, morality, family, religion, politics and the Judiciary make up the whole. I concentrated on the last two topics.