Navegando Posts publicados em maio, 2023

Desde a fecundação ele cronometra a existência

Na estrada por que vou
Não fujo do meu norte
Edmundo Bettencourt

Inúmeros foram os blogs em que me vali das palavras do ilustre escritor e poeta português Guerra Junqueiro, “Tempo infalível e insubornável”. Sob outra égide, o notável filósofo Vladimir Jankélévich traça uma analogia através do instante do acontecido, presente na passagem, à maneira de um flash, do heliotropismo ao geotropismo, o primeiro em direção à plena luminosidade e o segundo a ter início na fração infinitesimal pós-meio dia, que levará à escuridão no perene ciclo dia-noite.

Se a premissa pode causar estranheza, diria que há o Tempo tão bem explicitado no capítulo 3, versículos 1 a 8, do Livro de Eclesiastes, Tempo para tudo na relação extraordinária do homem com os seus semelhantes, com a natureza e com o Divino. A sua passagem determina os nossos ciclos durante a vida, etapas vencidas, vitórias e derrotas, alegrias e tristezas e tantas mais configurações. Só há uma certeza, jamais poderemos alterar a sua trajetória e, da infância à ancianidade, armazenamos lembranças. São elas que corroboram o aprimoramento, graças ao precioso acúmulo do conhecimento.

Nas incontáveis atividades do homem, há Tempos precisos. Tempo físico, Tempo mental. Para algumas profissões, como nos esportes, o Tempo é implacável quanto à brevidade da ação. Dificilmente um esportista ultrapassa um terço da existência na atividade, considerado no caso a chegada à terceira ou quarta idade. Em inúmeras entrevistas, esportistas, quando na terceira idade, rememoram os fatos do esplendor da forma física e essa repetição é constante, nostálgica, pois o passado longínquo é sempre tema para cronistas esportivos e para ouvintes saudosos.

Creio que a música possibilita ao intérprete continuar a atividade até a velhice e a finalização da carreira se dá basicamente entre os 75 e 80 e tais anos, exceções existindo, como a de Mieczysław Horszowski (1892-1993), que se apresentou em público até os 99 anos, ou Arthur Rubinstein (1887-1982), que adentrou os 90.

Estou a me lembrar de uma primeira apresentação pública em 1953 no Convento São Francisco, no Largo que leva o nome do santo. A convite de D. Henrique Golland Trindade, arcebispo de Botucatu, prelado de cultura invejável e orador sacro de renome, meu irmão João Carlos e eu nos apresentamos. Após 71 anos a tocar em público, no Brasil e no Exterior, cesso as apresentações de maneira voluntária, cônscio de que sempre busquei transmitir as mensagens musicais após aprofundamentos. Chego a termo, neste pórtico dos 85 anos, convicto de nunca ter feito concessões de repertório, tampouco cedido espaço à música popular para fins mediáticos, gênero que admiro em algumas de suas tendências mais tradicionais, mas entendo como uma categoria outra. Assim pensava também o ilustre compositor Gilberto Mendes (1922-2016).

Serão três recitais neste ano, dois na Europa e um no Brasil. No dia 25 me apresentarei em Gand, na Bélgica. A escolha tem simbolismo. Nessa cidade foi lançada a maioria de meus CDs gravados na mágica capela de Mullem (século XI), tendo à frente o notável engenheiro de som Johan Kennivé. André Posman, diretor da De Rode Pomp, fez-me   o convite para a primeira gravação e a relação musical e de amizade me leva a render essa humilde homenagem aos amigos que cultuei na Bélgica Flamenga durante esses 27 anos. Um privilégio que acalento no meu de profundis.

Aos 30 o recital será em Lisboa, no Museu Nacional da Música. Encerrarei minha atividade pública na Europa na cidade em que me apresentei pela primeira vez, aos 14 de Julho de 1959, na Academia de Amadores de Música, templo sagrado do excepcional compositor português Fernando Lopes-Graça (1906-1994), que me fez o convite. Se laços de sangue existem, pois meu saudoso Pai nasceu em Braga em 1898, outros laços se formaram e as cerca de 50 viagens a Portugal, sempre a tocar, levam-me à última récita em solo europeu.

O encerramento se dará na Fundação Pinacoteca Benedicto Calixto, em Santos, no dia 24 de Agosto. Inúmeras vezes lá me apresentei, sempre com a presença de outro saudoso amigo, o excepcional compositor Gilberto Mendes (1922-2016).

Sempre preferi tocar em salas menores, geralmente tendo público mais concentrado e verdadeiramente amante da música. Foi uma das causas de jamais ter tido empresário. Enfim, são escolhas e alegro-me de ter agido sempre com esse desiderato, apesar de ter me apresentado em salas enormes, mas sem o mesmo prazer.

O próximo blog será bem curto, pois após o recital em Gand tocarei em Lisboa e darei palestras em Évora e Coimbra. Nesta, haverá o lançamento oficial de meu livro “Impressões sobre a Música Portuguesa e outros temas” (II), publicação da Imprensa da Universidade de Coimbra. Encerro o tour com entrevista na Rádio Difusão Portuguesa (RDP), sob a condução do competente Paulo Guerra.

Terei a companhia de minha querida filha Maria Beatriz. A partir do dia 10 de Junho escreverei dois blogs explicando o porquê dos repertórios apresentados e ilustrados com fotos dos eventos tiradas por Maria Beatriz.

 

After preliminary considerations about the passing of time, I explain that this year my public pianistic performances will come to an end. On this tour I will play in Ghent and Lisbon, my last recitals in Europe. There is a strong symbolism in such choices. I will give lectures in Evora and Coimbra, and in this city there will be the launching of my book “Impressões sobre a Música Portuguesa e outros temas” (II) (Coimbra, Coimbra University Press.

A observação que conduz à arte inovadora

Mas teria sido Pituba um homem de crença profunda, radical e intransigente?
Um fanático para exagerar a qualificação?
Não cremos, e a redação de uma carta à irmã Martha (24/07/1916)
indica um equilíbrio religioso com crença profunda,
sem crendices nem superstições.
O que se poderia esperar do equilíbrio que transparece em toda sua vida”.
Eduardo Etzel
“Arte Sacra Popular Brasileira”, 1975)

A continuação do post anterior, abordando as inovações práticas que substanciam a criação de uma imaginária sacro-popular de um artista singular, expõe características que surpreendem os admiradores da arte. Dito Pituba seria um santeiro a mais entre tantos que confeccionaram imagens sagradas Brasil afora, não fosse sua incrível capacidade de encontrar em seu ambiente rural soluções surpreendentes. Primou, em sua longa atividade como santeiro, pela acuidade observadora.

Se considerada a arte sacra erudita, verifica-se que basicamente obedece a ditames oriundos da tradição. Ao verificarmos imagens de um determinado santo, nota-se que certos atributos essenciais permanecem inalterados. Pituba, artista da arte sacra popular, teria recorrido não apenas a membros da igreja, como igualmente a fiéis conhecedores dos símbolos representativos. Se mantém a tradição para determinados santos, como São Pedro e as chaves; Santo Antônio, o menino Jesus e um livro; São Benedito e o menino Jesus, quando usa a imaginação tem-se resultados surpreendentes, dado o convívio com o meio citadino-rural observado com argúcia.

Para a imagem inicial deste post, representando São Sebastião (72 cm), Pituba encontrou soluções para os braços, mas sobretudo para os olhos, utilizando-se dos de uma boneca. Fá-lo naturalmente, sem elucubrações. Essa arte singela, criativa, existe a partir do talento inerente.

Santa Catarina (287-305) foi martirizada em uma roda dentada aos 18 anos. Pituba recorreu à roda de ralar mandioca de quatro raios, pois lhe era familiar. Santa Bárbara, protetora contra as tempestades e relâmpagos, tem sobre os braços uma torre onde esteve presa a mando de seu pai. Preservando a fé cristã e condenada à morte, foi decapitada pelo próprio pai, que, reza a lenda, morreu a seguir atingido por um relâmpago;   Santa Luzia (383-204), igualmente martirizada, é representada nas muitas caracterizações de Pituba com uma pequena bandeja e dois olhos arrancados antes do martírio, daí ser conhecida como a Santa da visão. Tantos outros santos martirizados têm, da parte de Pituba, a interpretação que leva ao instrumento de tortura, símbolo que marca o final trágico da existência. Quanto à palma, representativa do martírio do santo ou santa, Pituba recorria a um vizinho sapateiro e suas palmas para as pequenas imagens de madeira eram de couro.

Santa Maria foi muito procurada pelos devotos. Está representada em várias versões, a depender da geografia e das devoções. Há várias representações de Nossa Senhora Aparecida ainda não coroada, fato que se deu em 1904, o que naturalmente posiciona a cronologia da feitura.

O aumento progressivo de fiéis à procura de seu santo ou santa de devoção fazia com que Pituba não apenas ampliasse sua hagiografia, como também tivesse que inovar. E inovou. As soluções encontradas por Dito Pituba foram sempre de ordem prática.

As dimensões das imagens variavam de acordo com os pedidos dos devotos que mantinham oratórios em suas casas rurais. Pituba também os confeccionava, a atender aos pedidos diversos quanto às dimensões solicitadas pelos fiéis. O aumento da demanda fez com que Dito Pituba procurasse soluções práticas. E encontrou.

Para os pequenos Divinos, sempre presentes nos oratórios domésticos, Pituba tem a sua identidade revelada através do corte das asas, frequente em todos os Divinos dessa dimensão.

Nos oratórios feitos antes do aumento natural de pedidos, Pituba se utilizava de madeiras ditas nobres e mais difíceis de serem cortadas para a feitura posterior dos oratórios caseiros. Em determinado momento deve ter concluído que as caixas de bacalhau, bebidas importadas ou óleo para motores, estas oriundas dos Estados Unidos, feitas em madeira mole, seriam adequadas para a realização do trabalho e já vinham “quase prontas” para o seu desiderato de santeiro. Obviamente faltavam-lhe as portas e o frontal, a adequação e a pintura, mas Pituba sabiamente resolveu o problema. Para as portas e o frontal recorria às sobras das caixas. Na ilustração a seguir, veem-se duas portas pintadas adornadas com anjos, únicas peças que subsistiram à ação dos cupins num oratório doméstico. Na inscrição em baixo-relevo, lê-se “Rubi Cognac Cuisinier”, a testemunhar a procedência.

Na foto a seguir, um dos tantos oratórios de autoria de Dito Pituba no qual utilizou a madeira dessas caixas vindas da Europa (bebidas) ou dos Estados Unidos (óleo para motores) para agilizar seu ofício. Veem-se ao fundo arabescos, motivos florais que caracterizam o estilo de pintura para a ornamentação dos oratórios domésticos.

Conheci Lázaro Pituba, filho de Dito Pituba. Naquele último lustro dos anos 1970, Lázaro já era nonagenário. Completamente cego, tinha a mente aberta e diálogo prazeroso. O ilustre pesquisador Eduardo Etzel já obtivera, décadas atrás, inúmeros dados da vida e dos trabalhos de seu pai. Tendo conhecido uma boa quantidade de imagens sacras realizadas por Pituba, colhi de Lázaro Pituba informações adicionais e fotografei-o, pois seria bem possível que o artista popular, vivendo em meio restrito, tivesse em mente personagens de seu meio, subtraindo do tipo físico que cruzava no cotidiano elementos para a feitura das imagens, mormente de seus familiares. Formato da cabeça, nariz, características do corpo eram elementos impregnados em sua mente. O perfil de Lázaro traduzia muito o formato de algumas cabeças de santos criadas por Pituba, assim como o formato do nariz. Tirei a foto e, ao mostrar ao Dr. Eduardo Etzel, ele concordou plenamente com a “teoria”.

As muitas visitas a Lázaro para saber mais de seu pai levaram a uma atitude inusitada. A certa altura, pediu à sobrinha para retirar um cordão de couro de seu pescoço com uma mínima imagem de Santo Antônio em chifre de veado. Portava-o desde a adolescência, presente de seu pai, Dito Pituba. Ofereceu-mo e a foto ilustra a miniatura. Bem desgastada pelas décadas, esse presente tão caro para Lázaro me comoveu.

Causou-nos, ao Dr. Eduardo Etzel e a mim, forte emoção o Voto de Louvor, assinado pelo vereador Eduardo Ribeiro, que recebemos da Câmara Municipal de Santa Isabel aos 28 de Março de 1978. , “pela pesquisa que realizaram a respeito dos trabalhos de arte executados pelo Sr. Benedito Amaro de Oliveira, artista isabelense falecido em 1923, homenageado por esta Casa através da aprovação da Lei nº 1024, de 22 de março de 1978”. Dias após, aos 10 de Abril, o Presidente da Câmara Municipal de Santa Isabel, vereador Levy de Oliveira Lima, ratifica o Voto de Louvor (ofício nº 88/78) e acrescenta: “Por nossa vez, através da Lei nº 1.024, de 22 de março do corrente ano, demos o nome do ilustre artista a duas vias da nossa cidade, como homenagem póstuma ao trabalho ao qual se dedicou com esmero e carinho”. Posteriormente o vereador Eduardo Ribeiro me ofereceu uma placa da rua que conservo com apreço.

Ratifico que, de minha parte, nada teria acontecido não fosse o grande privilégio de ter conhecido e ser orientado pela figura exemplar do Dr. Eduardo Etzel. Devo o que sei a  respeito da arte sacra popular, mormente referente a criada pelo notável Dito Pituba, ao grande mestre que, pneumologista e mais tarde psicanalista, captou a essência dos traços do artista. Indicou-me os caminhos a trilhar nessa vasta região do Alto Tietê e parte do Vale do Paraíba onde poderia encontrar traços deixados por Dito Pituba. Como pneumologista salientava determinados aspectos físicos das imagens, como psicanalista buscou penetrar no de profundis de Dito Pituba, como grande especialista em arte sacra transmitiu-me preciosos ensinamentos relativos à restauração. Dádiva.

The remarkable Dito Pituba, working in rural areas, was an artist who, when making about 5,000 images, oratories, and divines, had the creative gift that made him find surprising solutions.

 

Um centenário a ser celebrado

Dito Pituba, sem ser um gênio como Aleijadinho,
foi sem a menor dúvida um artista autêntico,
que legou às gerações modernas o exemplo de um espírito inquieto,
buscando, na humildade do isolamento rural em que se desenvolveu,
soluções que podem hoje servir de exemplo e de inspiração.
Eduardo Etzel
(“Arte sacra popular brasileira”, 1975)

Neste ano comemora-se o centenário da morte de Benedito Amaro de Oliveira, apelidado Dito Pituba, extraordinário e profícuo santeiro popular nascido em Santa Isabel.

Deve-se ao notável Eduardo Etzel (1906-2003) o excepcional trabalho de investigação que o levou à pesquisa de campo, redescobrindo a arte de Dito Pituba (vide blogs: Eduardo Etzel I e II, 17 e 25/08/2007). Foi ele o responsável pela criteriosa coleta de dados e da recolha de centenas de imagens, hoje fazendo parte do acervo do Museu de Arte Sacra de São Paulo.

(261) Uma Assinatura na Arte Anônima: dito Pituba – YouTube

Etzel legou vários livros sobre arte sacra, mormente aquela produzida por artistas populares das cidades fronteiriças à região metropolitana de São Paulo e Alto Tietê, como Santa Isabel a preponderar, mas também Arujá, Parateí, Igaratá, Nazaré Paulista, Itaquaquecetuba, Guararema, Jacareí e localidades menores. Em todas foram encontradas imagens criadas por Pituba. Seu livro “Arte Sacra popular brasileira” é obra fundamental que faz emergir, entre vários temas, a figura de Benedito Amaro de Oliveira.

De alta valia as pesquisas de Eduardo Etzel se considerarmos a busca da origem campesina do santeiro em região que, no século XIX, tinha poucos recursos, a resultar nas escassas referências disponíveis. Escreve: “A esta camada rural pobre pertenceu Pituba, daí ser evidente a dificuldade de se colherem dados biográficos de maior interesse, já que eles simplesmente não existem na vida anônima do pobre. Ressuscitar um morto humilde e desconhecido é tarefa árdua e quase impossível. É como procurar a tumba de um pobre na vala comum do esquecimento. Requer paciência, tenacidade e, sobretudo, uma atenção permanente a nonadas que se ouvem aqui e ali nas ocasionais conversas com contemporâneos”.

Eduardo Etzel, pneumologista consagrado e, nas últimas décadas da existência, psicanalista, foi imenso pesquisador. Tive o privilégio de um longo convívio, que resultou em oportunidades raras nas quais mestre Etzel transmitiu-me conhecimentos extraordinários quanto à pesquisa da arte de Dito Pituba. Incentivou-me a continuar seus aprofundamentos devido à sua faixa etária, que praticamente o impedia de prosseguir as pesquisas de campo. Entre os anos 1970-1980, dezenas de vezes visitei a vasta região cercada por serras, esparsas propriedades rurais, estradas de terra batida e um povo acolhedor. Realizava essas incursões aos sábados, sistematicamente. Após cada viagem visitava-o e aprendi a arte da restauração de imagens sacras. Juntos realizamos uma Exposição no Museu de Arte de São Paulo em 1977, “Dito Pituba – um santeiro paulista”, que teve expressivo incentivo por parte de seu diretor, o notável Pietro Maria Bardi (1900-1999).

Seguindo os passos de Eduardo Etzel, partia sempre de Santa Isabel, cidade natal de Dito Pituba. É certo que o santeiro viveu pouco tempo em três outras cidades, Arujá, Nazareth Paulista e Guararema, localidades onde atendeu à demanda dos devotos, produzindo incansavelmente suas imagens.

O artista isabelense, tendo trabalhado com seu pai em uma olaria, aprendeu a manusear o barro que se transformaria em telhas, tijolos, manilhas e utensílios domésticos. Nascia, sob outra égide, o gosto pela arte sacra criada em barro cru ou cozido e, posteriormente, em madeira (vide blog “Pesquisa de Campo”, 27/09/2008).

Segundo cálculos hipotéticos a mim transmitidos pelo Dr. Etzel, Dito Pituba enriqueceu a hagiografia com cerca de 5.000 peças de arte, divinos, crucifixos e oratórios e, a preponderar, imagens dos santos mais cultuados na região.

Na esfera da criação musical enfatizo sempre que o compositor de talento deixa suas impressões digitais. “O estilo é o homem”, frase do pensador conde de Buffon (1707-1788), aplica-se exemplarmente no caso de Dito Pituba. Sua arte foi se moldando, adaptada aos modestos conhecimentos da arte sacra erudita que aprendia através da oralidade clerical, de raras publicações que lhe serviam de modelo, de sugestões de fiéis que a ele recorriam para a confecção de imagens de seus santos de devoção. Não obstante essas circunstâncias, Pituba, a fim de atender à demanda dos devotos, buscou soluções práticas na elaboração de suas peças destinadas ao culto doméstico. Criou um estilo personalíssimo.

Impressiona em Dito Pituba a sua imensa capacidade para chegar aos resultados. Nada o detinha quando da confecção de uma imagem de santo cultuado encomendada por algum fiel, mas fora do seu habitual criativo, que focalizava aqueles mais venerados. Somava-se a experiência a outras tantas e, a partir de uma imagem sacra inédita para ele, a repetição daquele determinado santo ou santa de devoção tornava-se familiar, o que facilitava a tarefa de santeiro.

Durante a longa existência de Pituba é possível detectar as várias fases criativas através dos materiais empregados. Após o início confeccionando imagens em barro cru, cedo aprendeu, através do conhecimento que lhe vem dos trabalhos na olaria, a moldar suas imagens em barro queimado ou terracota, sendo que a denominada paulistinha, imagem em terracota majoritariamente a variar entre 12 e 18 cm e que tem origem em Portugal, passou a preponderar em sua produção. Vazada no interior para não rachar durante a queima, a paulistinha foi em período extenso o veio criativo preponderante de Pituba e outros santeiros. Seria mais acentuadamente nas fronteiras dos séculos XIX-XX que Pituba produziria com mais afinco as suas imagens em madeira. Já tendo um belo acervo hagiográfico, encontrou em determinada espécie mais mole e fácil de ser manuseada, a caixeta, o veículo propício para a produção de imagens, divinos e oratórios, todos com as suas impressões digitais a não deixar dúvidas da autenticidade do autor. Excepcionalmente empregou para oratórios maiores madeira dura encontrada na região.

Do oratório da imagem abaixo foram retiradas quatro camadas de tinta, pois o campesino devoto da região, ao ver enegrecido um oratório, mercê da fuligem do forno caseiro, repintava-o. Vê-se nas portas a pintura original bem apagada, ilustrada com dois divinos. A imagem do Cristo foi elaborada em terracota, mas tem também tecido nos braços e dele foi retirada uma pintura. Oratório e crucifixo datam das últimas décadas do século XIX, e um dos detectores é a presença de cravos no alto da porta direita, pois já no século XX Pituba se utilizaria de pregos industriais. Quanto  à imagem de Nª Senhora da Expectação na abertura do blog, foi ela encontrada em uma santa cruz à beira de uma estrada de terra batida. Quebrada em vários pedaços e tendo sido repintada três vezes, após a restauração, é uma das mais expressivas imagens de Dito Pituba.

Sem a sofisticação das imagens eruditas de madeira nas quais o artista, antes da aplicação das tintas, empregava uma camada de gesso por toda a peça, Pituba simplificou o processo no desiderato de atender aos numerosos devotos. Após a confecção, aplicava diretamente as camadas de tinta, o que não garantia basicamente a perenidade. Felizmente centenas de imagens de terracota e de madeira foram preservadas. Estou a me lembrar de ter constatado, em casa de moradores rurais, um número expressivo de pequenas imagens de madeira completamente enegrecidas pelo picumã. Quanto às cores preferidas por Dito Pituba, destacam-se a azul anil e a alaranjada.

Eduardo Etzel comenta: “Ao examinar a arte do santeiro, veremos diferentes fases de produção, que indicam a maleabilidade com que soube adaptar sua arte às contingências externas, do meio ambiente e suas próprias, com o caldeamento de sua experiência até a idade avançada”. A premência na feitura das imagens fê-lo desenvolver uma invejável habilidade manual e adaptar às suas criações a sua visão do cotidiano. Em tantas delas há a expressividade do santo.

No próximo blog comentarei diversos achados de Dito Pituba ao criar suas imagens, assim como a sua captação do entorno, seja ele humano ou relativo àquilo que lhe era apresentado.

This year marks the death centennial of one of the most important artists of popular sacred art, Benedito Amaro de Oliveira, known as Dito Pituba (1848-1923), born in Santa Isabel, not far from the city of São Paulo. He bequeathed us around 5,000 terracotta and wood images, as well as oratories.