Navegando Posts publicados em agosto, 2023

Pinacoteca Benedito Calixto, Santos

Todo o fim é contemporâneo de todo o princípio,
só a nossos olhos vem depois.
Agostinho da Silva
(“Espólio”)

Para o derradeiro recital, que se dará no dia 31 de Agosto, preparei um folder com texto que busca expressar as razões. Alguns aspectos já foram tratados em blogs anteriores. Todavia, necessário se fez escrever um texto concentrado e de menor dimensão. No folder há o programa a ser apresentado.  Ao longo da existência, sempre busquei um propósito na escolha das peças a serem interpretadas. Nesse derradeiro recital, não fujo a esse hábito. Três composições do inspirado Almeida Prado (1943-2012), santista que estaria a completar 80 anos, e três outras de Gilberto Mendes, (1922-2016), santista da gema e creio que o maior nome da composição brasileira na segunda metade do século XX. Fernando Lopes-Graça (1906-1994), Alexandre Scriabine (1872-1915) e Claude Debussy (1862-1918) compõem o programa. Quanto à Franz Liszt (1811-1886), há algo ritualístico. Estava nos meus 19 anos quando do primeiro recital em Santos, aos 20 de Novembro de 1957 no Teatro Coliseu, interpretando, entre outras obras, as Duas Lendas do compositor, “São Francisco de Assis falando aos pássaros” e “São Francisco de Paula caminhando sobre as ondas”. Neste último recital volto a interpretar essas magníficas criações lisztianas. Princípio e Fim.

Transmito ao leitor o texto constante no interior do folder:

“O Tempo insubornável, no dizer do notável escritor português Guerra Junqueiro, aponta para o inexorável. Se não abrupto, o Tempo determinante do fim de uma atividade deveria sempre ser gestado a partir da razão. Prolongado, no desiderato de se atingir o limite incerto, pode ser nostálgico ou desairoso. Planejar o instante do acontecido, a finalização de uma atividade que acompanha o intérprete desde a primeira década da existência, configura decisão drástica ou resolução harmoniosa. A composição originária na mente do compositor, e por ele edificada, passa pela ponte indispensável, o executante, até o destino derradeiro, o ouvinte. A intermediação do intérprete nesse triângulo é passageira. A origem da palavra é latina, interpres, interpretis. O Dicionário Moraes da Língua Portuguesa (8ª ed., 1891) assinala, entre as atribuições do termo, ‘intérprete de sonhos’. Não seria esse um dos atributos do intérprete? A criação excelsa permanece íntegra, imutável no silêncio da partitura e o executante tem a dádiva de transmiti-la a quem a recebe. E respeitá-la. Todavia, o Tempo do intérprete é infalível. Como em uma maratona de revezamento, o bastão será passado para a geração sequente.

Acreditava eu findar voluntariamente a apresentação pianística em público. Faltava determinar o quando. Aos 85 anos, após dois anos de pandemia sem apresentações, mas que me fizeram refletir sobre o fim que se avizinhava, menos por problemas físicos ou da mente, mas a pensar no natural declínio que a passagem do Tempo determina, escolhi o momento do término. Em Maio despedi-me da Europa em dois países que preponderam no meu universo de afetos: Bélgica, em cidade basilar, Gand, e Portugal, tantas foram as localidades do meu país paterno visitadas ao longo das décadas. Se escolhi Lisboa como paradigma final, a decisão tem algo de simbólico e ritualístico, pois foi nessa bela cidade que dei meu primeiro recital na Europa, aos 14 de Julho de 1959. Não posso me furtar à lembrança de Paris, cidade na qual recebi de mestres excelsos a formação pianística e teórica. Sem esse aprimoramento, lacunas intransponíveis poderiam advir. Em vários outros centros europeus e da América do Sul me apresentei, contudo sem ter logrado laços afetivos porventura duradouros, mercê da brevidade das estadias.

Ter escolhido Santos para o recital último da minha atividade pianística tem razões subjetivas. Sem jamais ter tido empresário, fato que poderia interferir no meu desiderato de penetrar em repertório ‘oculto’ do passado ou da diversificada criação contemporânea, distanciei-me de plateias mais convencionais. Sob outra égide, sempre apreciei prioritariamente as salas menores e nesse quesito estou a me lembrar do grande pianista Artur Schnabel (1882-1951), que também assim pensava. São escolhas. Na bela e aconchegante Pinacoteca Benedito Calixto, nesta Santos histórica, vivi alguns dos momentos mais sensíveis, sempre com a presença do diletíssimo e saudoso amigo Gilberto Mendes, que me privilegiou ao longo das décadas com a dedicatória de 30 peças para piano, todas apresentadas em público com a sua presença. Sentados à primeira fila da sala, Gilberto e sua esposa Eliane enriqueciam meu afeto. Em recente mensagem, Eliane me escreveu: ‘Só de pensar nas encomendas que você fez a tantos compositores, e insistentemente, como dizia o Gilberto, sentíamos o seu prazer em inovar e incentivar a criação, que muitas vezes se encontrava adormecida dentro dos compositores, não fosse você a acordá-los’. Essa foi uma das minhas alegrias ao ‘provocar’ criadores e deles receber cerca de 150 composições de vários cantos do planeta.

Finda a atividade pianística pública, mas não a intimidade com o instrumento. Desde sempre afirmo que a respiração não pede férias e o piano está amalgamado à minha existência. Certamente por vezes, em reunião íntima, continuarei o diálogo. Há tantas obras a serem visitadas e quantas delas escondidas em arquivos! Aprofundamentos musicológicos continuarão. Razão fundamental que me acompanha desde as origens. Os blogs, ininterruptos desde Março de 2007, continuarão seu fluxo hebdomadário e dois livros já estão em ebulição em minha mente.

Parafraseando o notável espiritualista Thomas Merton (1915-1968), ‘homem algum é uma ilha’, foi uma dádiva ter cruzado durante a trajetória com figuras que me ajudaram a compreender a razão das escolhas, a começar pela importância da família, Regina, há 60 anos a entender fraquezas e acertos de um ‘intérprete de sonhos’, como reza o Dicionário, e as resultantes três gerações que nos ajudam a contemplar a vida como um maravilhamento.

Responsável pelo convite para a récita em Santos, o dileto amigo Flávio Amoreira, notável escritor, poeta e crítico literário, já antevia a minha aceitação para esse prazeroso final. A aura de Gilberto Mendes foi o elo”.

Clique para ouvir, de Gilberto Mendes, “Sonatina à la Mozart” (1951), na interpretação de J.E.M.:

(382) Gilberto Mendes – Sonatina à la Mozart – José Eduardo Martins – piano – YouTube

Antes de minha viagem à Bélgica e Portugal para meus últimos recitais, que marcaram as despedidas das apresentações públicas em solo europeu (Maio e Junho), nossa filha Maria Fernanda me pediu para pousar as mãos sobre uma mesa. Seu desenho, com significativa dedicatória, diz muito.

No próximo blog escreverei sobre a derradeira apresentação público-pianística. Continuarei a tocar para círculo de amigos, pois o piano está amalgamado ao meu pulsar. É uma dádiva perene a dedicação à Música, que, segundo Stravinsky ‘… é um elemento de comunhão com o próximo – e com o Ser’. A publicação se dará no dia 2 de Setembro.

Clique para ouvir, de Almeida Prado, “Profecia em forma de Estudo, nº 1 – Estudo de ressonâncias” (1988), na interpretação de J.E.M.:

https://www.youtube.com/watch?v=jXlZwhrNnog

On my last recital on August 31st in Santos, when I will put an end to my public piano performances at the beautiful Benedito Calixto Art Gallery. In a leaflet for distribution, which is the subject of this blog, I explain the reasons for choosing the city of Santos to end my career, which has given me so much joy over the decades.

 

Trinta e tais anos após

Quer-me parecer que um compositor deve ser,
antes de mais, um homem de cultura
que saiba traçar grandes linhas de força sobre o tempo.

Eurico Carrapatoso

Surpreendi-me ao receber e-mail de uma ex-aluna dos anos 1980 que esteve sob minha orientação na universidade. Jovem, aplicada, após a conclusão de seus estudos nunca mais tivemos contato. Ao ler a entrevista publicada pelo Jornal da USP (vide blog “Entrevistas e entrevistas”, 23/07/2023), obteve meu endereço eletrônico e escreveu.

A razão do contato foi motivada pelos estudos pianísticos que sua filha, hoje com 17 anos, está a realizar. Tem ela imensas dúvidas quanto ao repertório para piano, escolhas a serem feitas, níveis de dificuldade das obras e penetração junto ao público. Esses questionamentos revelam inicialmente um aspecto que considero fulcral, a curiosidade, senda que leva à vontade de saber, independentemente das palavras do seu orientador.

Prometi à minha antiga aluna que escreveria oportunamente um blog sobre o tema, que serviria mais como sugestão, dado o fato de o repertório para piano ter dimensão oceânica. Não obstante, há obras para cravo que se perenizaram, compostas a partir do século XVII, penetrando com ênfase o séc. XVIII, mas que são interpretadas ao piano e que hoje fazem parte do seu imenso repertório. Entre os meus 25 CDs gravados no Exterior, cinco foram dedicados a compositores daquele período glorioso, Johann Kuhnau (1660-1722), Jean-Philippe Rameau (1683-1764) e Carlos Seixas (1704-1742). Considere-se também as criações da segunda metade do século XVIII ao império do piano no século XIX a avançar pelo século XX, períodos em que o piano reinou entre todos os instrumentos. Apesar da imensidão do repertório para piano, parte substancial qualitativa a ele destinada está submersa, poucas vezes ou nunca visitada e fatores claros mostram-se presentes.

Teria a considerar que há basicamente três caminhos quanto à escolha repertorial. Uma, tradicional, em que o intérprete se fixará, e que corresponde ao grandioso repertório exaustivamente visitado. A maioria dos pianistas a ele se dedica. O notável compositor Gilberto Mendes (1922-2016) é incisivo ao criticar “…parte dos pianistas rotineiros, que já se tornaram como que mecânicos datilógrafos de um repertório burocrático”. Estes o fazem em detrimento de uma infinidade de outras criações dos luminares da composição, mas que, por motivos tantas vezes desconhecidos, não alcançam a graça do intérprete, seja por desconhecimento, pela própria exigência do mercado que prefere as obras já sedimentadas no gosto do público e pelo empresário que, na opinião do ilustre musicólogo argentino Juan Carlos Paz (1897-1972), só visa ao lucro. No que concerne aos concursos para piano que proliferam pelo planeta, a repetição ad nauseam das mesmíssimas, mas extraordinárias obras, diga-se, serve de efeito comparativo entre os concorrentes e desfaz seus prováveis interesses pelo desconhecido ou novo repertório. Administradores desses concursos, empresários, professores, patrocinadores e o jovem executante se satisfazem com essa engrenagem. Findas essas etapas de concursos, uma extensa maioria de concorrentes persistirá, durante a existência, a reverenciar em público o mesmo repertório hiperdivulgado.

Uma segunda escolha, sem desprezar o repertório tradicionalmente oferecido, embrenha-se na criação do passado que permanece oculta. Diria que se tem nesse compartimento a parte submersa de um iceberg. Nele, composições extraordinárias dos grandes compositores, possivelmente o volume maior de suas criações, lá se insere pelo fato de não ter havido, no momento histórico preciso, a divulgação necessária. Partituras depositadas em arquivos ou publicadas em edições urtext, aguardam a redescoberta. Somam-se, às criações sepultas de compositores bem aceitos, outras, de músicos qualitativos que jamais tiveram desvelamentos por motivos os mais diversos. Apenas a curiosidade que conduz ao aprofundamento motiva essa opção.

Uma terceira alternativa seria a da música contemporânea. Nesse item há de se ter cautela, mas se o aluno for bem orientado, encontrará criações excelsas. Necessária a prospecção e, a depender da orientação, o repertório contemporâneo pode ser uma opção de grande interesse. A proliferação de compositores das mais variadas tendências na atualidade exige do intérprete atento um espírito seletivo. O notável compositor francês Serge Nigg (1924-2008) afirmaria que “Quando um Festival especializado anuncia, como exemplo, ’80 criações mundiais’, tem-se frio na espinha”.

Antolha-se-me que, desde jovem, o intérprete deve saber ouvir as interpretações relevantes que, mercê da tecnologia, estão à inteira disposição através dos aplicativos. A escuta dos grandes mestres do teclado enriquece o gosto, aperfeiçoa o estilo e desperta o espírito crítico, pois quase todas as obras basilares compostas para piano têm várias gravações à disposição.

Se as três opções básicas mencionadas evidenciam vasto repertório e possibilidade de aprofundamentos, imperioso se faz, inicialmente, a dedicação ao repertório tradicional. Dele se extrairão as bases seguras para a visita às duas outras alternativas elencadas neste espaço e a escolha de um caminho. Todavia, de suma importância a atenção à Cultura Geral, como apregoa o autor da epígrafe, o notável compositor português Eurico Carrapatoso (1962-).

O questionamento de minha ex-aluna direcionava-se ao repertório. Contudo, consideraria ainda que, durante a formação, iniciada para muitos ainda na idade edipiana, há a imperiosa necessidade da formação daquilo que se considera como “técnica do piano”. Dezenas e dezenas de métodos, que partem da técnica mais elementar às formulações arrojadas, existem há mais de dois séculos. Não obstante, o jovem, tão logo tenha o domínio do teclado, deve ater-se às formulações técnico-pianísticas que se apresentam nas obras do repertório. Jean Doyen, um dos meus grandes mestres e inefável pianista (1907-1982, http://www.musimem.com/Doyen_Jean.htm), dizia que as fórmulas que foram essenciais no aprendizado, perpassando tantas vezes todas as tonalidades com a utilização do mesmo dedilhado, não serão empregadas durante a existência, mas sim cada desafio técnico exposto nas composições estudadas.

Disciplina, perseverança, dedicação, concentração e amor à Música são elementos basilares para que a evolução nos estudos se concretize de maneira harmoniosa.

Meus sinceros votos à minha ex-aluna e à sua filha que está a escolher uma atividade plena de sacrifícios, mas que traz resultados extraordinários não apenas musicais. Considero uma dádiva ser músico.

A former student writes to me asking for repertoire advice for her 17-year-old daughter. I consider three basic categories possibilities concerning the solo piano repertoire.

O leitor diante da realidade

Esperança, ventura da desgraça.
Trecho puro de céu sorrindo às almas
Na floresta de angústias da Incerteza!

Annibal Theophilo da Silva (1873-1915)

A recepção ao blog anterior foi considerável. Os amantes da estrutura formal do Soneto são muitos, pois essa organização tem, entre outros atributos, a peculiaridade da rima, que corrobora a memorização do poema. Foram diversas as mensagens que, atendo-se ao conteúdo do Soneto, testemunham integralmente o triste fato de a nossa língua falada e escrita estar a se deteriorar numa rapidez jamais sentida. Concordam com os últimos parágrafos do blog anterior, acrescentando exemplos diários de jornais, revistas, televisão aberta e fechada, sites diversos em que a língua mater é vilipendiada, sem contar o conteúdo, ou melhor, a sua ausência. O descaso nesses veículos, como vírus, infecta os leitores e ouvintes e o erro passa a ser entendido como norma, passo essencial para a derrocada.

Gildo Magalhães, professor titular da FFLECH-USP, escreveu: “Foi ótima a sensação de que despertou um livro que faz sonhar. Tocou-me fundo, cultor de sonetos que sou, forma sublime porque é como a sonata musical: o conteúdo é aberto dentro do que aparentemente é uma imposição fechada. É este o caso ainda mais extremo do hai-kai. Lembrei-me de minha avó paterna, que sabia declamar de cor um rol enorme de sonetos e me acordou o gosto da poesia. Enfim, há ainda a grave advertência que o amigo lança, de estiolamento da língua pátria, dessa ‘última flor do Lácio’. A ignorância é medonha, porque ela tem o poder de crescer e tomar de assalto mesmo almas puras. Enfim, há que lutar – e viva Laudelino Freire!”.

Estou a me lembrar de meu saudoso Pai, admirador confesso do Soneto. Sabia de cor mais de três centenas de Sonetos e aos 100 anos fazia questão de memorizar um novo, português ou brasileiro, para recitá-lo numa tertúlia acadêmica paulistana nomeada “Pensão Jundiaí”, frequentada por Lygia Fagundes Telles, Paulo Bonfim, Geraldo Vidigal…. Entre os autores preferidos do meu progenitor, Antero de Quental, Guerra Junqueiro, Olavo Bilac, Raimundo Corrêa, Virgínia Vitorino, esta, poetisa portuguesa cujos versos amorosos meu Pai recitava para minha também saudosa Mãe. Sob outra égide, tinha na memória a fala dos três prelados da “Ceia dos Cardeais” de Júlio Dantas, e era um prazer para aqueles que o conheceram vê-lo a declamar. Possivelmente devido à verve paterna, meu irmão Ives Gandra, mercê de raro talento poético, escreveu tantos Sonetos.  Somente para sua saudosa esposa Ruth, mais de um milhar!

Flávio Amoreira, poeta, escritor e crítico literário, teceu comentários: “Emocionado realmente visitei o blog do imenso esteta dedicado ao piano e virtuose internacional que me honra com sua amizade José Eduardo!  A arte de Petrarca em destaque pelo relance da sua estante de uma furtiva brochura revelando antologia de versos conforme a quase milenar arte de Petrarca!  Não bastassem os mestres Bilac e Bandeira, a delicadeza dum soneto do Imperador-mestre, a tragicidade do Menotti, deparo-me com o sonetista atlântico Vicente de Carvalho! meu conterrâneo a quem dedico toda minha paixão literária, de quem herdei livros pelo seu filho caçula dentre os 16 e por quem minha terra deve desde os jardins da praia até os mais belos poemas marítimos da nossa língua.  ‘Velho Tema’ que encantou Pessoa e até hoje um dos poemas mais reveladores sobre a débil condição humana….ah José Eduardo sem palavras este que vive delas e para elas…que resgate!”.

Nossa filha Maria Beatriz escreveu: “Gostei que contrapôs a beleza da criação dos sonetos à pobreza a que chegou o uso corrente da língua portuguesa nas redes sociais. E, nem causa mais espanto, encontrei um erro crasso em uma manchete de jornal de grande circulação, no domingo passado. Sim, em veículo onde anteriormente isso seria inconcebível. Talvez porque não haja mais revisores… A forma do soneto exprime uma ordem e uma beleza (não é linda a melodia ritmada que se ouve ao se recitar um soneto?) que, por sua vez, derivam de uma ordem e beleza da criação primeira, formada justamente pela Palavra: ‘No princípio era o Verbo.’ ‘Faça-se a luz… Façamos o homem à nossa imagem e semelhança…’ No entanto, pai, como você detectou no artigo, ‘com os novos rumos’ advindos do modernismo, ‘sempre in progress quanto à forma e conteúdo’, não se encontrou e não há mais freio à desconsideração desse trato das palavras. A palavra só existe porque endereçada a alguém que a receberá. A forma da mensagem será tão mais arbitrária quanto menos consideração se der ao seu receptor, hoje tão impessoal… mas resta o alento de se poder acessar belos textos com beleza e ordem próprias, ainda que escondidos na estante entre livros maiores…”. Referência que Maria Beatriz faz ao volume de dimensão diminuta da “Pequena Edição dos Sonetos Brasileiros”.

Tantos outros atentos leitores enviaram mensagens curtas, demonstrando preocupações com o trato do idioma, que está a evoluir mal.

Ao longo dos anos não deixo de salientar essa progressiva degeneração da linguagem, que se soma àquelas dos costumes e da moralidade. Diariamente o cidadão comum e laborioso assiste, pelos veículos de comunicação, a língua mater ser vilipendiada sem rubor algum por próceres. Erros gramaticais entre políticos proliferam e são entendidos como corretos, aparência da verdade.

Quando na vida universitária, incontáveis foram as vezes em que a leitura de projetos no âmbito da pós-graduação deixava claro que os textos estavam eivados de erros gramaticais, inviabilizando da minha parte a aceitação do candidato às titulações acadêmicas. A rápida transformação sem tréguas da internet levará à certeza do desmonte linguístico, a contrastar com a histórica lenta adequação da língua escrita e falada. Em menor grau, pode-se notar essas transformações nos idiomas inglês e francês, plenos de neologismos transitórios, mormente na área da economia e do entretenimento.

Seria possível acreditar em uma recuperação lenta, mas constante, nessa árdua luta a visar à perpetuação de estruturas básicas da linguagem. Para tanto, haveria a necessidade imperiosa de não olvidar as origens. Nesse quesito, a leitura dos autores que a História preservou seria o alento. Sem essa indispensável âncora, corre-se o risco de se pensar apenas no presente, que contamina o futuro incerto.

A música como “poesia incorpórea” na definição de Guerra Junqueiro encontra na figura do nosso maior compositor romântico, Henrique Oswald (1852-1931), o exemplo sonoro de inúmeros Sonetos selecionados por Laudelino Freire para a “Pequena Edição dos Sonetos Brasileiros”.

Clique para ouvir, de Henrique Oswald, “Tre Piccolli Pezzi”, na interpretação de J.E.M.:

(364) Henrique Oswald – Tre Piccoli Pezzi – José Eduardo Martins – piano – YouTube

Da “Pequena Edição…”, comentada no blog anterior, extraio um Soneto que traz uma precisa mensagem:

Filinto de Almeida (1857-1945)

“Dor Ignota”

Como eu te amei! Que santa idolatria
Na minha santa infância eu te votava!…
Se mais do que te amei, eu não te amava,
É que amar inda mais eu não podia.

Qual o martírio, pois, que te mogoava?
Qual era o espinho então que te pungia?
Que amarguranublava-te a alegria?
Que dor cruel teu peito angustiava?

Teus olhos, nunca enxutos do teu pranto,
Tinham, às vezes, o funesto brilho
De crua dor que eu nunca adivinhei

Que tinhas, pois, tu que sofreste tanto?
Responde à triste voz do triste filho,
Mãe! terna Mãe, que eu nunca mais verei!

Readers wrote with comments on the six sonnets of the previous blog. They also made brief, unanimous remarks about the current disdain for good speaking and writing skills. I have selected comments from three readers.