Robert Schumann e as motivações criativas

Queiram ou não os amadores da intuição,
a obra de arte é, na realidade,
a resultante de um sistema de pensamento próprio
daquele que a cria.
André Souris (1899-1970)
(“Conditions de la Musique”)

A música para piano de Schumann clama o verso e ela o dita.
Camille Mauclair (1872-1945)
(“Schumann”)

Na série de apresentações a que me propus, doravante em caráter privé, a temática presente envolve um dos mais representativos compositores do romantismo, Robert Schumann (1810-1856). Diferencia-se, em tantas criações, de determinados aspectos relacionados à forma perpetrada por seus ilustres contemporâneos, Frédéric Chopin (1810-1849), Franz Liszt (1811-1886) e Johannes Brahms (1833-1897), entretanto comungando em postulados outros concernentes a certos comportamentos emotivos.

Nascido na Alemanha, estaria destinado a seguir carreira jurídica, mas aos 20 anos decide-se inteiramente pela música. A escolha tardia, com implicações na formação sob ditames do ensino tradicional, fê-lo ter uma trajetória  singular, pois Schumann, compositor excelso, ao contrário de seu notável conterrâneo Johannes Brahms, não teve a mesma dedicação às formas vigentes; sob aspecto outro, sua obra, mormente as criações para piano e as melodias para canto e piano, apresentam temas e contexto geral de um romantismo estruturado no senso poético, este, revelado expressamente nos lieds ou canções. René Leibowitz (1913-1972), compositor, regente e musicólogo, define bem essa diferença: “Considero que, de um lado, nem Schumann, nem Brahms satisfazem o ideal de perfeição que eu buscava; sob outro prisma, a fusão de suas qualidades específicas e particulares parece-me estar à altura de realizar esse mesmo ideal”. Insistindo no aspecto que considera o mais intenso de Schumann, a comunicação direta através da inventiva das melodias, continua: “Na obra de Schumann, nós encontramos muitas vezes – quase em cada página – o que poderíamos nomear como a chama do gênio. Ideias extraordinárias, melodias incríveis do ponto de vista da originalidade, progressões harmônicas de uma rara justeza e de uma grande riqueza, elementos rítmicos carregados de vitalidade e de força propulsiva; tais são as constantes que marcaram as pegadas para sempre em sua arte”. Não obstante, Leibowitz comenta que, por vezes, Schumann não sabe o que fazer com o turbilhão de ideias.

Uma definição que bem apreende o romantismo schumaniano teria sido dada pelo musicólogo e crítico Marcel Beaufils (1899-1985), ao escrever que a música de Schumann é uma questão do coração. E o é, se considerada for toda a tensão a envolver sua ligação afetiva com a futura esposa, a notável pianista Clara Schumann (1819-1897), nascida Wieck, filha de Friedrick Wieck, professor renomado. A resistência paterna à união do casal foi motivo de um período atormentado sentimentalmente para Robert Schumann e Clara, mas um dos períodos mais expressivos na criação de obras do jovem compositor, máxime para piano. O casamento, após decisão da justiça autorizando a união, deu-se em 1840. Futuramente Friedrick Wiek se reconciliaria com o casal. Atributos do romantismo em suas manifestações mais pungentes, encontráveis na obra para piano de Schumann, testemunham a paixão existente por Clara, pois a produção intensamente emotiva, em que melodias penetrantes se destacam, dá-se preferencialmente na década de 1830. Significativas parcelas da produção para piano de Schumann, que exibem numerosas e cativantes melodias, poderiam ser consideradas “lieds sem palavras ou como poemas escritos com notas e não com letras”, segundo Camille Mauclair, poeta, novelista e musicólogo.

Clique para ouvir, de Robert Schumann, Widmung (dedicatória – à minha noiva), na expressiva interpretação de Hermann Prey. Ao piano, Leonard Hokanson. Friedrich Rückert é o autor do poema:

https://www.youtube.com/watch?v=ouEcALQc4rs&t=120s

Se Clara ou Chiarina (menção à amada no Carnaval op. 9) é inspiração constante nas criações para piano, nos lieds a chama permanece e vários são os poetas a alimentar a fértil imaginação de Schumann: Goethe (1749-1832), Heinrich Heine (1797-1856), Emanuel von Geibel (1815-1884), Friedrich Rückert (1788-1866), Joseph von Eichendorff (1788-1857), Nikolaus Lenau (1802-1850) e outros mais. E é o próprio Camille Mauclair que faz observações fulcrais sobre o caminho que Schumann empreenderá após o fluxo criativo gigantesco voltado à plena emoção, onde pontificará Clara: “A música para piano de Schumann constitui uma espécie de vasta confissão psicológica, uma manifestação individualista e inteiramente subjetiva”. Casados, a destinação criativa tenderá a outros caminhos e surgirão o Oratório, Sinfonias, música concertante, lieds, música de câmara e música coral, Manfred… Escreveria a Heinrich Dorn (1804-1892), compositor, regente e professor, com quem teve aulas no início dos anos 1830: “Sou tentado a destruir meu piano. Ele se tornou muito estreito para conter as minhas ideias”. Esta frase, anos após, já não poderia ser incorporada aos transtornos psíquicos que o levaram à morte, após prolongada internação? Inúmeros textos redigidos por musicólogos e especialistas em neurociência já se debruçaram sobre a evolução das perturbações mentais de Schumann, acentuadas no último lustro da existência, quando tentou o suicídio jogando-se de uma ponte sobre o rio Reno em pleno inverno, aos 27 de Fevereiro de 1854. Salvo por barqueiros, é recolhido a um sanatório, lá falecendo aos 29 de Julho de 1856, aos 46 anos.

No próximo blog comentarei as obras que apresentarei, a abranger várias fases composicionais do imenso Robert Schumann.

The “Third Piano Encounter” will be dedicated to Robert Schumann and significant works will be performed. There will be two blogs: in this first I’ll discuss some of the creative motivations of the immense composer; in the second, I’ll comment on the program.