A desfiguração plena de dois bairros tradicionais de São Paulo

Não sou um optimista.
O que sou é determinado naquilo em que me apetece ser determinado,
e continuo convicto até entender que a convicção estava errada e tenho de mudar.
Mas isso não tem acontecido muito.
Agostinho da Silva (1906-1994)
(“Entrevista”)

No blog anterior, ao mencionar a pesquisa do site internacional For Travel Advice Lovers publicada na mídia com a lista das 5 cidades mais feias do mundo, a pontuar São Paulo atrás de quatro outras cidades, Tijuana, Kangbashi, Jacarta e Calcutá, o meu dileto amigo Gildo Magalhães, professor titular aposentado da FFLECH, USP, apresentou deduções de interesse: “Bastante apropriado seu blog para o dia de aniversário de São Paulo, com um paralelo entre a arquitetura que se destrói e a fama que permanece. Nem é preciso ir aos tempos coloniais, a São Paulo dos anos 1950 e 1960 já se foi, e a voracidade da cupidez imobiliária liquidou a paz do Campo Belo e do Brooklin Novo, como você sabe melhor do que ninguém”.

Creio que o pensamento do ilustre amigo corresponde a uma realidade que aqueles que vivem no Campo Belo e no Brooklin estão a presenciar. Sendo morador no Brooklin há 68 anos e na mesma morada há 60, impressiona a voracidade das construtoras que, num ritmo acelerado, têm adquirido casas, poucos terrenos ainda existentes e estabelecimentos comerciais para a construção de prédios, muitos deles com mais de trinta andares. No espaço que se estende da Av. Santo Amaro à Engenheiro Luís Carlos Berrini o que se verifica é a presença de imensas áreas que outrora foram preenchidas por casas, hoje em plena ebulição voltada aos novos empreendimentos e a hecatombe se faz sentir no visual e na audição.

Poucas décadas atrás, essas edificações obedeciam a critérios razoáveis no número de andares. Presentemente, verificamos que as elevações fazem pensar numa verdadeira concorrência entre as construtoras. Sob outro aspecto, nova regulamentação permite aos projetos atuais se aproximarem mais das calçadas sem necessidade do recuo e a distância se torna irrisória entre elas, o que resulta numa impressão feia, pois está a desaparecer o espaço que separa a portaria do prédio, geralmente em forma de jardim ou mesmo passeio interno. Em uma das construções de cerca de trinta ou mais andares, o “terraço” do 1º andar se debruça sobre a calçada! Em uma outra, também rente à calçada, os primeiros andares são fechados e mais parecem uma casamata. O denominado rés-do-chão será preenchido por lojas. Todavia, haverá piscinas, quadras de tênis…

Nessa busca avassaladora pelos espaços ocupados por moradias, há inclusive uma dicotomia no que concerne ao plano de cada construtora. Apartamentos de 2, 3 ou quatro dormitórios têm suas procuras. Contudo, há uma verdadeira febre voltada à construção dos hoje denominados estúdios, alguns de dimensões realmente minúsculas. De um lado se explica pela presença recente do metrô Campo Belo da linha Lilás. Contudo, em algumas construções de trinta e tais andares, esses diminutos espaços proliferam. É fácil verificar a multiplicação de estúdios, muitos deles inseridos na maioria dos edifícios atuais. Em conversa com diversos corretores que exercem o trabalho junto aos bairros do Brooklin e Campo Belo, obtive a informação que é imensa a lista de estúdios prontos, à espera de inquilinos ou proprietários para sua comercialização.

É bem possível que a apreciação da For Travel Advice Lovers tenha avaliado a parafernália de edificações, sem quaisquer preocupações com a harmonia arquitetônica da cidade. Ao observador atento basta constatar a estrutura montada pré-edificação, luxuosa quase sempre, com a maquete do futuro prédio, funcionários temporários gentilíssimos, recepção calorosa aos prováveis compradores, chamativos folders distribuídos nas imediações, toda a cena a evidenciar que “aqueles” futuros apartamentos serão os mais modernos e aconchegantes da cidade!!! Aparência da verdade. Esses por vezes gigantescos estandes camuflam o que está por vir. Logicamente, o gasto com o aparato promocional estará incluso no preço final da aquisição.

Nesse vendaval, a resultar em edifícios que desafiam as alturas, torna-se praticamente impossível enfrentar a sanha das construtoras, sob o risco de se ficar isolado num entorno por elas adquirido. Há exemplos dessas “ilhas” que, empreendimentos realizados, tornam-se rigorosamente desvalorizadas.

O que é lamentável é que o lucro das construtoras esteja acima de quaisquer outros interesses. Projetos faraônicos destinados às classes abastadas, outros tantos seguindo critérios a atender às diversas classes sociais, não tiveram a atenção do poder público para que houvesse a mínima harmonia arquitetônica na cidade, a resultar no lamentável lugar atribuído a São Paulo e que ficará registrado na história da metrópole paulistana.

O site que realizou a pesquisa provavelmente deve ter considerado o todo, centro e periferia, onde comunidades constroem edificações sem o menor planejamento e estrutura, assim como avaliado os índices voltados à criminalidade, trânsito, poluição e pobreza na cidade.

Como não considerar uma das razões da São Paulo feia, os fios expostos. Pouquíssimas vias os têm enterrados, porcentagem infinitesimal se comparada ao todo. Quando tombam árvores devido às intempéries, o caos e a escuridão assolam ruas ou por vezes bairros. Preocupação das autoridades? O subsolo não rende votos, seja qual for a ideologia no poder. Se há alguma alegria nesse emaranhado de fios, ela está atrelada à passagem de famílias de saguis, que os percorrem com extrema habilidade.

Como não considerar a cidade feia ao observarmos a maioria de nossas calçadas esburacadas, irregulares, sem qualquer harmonia. Incontáveis as árvores que ocupam as passagens das calçadas, sendo que o transeunte tem obrigatoriamente de andar pela via! Perigosas, máxime para os idosos, estão espalhadas pela urbe à espera do impossível…

Independentemente dessas “feiuras”, São Paulo é a nossa cidade e dependerá de cada cidadão que nela nasceu e de milhões que aqui vivem extrair virtude do caos.

Consideration of an international evaluation of the world’s ugliest cities prompts reflection.