A exacerbação restrita a uma determinada invasão
O bem que o Estado pode fazer é limitado; o mal, infinito.
O que ele pode nos dar é sempre menos do que nos pode tirar.
Roberto Campos (1917-2001)
(Embaixador e economista)
Foram muitas as mensagens louvando a posição do jurista Ives Gandra Martins no que concerne à anistia. No blog anterior Ives Gandra elenca o histórico de anistias em nosso país. Pelo fato de entender que dois temas têm ligação plena, a baderna e a anistia, insiro na íntegra o texto posterior de Ives Gandra igualmente relacionado às manifestações desordeiras, uma sem qualquer posicionamento punitivo, e a de 8 de Janeiro, severamente castigada.
O artigo recente, publicado na Revista Aeronáutica nº 326, leva à reflexão dos pesos avaliativos diferenciados em situações relacionadas aos distúrbios coletivos, ignorando-os ou punindo-os a depender das ideologias.
Escreve o jurista Ives Gandra: “Assisti, outro dia, pelas redes sociais, a um vídeo sobre a invasão do Congresso Nacional, ocorrida em 24 de maio de 2017, por elementos do PT e do MST, com destruição de dependências do Parlamento e incêndios provocados à entrada. Naquele dia, estava em uma audiência com o Ministro Celso de Mello no Supremo Tribunal Federal (STF) e tomamos conhecimento do que ocorria pelo rádio, em seu Gabinete, assim como da decretação do estado de emergência pelo presidente Temer, tal a gravidade do atentado e a determinação para que o Exército tomasse as medidas necessárias para que o episódio fosse encerrado com a desocupação do Legislativo.
Apesar da gravidade do atentado contra os Poderes, nenhum dos invasores, depredadores e agressores de funcionários sofreu um processo judicial.
No ano passado, em sessão da Academia Paulista de Letras Jurídicas, o acadêmico e ex-presidente da República, Professor Doutor Michel Temer, em Conferência, esclareceu que não puniu aqueles baderneiros, pois decidiu seguir o exemplo do ex-presidente Juscelino Kubitschek, que anistiara os revoltosos de Aragarça e Jacareacanga que, com armas, tentaram um golpe de Estado em seu governo.
Comparando os atos de 2017 com os de 08 de janeiro de 2023, neste, houve um número maior de pessoas, mas não agressões a funcionários públicos, embora tenham ocorrido, também, depredações que se estenderam ao Executivo e ao Legislativo, sem necessidade, entretanto, de decretação do Estado de Emergência, sendo que, com um contingente não expressivo de militares, o Presidente Lula encerrou a baderna, prendendo 1700 manifestantes desarmados sem necessidade de dar um tiro sequer.
Sendo assim, verificando os vídeos, nas redes sociais, das duas manifestações condenáveis, a única diferença foi na extensão maior daquela de 2023 e haver feridos na de 2017, no Governo Temer. As destruições, entretanto, de prédios públicos foram as mesmas.
Em novembro de 2024, um cidadão suicidou-se perante o STF, com evidente perturbação mental, tendo-se descoberto por mensagens que queria matar o Ministro Alexandre de Moraes.
Em 2018, um outro cidadão esfaqueou o então candidato Bolsonaro durante a campanha, em fato semelhante ao tiro dado em Trump em 2024, nos Estados Unidos.
Os dois fatos são muito parecidos, assim como as duas manifestações baderneiras de destruição de prédios públicos.
Ocorre, todavia, que a imprensa e os políticos de esquerda entenderam que as badernas ocorridas no Governo Temer não foram nem tentativa de golpe e nem atentado violento ao Estado Democrático de Direito, mas as de 08 de Janeiro foram, assim como o esfaqueamento do ex-presidente Bolsonaro fora considerado ato isolado, mas o suicídio de quem queria atentar contra o Ministro Alexandre de Morais, um ato vinculado a grupo que pretendia um golpe e um atentado ao Estado Democrático de Direito, sem nenhuma prova nesse sentido.
Confesso ser cada vez mais difícil interpretar o nosso Direito, tendo a nítida impressão de que o Brasil possui duas espécies de hermenêutica jurídica, em que fatos e circunstâncias semelhantes devem ser punidos quando praticados por conservadores e desconsiderados quando quem os pratica milita na esquerda. Pergunto-me, parafraseando o poeta: ‘Mudou o Brasil ou mudei eu?’”.
A posição do meu ilustre irmão Ives Gandra, nos seus 90 anos, reflete uma existência plena de quem interpretou inúmeros Governos, e suas reflexões não partem de irrealidades, mas da observação que leva às evidências cristalinas, hélas, nem sempre entendidas pela Suprema Corte. Ter comentado em 15 volumes a nossa Carta Magna de 1988 não lhe dá uma autoridade opinativa? É só seguir fielmente o que reza a nossa Constituição. Conservar o princípio absoluto da Carta Magna faz jus àquilo que deveria ser sempre o alicerce profundo a clarear as decisões dos senhores Ministros, guardiães da Constituição. Triste não a seguirem fielmente. In adendo, acrescentaria que diversas outras invasões nas Câmaras de São Paulo aconteceram ao longo dos anos, sem consequências maiores para os baderneiros.
No próximo blog retorno aos temas que acompanham a minha também já longa existência. Contudo, nesses dois últimos posts não podia me furtar a expressar minha profunda admiração pelas reflexões do meu querido irmão Ives Gandra Martins, pois me calaram profundamente.
In this second post on a theme so well addressed by my brother, the jurist Ives Gandra Martins, we look at the double standards concerning the invasion of public buildings.