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Elas continuarão neste 2017

Os pensamentos que me ocorrem
quando estou correndo são como nuvens no céu.
Nuvens de tamanhos diferentes.
Elas vêm e vão, enquanto o céu continua o mesmo de sempre.
As nuvens são meras convidadas que passam e vão embora,
deixando o céu para trás.
O céu existe ao mesmo tempo que não existe.
Possui substância e ao mesmo tempo não.
E nós meramente acolhemos essa vasta expansão
e nos deixamos embriagar.
Haruki Murakami
(“Do que eu falo quando eu falo de corridas”)

“E as corridas de rua. Você as abandonou?”. Marcelo é amigo e morador na minha cidade bairro, Brooklin-Campo Belo. Encontramo-nos várias vezes na feira livre aos sábados e nos vários supermercados das cercanias. Respondi que continuo a treinar e a participar das inúmeras corridas de rua que hoje proliferam em São Paulo e cidades vizinhas, sempre com enorme prazer. Disse-lhe que a sua pergunta era provocativa e que não ficaria indiferente ao tema.

Realmente continuo a participar das corridas de rua. No ano que passou foram 20. Se considerarmos que a inscrição para as provas pressupõe preparação, diria que, num ano de 50 e tais semanas, as participações até que foram expressivas. Atendo-se aos três treinos semanais – dois quando há corridas -, temos cerca de 150 percursos de 8 a 12km durante o ano, individuais ou junto à multidão de adeptos. Mesmo em turnê pela Europa não deixo de treinar, até quando as temperaturas estão lá embaixo. Em 2015 cheguei a correr em prova de 10k na cidade de Ninove, na Bélgica.

Escrevi em anos anteriores que jamais vi um rosto contraído ou mal humorado antes e depois das provas de rua, exceção ao pelotão que sai à frente e que busca superar tempos e ganhar troféus. Diria, quem compete tem a adrenalina em índices altos e vê o corredor ao lado como alguém a ser superado.

Faço galhardamente parte da turba que está a correr despreocupada, buscando a ratificação de princípios que regem a qualidade de vida. Todos se sentem “companheiros” no percurso a ser vencido. Um exemplo pode ser presenciado habitualmente quando um corredor cai ou sente qualquer desconforto. Há sempre os bons samaritanos que abdicam de seus tempos para acudir o infortunado. Já fui mais de uma vez socorrista nessas ocasiões. Não sei se o pelotão de atletas profissionais ou semi profissionais age dessa maneira, pois não apenas não estou lá na frente para comprovar, como também esses corredores pensam nos prêmios e nos troféus, o que é lógico.

Acumulo alguns troféus, não pelo desempenho, mas graças à idade. Numa corrida de rua na aprazível cidade de Louveira (72km de São Paulo) estava para retornar à nossa cidade juntamente com meus companheiros nessas provas, Batoré e Peninha, quando, por megafone, anunciaram meu nome. E veio o troféu do mais idoso!!! Nas organizadíssimas corridas do Circuito da Longevidade, patrocinadas pela Bradesco Saúde, já foram vários troféus relativos à classificação na faixa etária e como um dos três mais longevos. Não deixa de trazer grande alegria.

Desde 1952, tenho muitos álbuns contendo recortes de jornais, críticas e programas musicais que contam o longo caminho que ainda não findou. Igualmente guardo álbuns das corridas desde 2008. Já são cinco preenchidos. De cada corrida arquivo o número de peito, foto comprada das inúmeras empresas que colhem milhares de imagens dos corredores e o tempo final. Num desses dias revi-os e pude observar o paulatino aumento dos tempos para percursos como os 10k. “O tempo insubornável”, de que nos fala Guerra Junqueiro, testemunha por escrito esse declínio, que não me incomoda. Continuo a chegar entre os corredores do último terço de inscritos, mas curiosamente à frente de algumas centenas ou, em determinados casos de quantidade expressiva de corredores, de milhares. Isso não importa. Satisfaz-me a alegria contagiante que emana desse clima mágico representado por essa atividade esportiva que cresce de maneira geométrica no Brasil e no mundo.

Resenhei dois livros sobre corridas de rua, um do grande escritor japonês Haruki Murakami (vide blog de 19/02/2011) e outro do médico Drauzio Varella (vide blog de 03/10/2015). Li com grande prazer as duas obras, pois pormenorizam toda a evolução que os levou a percorrer maratonas. Já escrevi anteriormente que a maratona (42.2k) continua a ser desafio a ser vencido por quantidade expressiva de corredores de rua, sendo a meia maratona (21.1km) a etapa necessária de aprimoramento. Logicamente, pormenorizar-se nessas distância significaria ainda atingir o Nirvana. Todavia, a insaciabilidade humana já aumentou limites quilométricos, e provas de 100k ou até 180k já estão se tornando alvo para adeptos especiais, os ultramaratonistas. Essa assertiva leva à conclusão de que a temática futura buscará distâncias sempre acentuadas e literatura afim será produzida para interesse de leitores ávidos no algo a mais. Porém, metas em ascensão não trazem benefícios à saúde. Isso é comprovado. Um bom companheiro de corridas, que participava de provas de 10 a 100k, sofreu infarto do miocárdio ao final de um longo percurso e quase se foi. Meses após, retornou às corridas de apenas 10k e com “orgulho” exibiu a enorme avenida traçada em seu peito! A maratona já é, a meu ver, desde a intensa preparação, um exagero para o humano.

No dia seguinte ao nosso encontro, Marcelo entrega-me recente artigo intitulado “Feliz 2017″ (Folha de São Paulo, 24/12/16), de Drauzio Varella. O famoso médico estranhamente desconstrói a essência de seu livro “Correr” e o título da crônica em apreço. Emana conceitos desestimuladores. Escreve: “Corro maratonas há 23 anos. Acordar mal-humorado às 5h, vestir calção e calçar tênis, resignado, é parte de minha rotina, como examinar doentes ou tomar banho”. Alguns parágrafos abaixo prossegue: “Quando você, leitor, ouvir alguém que se gaba de acordar louco para fazer exercícios, não fique complexado: é mentira. Como eu sei? Se existisse tal disposição eu a teria sentido pelo menos uma vez nos últimos 23 anos. Para mim, levantar da cama e começar a correr sempre foi sacrifício; todas as vezes, sem uma exceção sequer” (sic). Algumas considerações: Varella generaliza uma experiência particular. Utilizando-me do mesmo raciocínio, em sentido inverso, diria que todos os corredores que conheço – alguns maratonistas e ranqueados – praticam a atividade com prazer. De minha parte, jamais acordei mal-humorado, por vezes às 4h, nas 130 corridas desde 2008, portanto iniciadas aos 70 anos, após um câncer que quase me levou aos anjinhos. Todas as manhãs, mesmo em dia de corridas, realizo com prazer meus 20 minutos de ginástica, assim como meu saudoso pai, que se sentia rejuvenescido ao praticar seus exercícios matinais até pouco antes de sua morte aos 102 anos. Jamais correr foi sacrifício para mim e para os que eu conheço. Quando, às 5 ou 5:30h, meu companheiro de corridas, Carlos ou Batoré, chega à minha porta vindo de bairro distante e estampa um grande sorriso pleno de alegria, ouço sua frase em voz alta, “mais uma professor!!!”. Seguimos energizados para as provas em São Paulo ou cidades próximas. A testemunhar esse prazer enorme do avô, minha querida neta Ana Clara escreveu mensagem quando da centésima corrida. Inserida no post de 28/08/2015, publico-a novamente, pois comove-me sempre:

“Vovô querido, muito me orgulha ver estas fotos e ser testemunha desta conquista que vai além da primeira corrida com três dígitos. Não são somente 100 corridas. São 100 vezes que você acordou antes do sol nascer. São 100 vezes que você se inscreveu com vontade de superar mais um obstáculo. São 100 vezes que você foi dormir pensando que uma nova história te esperava no dia seguinte. São 100 vezes que você se preparou no dia anterior (com os alfinetes na camiseta, com a garrafa d’água, a toalha e a camiseta extra). São 100 vezes que você alcançou a chegada. São 100 vezes que você foi admirado pelos demais corredores pela sua idade e perseverança. São 100 vezes que você chegou em casa satisfeito por mais uma missão cumprida. São 100 vezes que o ‘talento’ percebeu que não estava tão lento assim. São 100 vezes que você se orgulhou da escolha de começar a correr. São 100 vezes que você salvou fotos, as imprimiu, e colou juntamente com o número da corrida no álbum. São 100 medalhas. São 100 corridas SEM desculpas ou desistências. São 100 vezes que você acordou determinado a lutar pela vida. Não pude estar presente nestas 100 corridas, tendo participado de duas delas, mas tenha certeza que você recebeu 100 aplausos, 100 sorrisos e 100 momentos de orgulho da sua querida neta. Esta foi minha singela homenagem ao meu queridíssimo avô! Te amo! Parabéns de novo!”. Confesso que, se sentisse, sequer uma vez, sacrifício ou enfado, não correria, como também não me dedicaria horas a meu estudos pianísticos.

Portanto, prezados leitores, continuarei a percorrer distâncias compatíveis com minha idade (78). De 10 a 15km, acho plausível. Se chegar aos 80 anos, espero ter escrito um livro sobre a experiência saudável nessas distâncias e relatar algumas figuras que me são essenciais como exemplos, estímulos e amizade. Pormenorizar-me-ei em Elson Otake, o maratonista, responsável pela introdução no YouTube de cerca de 80 gravações que realizei no Exterior e conselheiro impecável quanto às corridas; Nicola, que, aos 82 anos, foi meu primeiro guru, e que realiza semanalmente treinos de 20 a 30km nas serras perto de Campos do Jordão; Antônio Lopes, fenômeno físico, que aos 89 anos participou de maratonas e ainda completa as meia maratonas. Soma em seu currículo mais de 700 corridas de rua!!! Encontro-o em quase todas as provas de 10 ou 15km!!! Escreverei sobre Edgar Barbosa Correa, excelente personal trainer que me orientou durante ano decisivo e que hoje mora definitivamente, com sua esposa Melina, igualmente personal, nos Estados Unidos Por fim, terei capítulo sobre Carlos, vulgo Batoré, amigo e companheiro de todas as corridas.

Marcelo ainda perguntou o que eu considero o benefício maior. Respondi-lhe que o bem estar é resultado fulcral, inclusive para meu estudo de piano; que durante os treinos solitários ligo o automático e passadas e respiração se amalgamam, deixando para a mente a elaboração dos quase 530 posts já publicados no blog. “Eles” se organizam na mente e, de madrugada, no silêncio possível, descem serenamente para o teclado do computador. É isso, meu caro Marcelo.

This post explains why I love running: the benefits for body and mind: the interaction  with other runners – everybody has an advice to give, a race story to unfold -, the rush of hormones that relieve stress and make your happier. Running has never been a burden: on the contrary, it is something I always do with pleasure, even if it includes solo practices three times a week alone with my thoughts, getting up at dawn rain or shine on runnings days – occasionally travelling long distances -, taking care of my form, breathing, and pace. But I love the camaraderie of my teammates and of other runners, checking how I have done in my age division and, as a fringe benefit, the increased energy brought by regular exercise.

 

Tenhamos ainda esperanças!

Cada um de nós emergirá ao fim do Ano Novo, ou maior ou menor;
ou então, absolutamente não teremos crescido,
permanecendo em completa inércia,
exatamente aquilo que agora somos.
Porém, para aqueles dentre nós que sentem ardor,
qual o significado de um Ano Novo?
Somos semelhantes a viajantes, penetrando,
em nossa longa jornada, por um país novo e desconhecido,
onde fados estranhos e estranhas aventuras nos esperam.
Nesta terra,
à medida que o peregrino observador a percorre,
oportunidades se acumulam sob seus passos.
Entretanto, para os utilizar, necessita ser sábio e estar alerta.
Pois de uma coisa deve lembrar-se,
que é um viajante e que o que lhe compete é,
não deter-se, mas passar adiante.
Jiddu Krishnamurti (1895-1986)

O acúmulo de situações estressantes durante 2016 não traduz panorâmica risonha. Pelo mundo e em nosso país, assistimos, tantas vezes atônitos, aos mais díspares acontecimentos, preponderando sempre o drama e o trágico. A mídia a cada ano evidencia de maneira mais cruenta uma visão sádica do mundo em que coabitamos. Qual o jornal televisivo que se sustentaria sem priorizar o crime, o banditismo, a perversidade e a corrupção, esta com seus adoradores pertencentes ao círculo dos políticos, empreiteiros e daqueles que pululam nesse lamacento meio, a deixar o Estado desprovido de estruturas sólidas. Manchetes de jornais (veículo em franco declínio) e capas de revistas conseguem leitores ávidos em conhecer o que não deu certo, qual a desgraça do dia anterior, o nome dos mencionados nas delações premiadas, os Poderes infectados.

Walter Benjamin já observava que o cidadão comum está mais interessado no acidente ocorrido perto de sua morada do que nas tragédias bem alhures. As toneladas de sepultos, consequência das insanas batalhas no Oriente Médio, são vistas de maneira até rotineira!!! É tão verdade e pode ter fácil aferição no cotidiano, pois o crime hediondo, ocorrido no dia anterior nas cercanias, tem maiores possibilidades de ser tema de conversações do que os bombardeios e a dizimação de crianças, mulheres e idosos sírios promovidos pelos ditadores da Síria e da Rússia.

Do conturbado Oriente Médio, da Ásia e da África, levas de imigrantes chegam ao litoral europeu. O historiador Eric Hobsbawm (1917-2012) já preconizava, muitas décadas atrás, que até 2050 o hemisfério norte, Europa e Estados Unidos estariam totalmente invadidos pelas populações mais ao sul. As convulsões mundiais só tendem a acentuar o temor dessa profecia. Parte considerável dos que chegam buscam impor seus costumes e sua religião, não se adaptando às culturas ocidentais sedimentadas através dos milênios. Países que preponderam no cenário mundial preferem o emprego de eufemismos para o não enfrentamento do problema fulcral. Haverá gigantesco tributo a pagar!!!

Comoção absoluta advém quando ato terrorista, geralmente provocado por tresloucados ligados ao EI, abala uma cidade de maneira covarde. O tema prepondera durante alguns dias para descer às profundezas abissais das estatísticas.

Em termos brasileiros, o impeachment da presidente teve desenrolar traumático e durante meses ocupou parte primordial da mídia e das expectativas da população. Após 13 anos, “o projeto criminoso do Poder”, assim denominado pelo Ministro do STF, Celso de Mello, deixava as estruturas do Estado. Espera-se que já no próximo ano avanços nas reformas aconteçam, apesar de embates que certamente serão promovidos por sindicatos e opositores, no caso, propensos ao pior.

A constatação de que o esporte na atualidade tem muito maior apoio do que, hélas, segmento das artes, a música, pode ser sentida. A tragédia a envolver a equipe de futebol da Chapecoense recebeu homenagens fúnebres em todo o mundo, de um Real Madri e Barcelona da Espanha, dos grandes times da Alemanha, França, Inglaterra, Itália e Portugal a time da terceira divisão na China. A comoção mundial foi plena. Neste fim de ano, outra tragédia, a queda do avião russo que levava cantores do Exército – conhecidíssimos outrora como do Exército Vermelho, durante o regime soviético na antiga URSS – e mais dançarinos, músicos e tripulantes. Ao todo, 92 sucumbiram. Se o Exército Vermelho de  tempos outros tem histórico sinistro, o coro masculino encantava o Ocidente com suas melodias, acompanhado de dançarinos em evoluções acrobáticas, perpetuando o folclore russo. Que eu saiba, orquestras espalhadas por tantos países não prestaram homenagens póstumas. Creio que na Rússia devam ter acontecido tributos. O Presidente Putin decretou um dia, friso, um dia apenas de luto oficial!!!  Justamente a arte musical que, em princípio, revela a mais intensa emoção e num país de extraordinária tradição relacionada à música erudita e folclórica. Também sinais dos tempos. Teria havido algum segmento expressivo nos noticiários de nossa lamentável TV aberta? A mortes de David Bowie e George Michael marcaram espaços enormes nos noticiários. Ao menos, como dado cultural, poderiam ter dedicado espaços à história dos ascendentes desse numeroso grupo de músicos, legado de uma tradição fabulosa.

Pesquisa recente apontou para a palavra “indignação” como a mais respondida por questionados sobre o ano que ora finda. Outras palavras citadas não são alvissareiras. Todavia, houve alguém a citar esperança.

Nessas incertezas em que nosso mundo mergulhou, ainda mais com a eleição do verborrágico e intempestivo presidente norte-americano, ainda é possível acreditar. O marco essencial continua a ser a família, insistentemente solapada por tantos. É salvaguarda, assim como amizades profundas. Apesar de atingida em seus flancos pela total desorganização social, pelo avanço dessa praga, a droga, e pela violência vista como rotina, só no âmbito da família algo de iluminado poderá advir, pois a Escola, que deveria ser a sequência do aprendizado e o caminho que levaria o homem à sua trajetória íntegra, está contaminada nas entranhas e alunos manipulados têm hoje maior autoridade do que o mestre em nosso país!!!

Apesar de um post sombrio, tenho esperanças de um mundo melhor. Seria utopia assim pensar? Ilustração e epígrafe apontam para uma mesma senda: somos todos peregrinos. Um Ano Novo melhor é o que eu desejo aos prezados leitores e a seus familiares e amigos.

New Year and the reflections it gives rise to: political unrest and corruption in Brazil, violence, poor education, schools that are failing our children and our society. In the Northern hemisphere, invasions of illegal immigrants, intolerance, terrorist attacks. Hoping that family values will not be wasted in face of the dark perspectives ahead of us, I can only wish you all a New Year filled with promises of a brighter tomorrow.

 

 

 

 

Planejamento consciente x ausência de profissionalismo

A morte do jardineiro não lesa uma árvore.
Contudo, se você ameaçar a árvore,
então o jardineiro morre duas vezes.
Antoine de Saint-Exupéry
(“Citadelle” – capítulo V)

Antônio já havia lido o blog anterior sobre a tragédia a envolver a equipe da Chapecoense, comissão técnica, dirigentes, jornalistas e convidados, deixando 71 mortos e seis gravemente feridos, estes, felizmente em recuperação. Natural de Jaraguá do Sul, igualmente do Estado de Santa Catarina, como Chapecó, Antônio fez pergunta pertinente: “Pode uma equipe bem mais modesta, como a Chapecoense, competir na igualdade com times imensamente mais ricos?”. Inicialmente disse-lhe que gosto imenso de futebol desde a tenra infância, mas não seria a pessoa indicada para responder. A certa altura perguntou-me sobre a Portuguesa, time pelo qual torci muito, até o episódio a envolver sua estranha queda para a série B, mercê da “troca” de posições e da “ascensão” estranhíssima do Fluminense, time que havia merecidamente caído para a série B no campo de futebol, friso bem. Aliás, o Fluminense tem tradição nesses recursos no famigerado tapetão.

Que o futebol é uma paixão para centenas de milhões de aficionados espalhados pelo mundo não há a menor dúvida. Rarissimamente um torcedor muda de time. A fidelidade é tão maior avaliada se a compararmos com a dos “amores eternos”, pois o número de dissoluções de casamento em breve tempo de união é fato. Acredito que apenas a religião compete com o futebol no item fidelidade, assim mesmo com boa desvantagem.

Quando houve o imbroglio a envolver Portuguesa e Fluminense, insólitas decisões do STJE, sediado no Rio de Janeiro, provocaram o descenso da Lusa para a segunda divisão. Desmoralizada sob o aspecto moral e ético, graças à ventilação ampla pelos meios de comunicação do processo que envolveria o comprometimento de dirigentes da Associação Portuguesa de Desportos, a descida à série D, último estágio do campeonato brasileiro, foi sequência natural. Mergulhada em dívidas impagáveis – seu estádio a ser leiloado -, segue a Lusa seu destino abissal. Comentei muito anteriormente que o melhor a fazer seria “congelar” o futebol profissional, continuando a existência da Associação em níveis esportivos diferenciados.

A partir de toda essa tumultuosa situação, deixei de torcer pela Portuguesa, sem contudo substituí-la por qualquer outra equipe. Esqueci-a e isso foi bom, pois a Lusa, sob outra égide, sempre sofreu em campo as decisões equivocadas dos árbitros, o que, aliás, era motivo de chacota por parte de torcedores de outros times, constrangimento por parte de sua diminuta torcida e vergonha para o futebol.

Atualmente assisto aos bons jogos pelo prazer de ver espetáculos de arte futebolística. Foco meu olhar nos grandes embates que se processam nos principais centros europeus. Raramente vejo jogos de nossos campeonatos, não suportando o incalculável número dos chamados passes errados no nosso futebol. Lembraria ao leitor que esse é princípio primeiro que deveria ser ensinado aos nossos jogadores, mas que técnicos, a grande maioria sem conhecimentos ao menos medianos, não transmitem aos nossos atletas. Fundamentos essenciais passam ao largo e a troca frequente de técnicos no futebol brasileiro apenas ratifica mesmices por eles praticadas. Os mais conhecidos já dirigiram os times mais “importantes” do país!!! Importa-lhes a pontuação nos campeonatos e não a edificação do futebol arte, planejado, estudado. Não seria essa uma das razões de o Brasil não receber convites para que técnicos pátrios dirijam equipes de ponta da Europa? Quando convidados por países asiáticos ou do Extremo Oriente, partem em busca do ouro e transmitem os parcos conhecimentos a um tipo de futebol ainda precário. Todo o mal está feito, pois.

Admirei a estrutura da Associação Chapecoense de Futebol desde 1973, data da fundação da agremiação, e que foi dada a conhecer ao mundo mercê do trágico acidente aéreo. Competência, dedicação sem atos desabusados, orçamento módico, mas bem administrado, e… fervor de uma população que acarinha de maneira comovente o time da simpática cidade de Chapecó. O compositor e pensador francês François Servenière escreve em sua mensagem sobre a infausto acontecimento que dizimou a Chapecoense: “Essas tragédias são raras, mas quando atingem pessoas públicas, a emoção é maior, pois fazem parte de nosso cotidiano audiovisual, como se os acidentados ‘integrassem um pouco nossa família’. Os atentados cotidianos islamitas que fazem dezenas de mortos; inundações, terremotos que ocorrem sempre, dizimando centenas ou milhares de seres humanos, representam mortos anônimos que integram estatísticas macabras, cifras que se acumulam inexoravelmente. Damos importância relativa. Quanto às figuras conhecidas mundialmente, sabemos que não mais estarão entre nós. Quando Ayrton Senna morreu em Imola, tive uma tristeza infinita, não pelo fato de ser brasileiro e porque representava, ao lado de nosso Alain Prost, um gênio das corridas de F1, com quem disputava aos domingos as poles positions nos circuitos do mundo, mas pelo fato de o termos visto morrer en direct, drama que teria o equivalente se Pelé morresse durante um jogo de futebol. Quando um deus dos estádios ou, no caso da Chapecoense, uma equipe inteira morre e pouco após presenciamos en direct o palco do acidente, presenciamos, na realidade, uma tragédia à antiga” (tradução: J.E.M.). Estou a me lembrar que menos de um minuto após aquele choque brutal que vitimou Ayrton Senna, meu saudoso pai me ligou do alto de seus 96 anos e me perguntou, após ouvir palavras ainda de esperanças pela TV: “Será que foi grave?”. Não vendo qualquer reação e assistindo a um incrível desespero daqueles que cercavam o carro, disse-lhe que, a meu ver, ele estava morto. Meu pai, com a voz embargada, desligou o telefone.

Sob outra égide, esse post atenderia aos questionamentos de meu amigo Antônio. A importância do futebol, o esporte mais praticado no mundo, deveria sempre ter como fulcro o entretenimento sadio. Para quem gosta apenas do bom espetáculo, é um prazer vê-lo, não importa o lugar, tampouco as equipes envolvidas.Hoje, não mais como torcedor, mas como aficionado pelo esporte bretão, sinto-me bem mais confortável. Paixão existe como sentimento  positivo para a maioria dos torcedores. Ela é sadia, desde que não ultrapasse negativamente os limites da civilidade, graças à grande chaga aberta, jamais cicatrizada, a torcida organizada. O Poder Público no Brasil não tem a coragem de  extingui-la, e os uniformizados continuarão a provocar mortes sucessivas em batalhas campais, mercê do número crescente de marginais em suas fileiras. A Europa soube combatê-los com firmeza, mas em nossa plagas… Apesar de não mais ligado a um time, aguardarei com profunda simpatia a remontagem da gloriosa Chapecoense. E como ela merece ressurgir das cinzas!

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No próximo post abordarei, com enorme felicidade, a consagração inédita e maior de um jovem brasileiro no cenário mundial, Luiz Guilherme Godoy. Seu mestre durante tantos anos, e que teve papel preponderante em sua formação na Escola Municipal de Música, Renato Figueiredo, e eu, na Universidade de São Paulo nos seus dois últimos anos em minha classe de piano, sentimo-nos plenos daquele sentimento que o prelado D.Henrique Golland Trindade denominava o “santo orgulho”.