Navegando Posts em Cotidiano

Esperanças se diluem pelo mundo

Não podeis ser, ao mesmo tempo,
o maratonista corredor e o indivíduo satisfeito de si mesmo
a trilhar o bem conhecido caminho da vida em desperdício.
Se escolherdes ser dos que correm,
então, ao fim do ano, devereis estar aptos
a medir o avanço que houverdes efetuado no caminho.
Jiddu Krishnamurti (1895-1986)
(“Mensagem de Ano Novo”, 1929)

Há dezessete anos e meio sempre pontuo a passagem do ano neste espaço, nem sempre de maneira alvissareira. Contudo, apesar de ainda ter tênues esperanças, não há muito a saudar no ano que finda, em termos mundiais e pátrios. Sobre as inúmeras guerras que pululam pelo planeta, apenas algumas delas são diariamente temas nos noticiários. Quanto à situação no Brasil em termos gerais, há pouco a festejar no que concerne aos direcionamentos vindos dos três Poderes. Os bons momentos se traduzem nos planos dos cidadãos em geral nas várias categorias da sociedade, que, apesar de sentirem as distorções conhecidas, buscam seguir os seus caminhos, baseados em valores consagrados que, hélas, têm sido solapados progressivamente. Ausculto as ruas e as opiniões não são auspiciosas no que tange aos três Poderes. Estou a me lembrar de frase do  Embaixador e Ministro Roberto Campos (1917-2001): “Tudo vai mal onde tudo vai bem”.

O balanço dos fatos que atingem a todos fora do Sistema recai no plano individual, no qual as pessoas projetam suas trajetórias. Independentemente de tantos excessos, abusos, distorções sob tantos temas, tem o indivíduo que corrobora com o trabalho e impostos sempre crescentes uma recôndita esperança. O presente “embate” nos denominados três Poderes, que distancia a harmonia entre eles, essa, constante na nossa Lei Maior, apenas corrobora as incertezas do cidadão comum.

Sob outra égide, parte primordial dos meios de comunicação, nas suas várias ramificações, prefere cooptar com o Sistema hodierno. Como fazer entender a um estrangeiro a censura à liberdade de expressão, quando ela está expressa na Constituição de 1988? Contrariamente, no plano da Moral e dos Costumes, a conclamação à pornografia mais abjeta, expressa num dos mais importantes sites do país, é ampla e irrestrita, sem que haja a menor vontade do Judiciário em erradicá-la, para a salvaguarda de crianças, adolescentes, jovens e a imensa população que cultiva princípios outrora respeitados. Não há qualquer restrição a essa escabrosa pornografa explícita.

Todas essas anormalidades atingem as pessoas, que mesmo distante dos noticiários da mídia são atingidas de maneira indireta. Cerca de 30% dos eleitores, apesar da obrigatoriedade do voto, abstiveram-se de comparecer às urnas no último pleito. Desinteresse? Desesperança? Apresentação de propostas dos políticos que o eleitor sabe não possíveis de serem realizadas? Fisiologismo?

Creio sábias as palavras de J. Krishnamurti, um dos autores preferidos do meu saudoso Pai: “Cada um de nós emergirá, ao fim do Ano Novo, ou maior ou menor; ou então, absolutamente não teremos crescido, permanecendo em completa inércia, exatamente aquilo que agora somos. Porém, para aqueles dentre nós que sentem ardor, que é que um Novo Ano significa? Não pode ter esta significação? Somos semelhantes a viajantes, penetrando em nossa longa jornada por um país novo e desconhecido, onde fados estranhos e estranhas aventuras nos esperam. Nesta terra, à medida que o peregrino observador a percorre, oportunidades se acumulam sob seus passos. Porém, para utilizá-las, necessita ser sábio e estar alerta. Pois de uma cousa deve lembrar-se: que é um viajante e que o que lhe compete é não se deter, mas passar adiante” (“Mensagem de fim de ano”, 1929).

Cada cidadão tem suas preocupações. Do humilde trabalhador ao mais elevado cientista, importa o entusiasmo pela causa. Em tantos blogs repeti frase que me norteia: “a respiração não pede férias” e a Música é esse respirar ininterrupto. Junto à extensa família percorro as etapas derradeiras da existência com a serenidade dos afetos, mas com a dúvida quanto ao futuro do nosso país.

A todos os leitores que me honram com a frequência, desejo um Ano Novo que atenda aos almejos individuais e coletivos.

Another year went by. In global and national terms, there is very little to celebrate. The joys are restricted to family life, individual aspirations, healthy social life and shared happiness, in terms of Brazil, what can we expect for the New Year? Faint hopes.

 

 

Ives Gandra Martins em artigo basilar

Dou muito mais valor a um juiz de primeira instância,
seja federal ou estadual, que passa por um concurso exaustivo,
do que magistrados que, por melhores que sejam,
precisam fazer campanha de amizade
e contar com excelente relacionamento com o presidente da República.
Ives Gandra Martins
“Blog do Fausto Macedo” (Estadão, 08/10/2024)

Inúmeras vezes comentei que, nos mais de 900 posts, nunca abordei temas relacionados à política e aos Três Poderes, em conjunto ou separadamente. Meus temas são essencialmente culturais, máxime a Música e, por vezes, escrevo sobre fatos do cotidiano que me surpreendem. Ao ler artigo do meu irmão Ives, notável jurista, a respeito da constituição do Poder Judiciário, decorrente da apresentação de um trabalho do economista José Pastore, “Custo da insegurança jurídica”, entendi o alcance do seu pensamento quanto às escolhas dos membros dos Tribunais Superiores. Partindo da atual composição do Tribunal Superior do Trabalho, estende-se ao Supremo Tribunal Federal.

Entende Ives Gandra Martins que escolhas para as Cortes Superiores deveriam  contemplar aqueles que passaram por concursos complexos e que têm a experiência adquirida nas várias instâncias jurídicas. Seriam estas que amadurecem o futuro ungido aos Tribunais Superiores.

É tão fácil deduzir que, para a carreira acadêmica em universidade pública, no caso a Universidade de São Paulo, há degraus e eles são percorridos através dos anos ou décadas. A categoria básica é a do Auxiliar de Ensino detentor do curso de graduação. A progressão passa por etapas, Mestrado, Doutorado, Livre Docência e Titulação. Integrei durante alguns anos o Concelho Universitário da USP. Quanto à escolha do Reitor, a Comunidade universitária opina, a Assembleia Universitária seleciona e dela fazem parte: Concelho Universitário, Concelhos Centrais, Congregações das Unidades, Concelhos Deliberativos dos Museus e Institutos Especializados. Há toda uma tramitação que pressupõe debate público entre os postulantes, consulta à comunidade, eleição para composição da lista tríplice, votação e apuração, nomeação do novo Reitor e seu vice pelo Governador. Esse rigor, que deveria existir na escolha de um Ministro dos Tribunais Superiores, inexiste. Um professor bacharel não seria escolhido Reitor da USP, mas um advogado pode ser ungido para o STF após indicação do presidente de plantão e a aprovação pelo Senado, que na realidade – assistindo-se ao histórico — apenas ratifica a escolha presidencial.  Ives Gandra Martins, nesse artigo basilar, comenta: “Hoje, no Supremo Tribunal Federal, temos três Ministros que vieram da magistratura e oito que não vieram. São profissionais competentes, mas amigos do presidente. Apesar de eu respeitar e admirar esses Ministros, com alguns dos quais escrevi livros, essa mentalidade tomou conta do nosso Poder Judiciário, gerando a insegurança jurídica e as distorções que constatamos na excelente apresentação do professor José Pastore, que não serão facilmente reformadas”.

Em outro segmento de “Amigo do rei”, o jurista Ives Gandra Martins escreve: “Vemos a campanha feita pelo governo no sentido de reestatização de determinadas empresas e, ao mesmo tempo, a forma como cargos de empresas estatais, principalmente a Petrobras, têm sido novamente loteados, como eram no passado. Sabemos perfeitamente que, quando a empresa não pertence aos donos, nem aos acionistas, ou a ninguém em particular, torna-se campo fértil para a corrupção”.  Assistimos, durante a extinta Lava Jato, figuras “importantes” nas Estatais e nas Empresas Privadas devolverem rios de dinheiro. Hoje todos gozam da plena liberdade. Sem mais comentários.

Ives Gandra Martins, após historiar o Velho Testamento, conclui “que o pior período de Israel foi quando governado por juízes. É que os juízes não têm contato com o povo”.

Acredito que a rejeição de considerável parcela do povo a respeito dos membros do STF advém da preponderância até abusiva em tantas decisões. Estou a me lembrar de apenas dois Ministros do STF que tive o prazer de conhecer, Ministro Eros Grau (2004-2010) e Ministro Carlos Mário Velloso (1990-2006). Visitei Eros Grau em sua morada em Tiradentes (MG) após recital de órgão que dei na magnífica Igreja Matriz de Santo Antônio, e durante um período fomos membros do Conselho Universitário da USP. Em missão especial chefiada pelo Ministro Carlos Mário Velloso, Ives, João Carlos e eu viajamos à Romênia. Entre reuniões oficiais, João Carlos e eu demos recitais de piano em várias cidades romenas. Ambos os Ministros podiam andar pelas ruas brasileiras sem jamais serem molestados, muito pelo contrário, eram saudados.

Creio fulcral o término do artigo de Ives Gandra Martins: “O trabalho nas faculdades e escolas é crucial para que uma nova geração enfrente esse desafio. Aos 89 anos, essa luta não é mais minha, mas de vocês. Este é o grande drama do Brasil e a verdadeira batalha que enfrentamos. A essa altura, uma batalha que não será fácil. Há de termos, entretanto, uma democracia com harmonia e independência dos Poderes, cada um nos limites constitucionais que lhe foram concedidos”.

Tenho grande orgulho de tê-lo como irmão. Independentemente do grande jurista que é, autor de mais de uma centena de livros, Ives é uma figura irretocável sob todos os aspectos, fato raríssimo na atualidade.

Clique para ouvir, de Tchaikovsky, Doumka. A gravação ao vivo foi realizada pela Rádio Central de Moscou em 1962. É um pequeno tributo ao querido irmão, pois uma de suas músicas preferidas.

Tchaikovsky – Dumka – José Eduardo Martins – piano (youtube.com)

 

After reading a fundamental article by my brother Ives Gandra Martins, a noted jurist, I decided to comment on some of his positions stated in his post “The king’s friend”, published on Fausto Macedo’s blog (’Estadão’, 2024, 10/10).

 

O planeta sentirá saudades?

Seria preciso não viver para negar que o mundo seja mau;
mas é nessa mesma maldade
que devemos procurar o apoio em que nos firmamos
para sermos nós próprios melhores e, como tal,
melhorarmos os outros.
Agostinho da Silva

Há muitas décadas não passávamos por uma transição de ano tão prenunciadora de tempos ainda mais controversos. O pipocar dos fogos, as festanças espalhadas pelo país anunciam 2024, que não configura um ano alvissareiro. Os vaticínios se mostram cautelosos ou pessimistas.

Nesta coluna, publicando posts hebdomadários desde Março de 2007, sem jamais ter perdido um sábado, nunca me posicionei politicamente, apenas mantenho distância das ideologias extremadas.

Tive admiração plena pelo Supremo Tribunal Federal, outrora constituído por juristas incontestáveis, que se mantinham como guardiões da Carta Magna. Ministros reverenciados. Esvaiu-se o apreço. Para muitos e para um leigo nessa temática, como eu, a nitidez de determinadas decisões do STF apenas evidencia “desvios” do que rege a nossa Constituição de 1988. É sempre bom lembrar que, desde o século XVI, a Justiça é representada com venda nos olhos em estátua grega, venda esta a significar a isenção absoluta nos julgamentos. Daí as consagradas palavras “Justiça cega”, imparcial e sem máculas. A retirada da venda nos olhos apontaria para a parcialidade. O meu saudoso amigo e excelente artista plástico, Luca Vitali (1940-2013), fez uma charge a ilustrar o meu blog “A Justiça – Interpretação de uma charge” (24/10/2009). Luca não pensou na balança de dois pratos, isenta e equilibrada. A suportar o Código, um medidor com apenas um prato, muito comum nas feiras de antanho e, a subsituir o cão fiel, uma raposa. Futuramente a História se posicionará de maneira criteriosa, sem paixões, sobre os tempos conturbados que estamos a viver.

Sobre a Cultura, ou Culturas, progressivamente se instaura no país uma decadência sem retorno, como uma rocha a despencar de uma montanha e que, no seu avanço, torna-se mais veloz e destrói o que há pela frente. As conquistas internéticas atingiram, para o bem e para o mal, as mais variadas camadas da população. A “grande” mídia impressa, falada e presente nos sites, que deveria publicar noticiário isento de partidarismo, basicamente não o faz, perpassando a atualidade política e econômica com propósitos tendenciosos. Sob outra égide, dedica parcela dos espaços à derrubada dos costumes, à ascensão de temas sobre sexo nas mais variadas configurações, aos polêmicos temas raça e gênero provocando embate e cizânia, à violência em ritmo geométrico, à insegurança que atormenta as populações. Acresce-se o absoluto desvio do bem escrever, pois erros propagam-se na maioria das colunas de jornais, revistas e sites. Outrora essas falhas eram corrigidas no exemplar seguinte! Presentemente elas são assimiladas e se tornam rotineiras, trágica certeza.

Converso com muitos jovens. Raríssimos leem livros ou, quando muito, poucas páginas e… desistem. O desprezo pela Cultura Humanística terá consequências irreversíveis com o decorrer do tempo. Estas serão sentidas tardiamente com a ascensão de gerações que não mais terão ligações com o passado literário, artístico, espiritual… Perder as origens e ter como fundamento a história recente desde a início da proliferação dos celulares, como exemplo, é trilhar o caminho da homogeneização das mentes sempre em valores decrescentes. Sombria visão no horizonte.

Quão pouca importância se dá hoje à família tradicionalmente constituída e que permanece como legado a ser preservado. Raríssimas vezes a mídia no sentido amplo sobre ela se debruça.

As guerras que assolam várias regiões do planeta forçosamente trazem dúvidas quanto à saúde mental de dirigentes. Terroristas sempre serão terroristas. Não há, hélas, possibilidade de exterminá-los. Gerações afetadas pelas ações extremistas guardarão tenebrosas lembranças, mas a consequente represália em excesso apenas estimulará descendentes sem ligações com o terror a aderir à causa extremista. À testa dos governos autoritários, hélas, vários títeres que permanecerão títeres.

Esperanças? Aos 85 anos continuo a tê-las. A música é uma respiração que não falha até… Tenho à cabeceira do meu leito frase a anteceder o final do extraordinário romance “Jean-Christophe”, de Romain Rolland (1866-1944), no qual o personagem confessa sua devoção à Música: “Eu jamais te traí, tu jamais me traíste, disso temos plena segurança. Partiremos juntos, minha amiga. Fique ao meu lado até o fim!”.

A família e os fiéis amigos permanecem como âncoras que possibilitam ver melhor o mundo que nos cerca.  Meu saudoso Pai, admirador confesso de J. Krishnamurti, legou-me um precioso livro do mestre indiano, “Auto-Preparação”. Dele extraio um segmento essencial:

“Cada um de nós emergirá, ao fim do Ano Novo, ou maior ou menor; ou então absolutamente não teremos crescido, permanecendo em completa inércia, exatamente aquilo que agora somos. Porém, para aqueles dentre nós que sentem entusiasmo pela vida, o que um Novo Ano significa? Poderia ter esta significação: somos semelhantes a viajantes, penetrando, em nossa longa jornada, por um país novo e desconhecido, onde fados estranhos e estranhas aventuras nos esperam. Nesta terra, à medida que o peregrino observador a percorre, oportunidades se acumulam sob seus passos. Porém, para aproveitá-las necessita ser sábio e estar alerta. Pois de uma coisa deve lembrar-se – que é um viajante e que o que lhe compete não é se deter, mas passar adiante.”

A todos os meus leitores envio meus votos de um Ano Novo promissor, mas também de resiliência frente às adversidades que se descortinam.

As the year closes, I wish all my readers a promising New Year, but also one of resilience in face of the adversities that lie ahead.