Navegando Posts em Cotidiano

Caminhar como observador sem nenhuma pressão

Ser bem trajado no escrever é de certo modo um hábito social;
uma condição de promoção social;
mas a quem não tem como suprema ambição a de ser promovido lhe bastará ser limpo.

Agostinho da Silva (“As Aproximações”)

Atingimos 800 posts publicados semanalmente sem interrupção desde 2 de Março de 2007. O blog já integra uma das minhas funções diárias, da ideia que leva à concretização do texto até suas possíveis modificações durante a semana. Atingir este número faz-me lembrar de meu saudoso amigo, o artista plástico Luca Vitali (1940-2013), que durante anos ilustrou muitos dos posts. Tenho saudades de suas colaborações (vide blog: Luca Vitali, 1940-2013: 20/04/2013)

A reunião dos textos dos quatro primeiros anos resultou na publicação de três livros. Se os posteriores tivessem sido publicados, hoje teríamos mais doze. As tiragens dos três primeiros foi pequena, sem fins comerciais, e serviu mais para a distribuição entre amigos. Não sendo uma figura mediática, antes tendo idiossincrasia pelos holofotes, que sintetizam majoritariamente a aparência da verdade, prossigo nessa comunicação com meus leitores fiéis, como observador nesses quinze anos, palavra que reitero sempre que questionado. A meu ver, o blog deve conter reflexões que independam de pressão ou acomodação ao sistema vigente. A reflexão é um dos dons maiores do homem. Sofrer influência de patrocinadores (jamais os tive), ou mesmo escrever um post para o agrado de determinada camada social, contêm no âmago um simulacro da reflexão livre de amarras. Se tive mais de 2.000.000 de acessos (segundo o provedor) em três lustros, número irrisório se comparado aos blogs mediáticos, essa frequência reflete o pensamento de Mario Vargas Llosa que, em “La Civilización del Espectáculo”, já definia a derrocada progressiva e irreversível da cultura erudita. A fazer parte dessa transformação, menciona as bienais de arte, não mais as visitando. O desmoronar da cultura erudita pode não ser sentido pelos que não querem apreender as mudanças culturais das últimas décadas. Distanciando-se dos preceitos culturais eruditos, mais acentuadamente o homem perde as referências e, nessa perda, por osmose, os princípios voltados às escolhas referentes ao gosto, à moralidade e aos costumes. A permissividade ampla penetra na mente de tantos das novas gerações. Os sites e portais mais acessados no presente estão eivados de matérias, anunciadas na primeira página, que fariam corar o mais leviano cidadão de antanho. Houve a permissão do judiciário para esses textos livres de censura!!! E como ficam crianças, jovens e os cidadãos invadidos por escritos que margeiam a pornografia e estampados nas primeiras páginas dos portais? Abriram-se as comportas e o todo relativo aos costumes e à moralidade está a ter guarida por parte da sociedade. Não mais há barreiras!!!

A temática dos posts tem várias vertentes, a depender de circunstâncias ou até da programação. A relativa aos ilustres pianistas do passado já abordou cerca de 100 intérpretes que deixaram legado inalienável. Insistir em divulgá-los tem como precípuo objetivo evidenciar o resultado da investigação musical das obras interpretadas que aqueles mestres depreenderam. Gravações e vídeos apresentaram-nos cultuando a obra executada como finalidade essencial. Inexiste a vontade do projetar o Eu, mas sim, a música. Os mais ilustres intérpretes entendendo que a mensagem tem de ser transmitida na sua integridade. Daí basicamente inexistir o gesto, tão cultuado na atualidade, quando várias câmaras focalizam as mímicas faciais, os trejeitos histriônicos e as vestes insinuantes. Entenderia a apresentação desses mestres do passado – alguns com irrisórios acessos nos aplicativos – como faróis no oceano turbulento de nossos dias.

Quanto aos outros temas, a literatura em suas várias modalidades me interessa. Se focalizo mais acentuadamente os livros de aventura, faço-o por apreciar a intrépida coragem. Pontuei igualmente, ao longo do tempo, romances e poesia, assim como, prioritariamente, livros sobre música (vide menu: Resenhas e comentários – lista). Ao todo, cerca de 250 livros resenhados neste espaço ao longo de 15 anos.

Durante a pandemia inexistiram viagens, mas não as cenas do cotidiano. Quando de interesse para o observador, focalizo-as e transmiti-as ao leitor. Nesse conjunto de fatos diários não escrevo sobre política pela quase absoluta ausência de homens públicos realmente confiáveis. À decadência cultural acrescente-se a do homem público. Se exceções existem, a presença do agente público envolvido em atos ilícitos é assustadora e a negação da ilicitudes um mantra repetido por todos eles. Fugir à verdade faz parte da cartilha. A ideologia prevalece sempre e, ao político, basicamente interessam o Poder e suas benesses.

Escrevi um post sobre a Justiça (vide blog: “A Justiça – Interpretação de uma charge”, 24/10/2009). Nele, auscultei cerca de trinta pessoas e nenhuma acreditava na Justiça. Voltei ultimamente a questionar pessoas e as respostas continuam zeradas. Voltar ao tema seria inútil, pois de 2009 até o presente estamos a ver recrudescimentos e o desrespeito, por parte de segmentos do judiciário, ao que reza a Constituição pátria. Sem terem sido eleitos, magistrados, mormente da Suprema Corte, impõem algumas decisões à margem da nossa Carta Magna. Nada a fazer, hélas.

Nos meus 83 anos continuarei a escrever, pois reiteradas vezes neste espaço afirmei que a respiração não pede férias. As duas atividades, música e escrita, continuam a ser estímulos diários. Ter formado, ao lado de Regina, uma bela família é motivo de estabilidade emocional. As amizades sinceras complementam o equilíbrio. Já não bastam?

Reaching 800 posts published on my blog, I would like to make a few remarks about the topics addressed and their genesis.

O Império como sonho maior

Escuta, escuta: tenho ainda
uma coisa a dizer.
Não é importante, eu sei, não vai
salvar o mundo, não mudará
a vida de ninguém – mas quem
é hoje capaz de salvar o mundo
ou apenas mudar o sentido
da vida de alguém?
Eugénio de Andrade (1923-2005)

Nesse conturbado período em que a Ucrânia está a sofrer a invasão russa, mercê dos planos expansionistas de Vladimir Putin (1952- ), estive a pensar na presença de duas figuras que, oriundas de outras áreas, tiveram papel preponderante em seus países. Ligados à Música e à Comédia, tanto o extraordinário pianista polonês Ignaz Jan Paderewski (1860-1941) como o comediante ucraniano Volodimir Zelenski (1978- ), guardando-se as devidas dimensões, expõem qualidades raramente encontradas em políticos profissionais que, ao conseguirem entrar nessa atividade, não a abandonam. Do lado da Rússia, Putin governa o país desde 1999, devendo permanecer no poder até 2036!!! Alternância do Poder, impossível. Almejo da Grande Rússia dos tempos soviéticos, certamente, mercê inclusive de suas raízes, ligado que foi à temível KGB.

A alternância do Poder evita, entre tantos outros males, a sedimentação de conceitos que tendem a se deteriorar, a acomodação da entourage, o opositor sem voz e a vontade daquele que mantém o Poder como verdade absoluta. A frase, apócrifa talvez, L’État c’est moi, atribuída a Luiz XIV (1638-1715), foi e é praticada por ditadores espalhados pelo planeta, antes e após as sempre lembradas palavras.

Nesse desesperador conflito, Davi combate não contra Golias, mas contra um Colosso de Rodes. Não há a menor possibilidade de que uma simples pedra lançada de uma funda o destrua. Se do lado ocidental a Otan fica impossibilitada de intervir pela não adesão da Ucrânia à Organização, sob outro aspecto a Rússia já rechaçou por duas vezes exércitos numerosos e equipados. Em tempos de Napoleão (1812), expulsou um exército multinacional e, dos 450.000 mil soldados da invasão, 250.000 morreram e dezenas de milhares foram feitos prisioneiros. Entre os russos houve baixa aproximada de 300.000 homens (vide blog “Berezina”, 10/06/2017). A segunda Grande Guerra (1939-1945) assistiu à catastrófica retirada do que sobrou do exército do Führer ao se aventurar em terras da União Soviética. Torna-se inverossímil qualquer tentativa futura das forças da Otan  atacarem a Rússia – pregação defendida pelo Presidente Putin – mormente pelo fato de que o sólido armamento nos tantos países que são signatários da Organização lá está como peças defensivas, caso um Estado seja invadido pela Rússia. Todo o vernáculo proferido nas comissões europeias ou na ONU, assim como sanções impostas pelos países ocidentais críticos à invasão, são paliativos, pois a Ucrânia não pertence à Otan, uma das razões da decisão de Vladimir Putin para a invasão.

A Polônia é o país que mais tem abrigado os refugiados desta insana guerra. Foi invadida e dominada pelas tropas nazistas e, finda a Segunda Guerra, anexada à URSS. Essas duas trágicas situações deixaram marcas e dão margem ao afloramento da acolhida aos infortunados ucranianos. Hoje a fazer parte da Otan, revela-se acolhedora, suprindo essenciais necessidades de centenas de milhares que adentram seu território. Rússia e Polônia têm divergências sólidas que se prolongam. Incontáveis ucranianos dessalojados viverão doravante numa tebaida.

Paradoxal a atitude de Putin nesta premeditada invasão à Ucrânia. Considerados como “povo irmão”, cidadãos ucranianos estão sendo obrigados a se refugiar em países fronteiriços ou a resistir em solo pátrio. Quantos já não morreram! Indiscriminadamente, militares ucranianos e civis estão sendo mortos, sem contar a destruição do rico patrimônio arquitetônico da Ucrânia, assim como de seus edifícios residenciais. Certamente é incalculável o que custará ao invasor a restauração do país ou, parte da Ucrânia, se sob a direção de Zelensky. As cenas diárias são horripilantes e evidenciam os horrores da guerra, palavra proibida na Rússia a respeito do conflito, substituída por outras duas, “operação especial”.

Em plena vigência da URSS, os hotéis Metropol e o gigantesco Ukraína – o mais alto hotel do mundo à época, com seus 34 andares – figuravam entre os dois mais destacados de Moscou. Fosse o ucraniano um povo hostil, teria o establishment dado esse nome ao monumental hotel construído por ordem de Stálin, e cuja pedra fundamental foi fincada em 1947? Lá estive hospedado em 1962 durante o IIº Concurso Internacional Tchaikowsky. À noite, da janela do 25º andar observava os contornos do lendário rio Moscova. Perpassava-me parte da história da Rússia. Após reformas, o Hotel Ukraína presentemente é ainda o mais alto da Europa e integra a rede Radisson Collection Hotel. Fico a pensar na monstruosidade da guerra e, no caso Rússia-Ucrânia, na catástrofe atual, em que “irmãos russos” matam diariamente cidadãos indefesos através de ataques cirúrgicos que impossibilitam respostas. Será que Putin sabe - tenho lá minhas dúvidas - que alguns dos mais notáveis pianistas “russos” da história nasceram na Ucrânia: Vladimir Horowitz (Kiev), Sviatoslav Richter (Jitomir), Emil Guilels e Shura Cherkasky (Odessa), assim como o grande compositor Sergei Prokofiev (região de Donetsk)? Ao menos por respeito ao povo ucraniano, Vladimir Putin deveria propor a substituição definitiva do nome do Hotel icônico Ukraína. Máscaras cairiam.

Clique para ouvir, de Sergei Prokofiev, a Sonata nº 3, na interpretação de Emil Guilels:

https://www.youtube.com/watch?v=ogcbQfOMFa8

Chama-me a atenção, sob outra égide, o retalhamento que o Ocidente faz à cultura russa, o que demonstra o estágio atual das cabeças “pensantes” que elaboram programações pelo mundo. Festivais de cinema suspenderam filmes russos, livros russos estão sendo boicotados, temporada do célebre Ballet Bolshoi foi suspensa fora da Rússia, salas de concerto evitam a apresentação de composições do país litigante, intérpretes russos são substituídos.  Atitudes vergonhosas,  que apenas demonstram a obliteração e decadência da Cultura que se acentuam pelo planeta. A Rússia teve e tem um manancial criativo extraordinário em todas as áreas artísticas. Esses dirigentes das programações, cidadãos que na grande maioria não são músicos, tantos deles oriundos de outras áreas –  industrial, comercial, financeira… – não têm sensibilidade cultural e tentam punir a humanidade privando-a de bens perenes, irretocáveis. A estreiteza humana não tem limites. Punir a cultura russa pelos atos do ditador Putin que sonha com a Grande Rússia é algo absurdo. Neste ano se comemora o sesquicentenário de Alexandre Scriabine (vide blogs: “Alexandre Scriabine”, 22 e 29/01/2022). Deverei interpretar, em turnê em Portugal, dez Poemas do compositor russo. Já está programado. Tocarei.

No plano esportivo, sanções do Ocidente para quase todas as modalidades individuais e coletivas punem os atletas que, com dedicação e esforço, prepararam-se para as competições como almejo único.  Burocratas do esporte agem sem pensar na única razão da existência de seus empregos, os atletas, figuras fundamentais não ouvidas. Os dirigentes, orgulhosos pelas sanções; os atletas vendo estiolar-se a esperança. Sanções comerciais devem existir, mas estendê-las às artes e aos esportes!!!

Finalizando, estou a me lembrar da tragédia de Maurice Maeterlinck, “Pelléas et Mélisande”. Após a morte de Pelléas, assassinado pelo irmão Golaud, o avô Arkël dirá: “Se eu fosse Deus teria piedade do coração dos homens”.

O próximo blog será dedicado ao grande pianista, compositor e estadista polonês Ignacy Jan Paderewski, que bem poderia servir de exemplo a Putin, há mais de 20 anos no Poder a sonhar com a restauração do Império da Rússia. Em Citadelle, de Saint-Exupéry (1900-1944), há conceitos referentes ao Império, que deveria ser edificado a partir do fervor, da responsabilidade e da fraternidade.

Everything is indicating that President Vladimir Putin’s premeditation foresaw the catastrophic events arising from the invasion of Ukraine. Some of the greatest musicians of the 20th century were born in Ukraine and were considered “Russian”. Is this President not touched by the millions of refugees, formerly “brothers”, thousands of dead and the destruction of the country? For such tragedy there is only one culprit.

 

 

 

 

 

Recepção à altura da temática

É a razão desde o parto.
É correr pela vida,
Carregando sempre a morte.
Joan Reventós i Carner
(“Os Anjos não sabem velar os mortos”)

Apesar das dificuldades existentes quando se aborda o tema Morte, a recepção ao último post evidencia o interesse dos leitores por algo inexorável. Todas as mensagens recebidas são relevantes; mas, devido ao espaço a que me proponho, selecionei umas poucas, que correspondem ao conteúdo majoritário dos posicionamentos enviados.

A História está plena de registros da Morte nas artes visuais, música, literatura, nas crenças que eclodiram, feneceram ou sedimentaram-se. Persiste sempre o grande mistério relacionado ao infalível término da existência.

Em consonância com a atitude resignada e em paz, testemunhada pelos que cercam meu amigo-irmão nesse fim insubornável, as mensagens recebidas abordam vários aspectos que transmito aos leitores. A resignação de meu amigo-irmão, imbuído de profunda fé cristã, faz-me pensar na atitude diante da morte apreendida nas várias religiões. Estive com meu saudoso amigo, Álvaro Guimarães (1956-2009), poucos meses antes de sua “partida para a outra margem”, como me escreveu sua esposa, a regente coral Katrijn Friant, pois o amigo músico morou parte da existência em Gand, na Bélgica, lá a constituir família. Álvaro, já nos estertores da vida, dizia-me que estava preparado após ler um livro de Sogyal Rinpoche (vide blog: “O Livro Tibetano do Viver e do Morrer”, 10/10/2009). O autor escreve: “A contemplação profunda da mensagem secreta da impermanência – aquilo que de fato está além da impermanência e da morte – leva diretamente ao coração dos antigos e poderosos ensinamentos dos tibetanos: a introdução à essencial ‘natureza da mente’. A realização da natureza da mente, que pode ser chamada de nossa essência mais profunda, aquela que todos nós buscamos, é a chave para a compreensão da vida e da morte”.

Heitor Rosa, médico gastroenterologista e professor emérito da Universidade Federal de Goiás, escreveu-me, anexando um texto de Rubem Alves, psicanalista, educador, teólogo e escritor, a ele endereçado e do qual separei alguns segmentos relevantes:

“Li seu artigo sobre a morte e imagino sua angústia pelo inexorável desfecho com seu amigo-irmão. Com minha solidariedade, te envio um artigo que o Rubem Alves me enviou antes de morrer”.

Escreve Rubem Alves (1933-2014):

“Mas, o que é a vida? Um materialismo científico grosseiro define a vida em função de batidas cardíacas e ondas cerebrais. Mas será isso que é vida? Ouço os bem-te-vis cantando: eles estão louvando a beleza da vida. Vejo as crianças brincando: elas estão gozando as alegrias da vida. Vejo os namorados se beijando: eles estão experimentando os prazeres da vida. Que tudo se faça para que a vida se exprima na exuberância da sua felicidade! Para isso todos os esforços devem ser feitos. Mas eu pergunto: a vida não será como a música? Uma música sem fim seria insuportável. Toda música quer morrer. A morte é parte da beleza da música. A manga pendente num galho: tão linda, tão vermelha. Mas o tempo chega quando ela quer morrer. A criança brinca o dia inteiro. Chegada a noite ela está cansada. Ela quer dormir. Que crueldade seria impedir que a criança dormisse quando o seu corpo quer dormir. A vida não pode ser medida por batidas e coração ou ondas elétricas. Como um instrumento musical, a vida só vale a pena ser vivida enquanto o corpo for capaz de produzir música, ainda que seja a de um simples sorriso”.

Eliane Mendes, viúva do notável compositor Gilberto Mendes, escreve:

“De fato, o ser humano se impressiona tanto com a morte, mas não se impressiona com a vida, esse milagre tão maravilhoso, em que cada célula de nosso corpo adquire a inteligência de saber o papel a ser assumido segundo o órgão do qual ela fará parte. Fazendo um paralelo, como você citou tão bem, o mundo inteiro lamentando a morte de pessoas da mídia, e praticamente desconhecendo aqueles que se dedicam a preservar a vida das pessoas, passando quase como anônimos, como os que se empenham na medicina, na descoberta da cura das doenças, ou aqueles que se empenham em divulgar o que há de melhor e mais sábio, como o Nelson Freire, que você citou como exemplo. Há alguns anos li uma pesquisa feita na França com a intenção de saber quem as pessoas consideravam como intelectuais, com grande bagagem cultural, isso na época em que ainda viviam intelectuais de alto nível, como Claude Lévi-Strauss (1908-2009), por exemplo. E, para surpresa de todos, o ‘grande intelectual’, eleito com quase 100% de votos, foi o homem âncora do Jornal da Noite, o que aparecia todas as noites na TV dando as notícias. Daí a mensagem do Sábio, no Tao Te King, dizendo: “O Sábio é aquele que permanece anônimo, sorrindo, observando o ser humano fazer uso de seu conhecimento, pegando para si a propriedade desse conhecimento, apregoando como se ele fosse o dono desse conhecimento”. O que seria de nós sem a Sabedoria da Grandeza da Humildade para fazer frente ao grande vazio da humanidade, não é mesmo, José Eduardo? Que a Sabedoria Divina acolha o seu amigo-irmão neste instante derradeiro, com a percepção da verdade que nos escapa durante nossa vida, dando-nos apenas uma visão muito pequena da razão plena de nossa existência”.

Gildo Magalhães, professor titular da FFLECH-USP, comenta:

“Eu já ficara sensibilizado pela notícia por você adiantada e achei tocante sua mensagem com reflexões sobre a morte, em geral a ‘indesejada das gentes’. Quando se reflete que o objetivo da vida é gerar vida, isto pode soar muito mecanicista, mas não deixa de ser verdade. Só que importa muito o que fazemos com o dom da vida que nos foi dado. E você, em particular, maravilhou-nos todos com a beleza da sua música ao piano, também registada para gerações futuras. E, mais ainda, terá um legado de escritos que espalham um firme humanismo, além de conhecimento e um puro sabor de viver intensamente, mesmo nas minúcias, e penso que seu amigo-irmão também deixará esta marca de sua passagem, transformando o efêmero em duradouro”.

Humberto Lopes, que durante décadas teve função destacada em empresa nos Estados Unidos, em sua mensagem teceu comentários paralelos ao post anterior, em que mencionei a morte trágica da cantora sertaneja Marília Mendonça e a massacrante cobertura da mídia durante praticamente dois dias inteiros, a motivar multidão incalculável, assim como a morte do notável pianista Nelson Freire, que teve uma cobertura, diria, protocolar. Humberto menciona dois exemplos ocorridos nos Estados  Unidos, demonstrando que essa “prática” existe não apenas em nossas plagas.

É possível que estejamos a viver um período de insensibilidade coletiva frente à morte. A pandemia, tendo ceifado incontável número de contaminados, persistindo em ondas sucessivas a dizimar humanos, colocou-nos diante da morte como probabilidade real e “imediata”. As vacinas, mesmo que “incompletas” em suas eficácias, são as únicas vias no momento. Quanto ao meu amigo-irmão, seu mal, após determinada etapa, é inexorável. O homem envia drones a Marte, perscruta ínfima parte do universo, aperfeiçoa tecnologias de maneira vertiginosa e não descobre vacinas contra o câncer. Os séculos passam e o interior do corpo humano continua a ter lá os seus mistérios. Estranho, muito estranho.

I appreciate the numerous messages on a difficult subject. I have separated some of them which highlight positions of interest.