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A redescoberta de um longo relato

À pergunta para saber se sou feliz, otimista ou pessimista,
respondo que, com o meu conhecimento, sou pessimista,
mas pela minha vontade e inspiração, sou otimista.
Albert Schweitzer (1875-1965)

Carolina Ramos (1924-), professora, escritora, trovadora, poetisa, contista, musicista e artista plástica, esteve por duas vezes presente neste espaço através de dois livros: “Canta Sabiá” e “Feliz Natal”. Surpreende novamente ao publicar “Viagem à Itália – Peregrinação Ano Santo 1950” (Santos-Comunicar, 2024).

No acervo acumulado durante a existência, quantos não são os itens que permanecem ocultos durante décadas e que podem ser resgatados, tantas vezes por mero acaso? Foi justamente isso que ocorreu com Carolina Ramos ao reencontrar pormenorizado relato de uma peregrinação que realizou com um grupo no desiderato de vivenciar, como católica praticante, a atmosfera plena do Ano Santo no Vaticano em 1950. Na contracapa há a imagem das folhas amareladas, algumas semidestruídas, devido ao distanciamento de quase três quartos de século! No prólogo Carolina Ramos justifica: “Com grata surpresa, setenta e quatro anos depois, ou seja, no final de 2023, releio páginas perdidas, quase esquecidas e, agora, prazerosamente encontradas”.

Ter redescoberto, após tantas décadas, relatos escritos com o fim de documentar visitas a algumas cidades portuguesas e inúmeras cidades e vilas italianas, colocou à luz aquelas folhas, à maneira de um diário, e que, num hipotético futuro, poderiam ser publicadas sob o título “Viagem à Itália”. Centenária, Carolina comenta: “E foi assim que me dispus a arregaçar as mangas, decidindo defender a árdua, mas extremamente agradável tentativa de recompor o que naquelas desordenadas páginas fora esboçado, facultando a mim mesma o prazer de bisar gratas emoções adormecidas ao longo do tempo e sem querer tirar os pés de casa”. A autora revisou aqueles textos sequenciais, tendo a colaboração preciosa de Cida Micossi.

Preliminarmente, “Viagem à Itália” não é uma obra de erudição e nem seria esse o objetivo. Assim não sendo, pois desprovida do “jargão” acadêmico, Carolina Ramos desfila a apreciação, a pormenorizar a transcrição de tudo o que observa e que lhe provoca emoção ou espanto. A peregrinação de cunho religioso, mas a propiciar o olhar da jovem turista atenta à geografia e à arte, possibilita ao presente leitor dessas folhas “esquecidas” no tempo degustar apreciações de temas voltados às ramificações da cultura humanística, seja na arquitetura, ou na estatuária e na pintura, seja na interpretação da natureza durante o itinerário percorrido. Extasia-se. É Carolina que, por vezes, interfere no texto original, a argumentar finalidades: “O que vai descrito foi captado, face a face, por olhos ávidos e comprovado pela emoção que trouxe de volta. Tentar inflar com pesquisas o que está além do que foi visto seria fugir à finalidade destas notas, por tantos anos perdidas e encontradas, quase que miraculosamente, setenta e tantos anos depois, como convém relembrar. Assim, o que aqui vai nada mais é do que a cópia fiel do que foi captado naqueles dias de deliciosa euforia. Muita coisa já foi esquecida e em parte reativada pelas fiéis anotações daquela jovem peregrina que, se muito viu, bem mais gostaria de ter visto naquele longínquo e abençoado Ano Santo de 1950”.

Torna-se evidente que as incontáveis interpretações que Carolina apresenta daquilo que viu e sentiu têm a naturalidade do deslumbramento pessoal. Das inúmeras observações sobre as cidades italianas visitadas, Florença pontifica, máxime suas famosas galerias, a do Pallazzo Pitti e a do Palazzo degli Uffizzi, que são pormenorizadas em suas coleções de telas realizadas por grandes mestres, comentadas não com a verve tão comum do especialista, mas com a emoção de uma moça sensível que se emociona frente à magnificência da obra de arte, algo raro na juventude atual. Nessa apreciação da peregrina encantada pela arte, mencionaria um pequeno segmento sobre a Galeria degli Uffizzi: “A exemplo do que acontecia na Galeria Pitti, repetiram-se as salas repletas de telas preciosas, onde a expressão de um momento perdura através dos séculos, imortalizada pelo pincel de insuperáveis mestres. A presença de Rafael continuava, sensivelmente viva. A cada passo nos deparávamos com frutos da sua fecunda vida artística, tais como S.Giovanni nel DesertoMadonna del Cordellino, obras dignas de tal talento. Também Tizziano ali estava, graças à admirável ‘Flora’ e dois nus artísticos – Venere del CagnolinoVenere detta dell’Amorino. Magnífica, a famosa Anunciação – obra de Da Vinci, dispensa maiores comentários – assim como O nascimento de Vênus, Madonna Magnificat e Primavera, de Sandro Boticelli, obras também resguardadas no Palazzo degli Uffizzi, entre outras preciosidades”.

Apreciações pertinentes de uma peregrina turista aos 26 anos, o detalhamento de cada obra de arte faz-me lembrar da antítese que presenciei em 1959 em uma das tantas visitas ao Musée du Louvre, quando dos meus estudos pianísticos em Paris. Estava pela primeira e única vez a olhar a célebre Mona Lisa (pintura a óleo sobre madeira, 77cm x 53cm), certamente a obra mais conhecida de Da Vinci, quando ouvi barulho rápido de passos que se agigantava. Eram turistas japoneses. Àquela época ainda era possível o flash. Diante da pintura, dispararam incontáveis flashes e, imediatamente após, deram meia volta e desapareceram. As criações extraordinárias ao longo do extenso corredor sequer tiveram um mísero olhar. Não é essa a mentalidade da grande maioria dos turistas de todos os rincões?

“Viagem à Itália no Ano Santo de 1950” é livro a ser degustado por inteiro. A finalidade essencial, o jubileu do Ano Santo e as comemorações no Vaticano, Carolina Ramos, jovem de fé intensa, degusta cada instante e descreve o impacto vivido: “Afinal, chegamos à Basílica, ansiosos e transpirando por todos os poros. Dali para frente, entretanto, acabaram-se as torturas físicas. Não que deixassem de existir, mas porque foram esquecidas, ignoradas, sobrepujadas por um interesse maior, absolutamente monopolizador e que não dava margem a dispersões. Acomodados num alto patamar, tínhamos ampla visão do templo, embora situados por detrás do palanque papal… Lá embaixo, derramada pelas diversas naves, fervilhava multidão incalculável de fiéis de todas as raças, vindos de todos os lados, numa emocionante comunhão de preces e anseios”.

Se um ou outro parágrafo traz algo depreciativo, isso não se dá com o que Carolina Ramos estava a viver através do olhar ávido da descoberta. Salta, o “ex-transporte de tropas americano que levou o grupo à Europa, ora adaptado à marinha mercante argentina”, teve inúmeros problemas mais ou menos graves durante quase todo o trajeto. Em terra, mínimos dissabores que serviram de lição para o grupo, particularmente para a “escriba”. Quanto à experiência como um todo captada no delicioso “diário”, maravilhamento para Carolina e agradabilíssimos momentos para o leitor ao “participar” daquela excursão tão marcante.

Carolina Ramos (1924-), a writer and poet, has once again given us an extensive account, recently rediscovered, of a pilgrimage to the Vatican on the occasion of the Holy Year of 1950..

 

A passagem natural direcionada à renovação

Qual é esta sensação nova?
Que nasce em nós?
Que misteriosamente
Em nós desperta?
Alexander Scriabine (1872-1915)
(“L’Acte Préalable”)

Foram muitas as mensagens salientando com ênfase e simpatia a minha continuação na atividade pianística em solo europeu, continente dezenas de vezes visitado para recitais e outras vertentes musicais. Agradeço a todos pelos gestos de solidariedade. Não obstante, esse término europeu foi longamente gestado durante a pandemia. Estou a me lembrar de ter lido em sites e periódicos que muitos artistas de teatro já idosos encerraram naquele triste período as suas atuações frente ao público. Várias vezes neste espaço teci comentários sobre a dádiva da ação artística, pois, diferentemente dos esportes que sinalizam já na terceira ou quarta década o caminho final, nós que trabalhamos com a arte não temos cronologia determinada. Há variações, mas prioritariamente depois de se adentrar largamente a terceira idade.

A preponderar sobre todas as possibilidades, vem o sentimento de gratidão a todos os amigos, mormente em Portugal, Bélgica e França, que jamais deixaram de me apoiar em projetos por vezes não desbravados. Interpretar o extraordinário repertório do passado, verdadeiro culto ao sagrado, é venturoso, mas pode dar ao intérprete a sensação da perene reprise. Tantos não têm consciência dessa situação, pois, ao adentrarem o circuito de concertos com exigências específicas, obliteram reflexões. A grande pianista Marta Argerich, que forjou sua carreira no repertório tradicional, teceria comentário fulcral a respeito da atividade de concertista consagrada: “O prazer é raro. No palco, encontramo-nos diferentemente do que em casa, não realizamos os mesmos gestos com as mãos frias, os joelhos tremem, a coriza se instala. A interpretação se modifica. Após, o peso dos olhares sobre você… O efeito do ouvinte sobre você… e que julga. Não suporto ser prisioneira de uma programação, eu que hesito… Hoje, quando a admiram, fixam a sua agenda para daqui a três anos. De pensar, tenho pesadelos” (1997, apud, Jean-François Arcier, ‘Le Trac – stratégies pour le maîtriser’, 2004). Sviatoslav Richter, na sua monumentalidade interpretativa, não chegaria no final da existência a dizer que, num balanço geral, não estava feliz com o todo da carreira? Guardando as devidas proporções desses mestres, apesar do prazer em tocar obras pertencentes ao grande repertório que estudei com afeto, foi principalmente nas redescobertas de tesouros ocultos, no estudo do repertório pouco frequentado e nas interpretações de segmento da música contemporânea que eu mais me identifiquei. De Johan Kuhnau (1660-1722) a François Servenière (1961-), Eurico Carrapatoso (1962-) e Maury Buchala (1967-), os três últimos entre os mais recentes, encontrei o caminho a ser percorrido, fosse ele pouco trilhado ou inédito. Logicamente houve o tributo a saldar, pois jamais tive empresário, essencialmente por motivos repertoriais. A agenda se tornou forçosamente escassa, fator que me possibilitou a liberdade de desvendar um universo de criações quase jamais visitadas ou brotadas nestas últimas décadas de mentes privilegiadas. Estou a me lembrar do notável compositor e ensaísta cubano-norte americano Aurelio de la Vega (1925-2022) que me honrou com bela composição “Homenaje” (1987), por ocasião do centenário de Villa-Lobos. Gravei-a em Sófia na Bulgária para o CD “Music of Tribute”, juntamente com obras do nosso grande compositor e de outros que prestaram homenagem a ele. Foi lançado pelo selo Labor nos Estados Unidos. Posteriormente, Aurelio enviou-me várias mensagens, sempre que “Homenaje” era interpretada pelo planeta por vários pianistas. Nos programas vinha a menção do meu nome como dedicatário. Escrevi-lhe para agradecer e lhe indagar o porquê da permanente menção nessa obra realmente singular. Respondeu-me que jamais a teria escrito se não tivesse sido provocado. Ao longo das décadas provoquei, chegando às minhas mãos cerca de 150 músicas, a maioria apresentada em público, compostas por muitos compositores relevantes do mundo. Como dizia sempre meu padrinho de crisma, que oficiou em 1963 meu casamento com Regina: sentir o “santo orgulho”.

O ato voluntário de não mais retornar à Europa e já salientado neste espaço não poucas vezes poderá trazer saudosismo, mas não sentimento de tristeza. O momento chegou, como também chegaria em 2019 ao gravar meu último CD na Bélgica.

O cotidiano se apresenta mais difícil para o idoso. Uma funcionária de uma Companhia aérea, ao passar por mim nessa derradeira viagem ao Exterior, apesar de me sentir bem, perguntou se eu necessitava de uma cadeira de rodas. Declinei a sorrir. A impressão que me ficou dos aeroportos atuais é a mesma que senti ao ver em Barretos, uns bons quarenta anos atrás, após recital e visita a um frigorífico não mais existente que patrocinou o evento, o gado subindo uma ladeira e sendo empurrado. Superlotados, aqui e alhures, os aeroportos internacionais europeus, contudo, são fonte para a observação das raças, vestuários e costumes de viajantes de todas as procedências. Esse, acredito, é possivelmente o único prazer que proporciona ao observador nato. O dom da observação foi levado ao extremo da excelência através do olhar agudo de Dostoiewsky ou de Debussy, aquele atento às reações humanas, este extasiado frente às oscilações da natureza, do vento tenebroso ao oscilar das folhas que fenecem.

Gand, na Bélgica flamenga, Paris e inúmeras cidades portuguesas estarão indelevelmente presentes através da memória, mormente quatro: Lisboa; Coimbra, berço de Carlos Seixas (1704-1742); Tomar que viu nascer Fernando Lopes-Graça (1906-1994) e Évora. Nesses três países vivi os melhores momentos de minha vida musical, tendo o privilégio de manter amizades perenes. Se os aprofundamentos, alicerces para os resultados, deram-se em São Paulo, mercê de essencialidades, formação com o nome maior do ensino voltado ao piano no Brasil, o russo José Kliass (1895-1970), e bem posteriormente estudos pianísticos e teóricos em Paris, foi principalmente na Bélgica, que tive o privilégio de realizar cerca de duas dezenas de recitais solo e camerísticos, assim como gravações divulgadas em CDs. Profético, meu dileto amigo-irmão gantois, André Posman, Diretor do selo belga De Rode Pomp,  já dizia em 1998: “é necessário deixar a sua herança musical”. Dos 25 CDs gravados no Exterior, a maioria se deu na mágica capela Saint-Hilarius (século XI), não distante de Gand, com  o magistral Johan Kennivé como engenheiro de som. Pouco mais de 100 peças estão presentemente no Youtube.

Vários leitores me perguntaram qual a sala que mais me causou impacto no longo caminho. Respondi-lhe que foi a Biblioteca Joanina em Coimbra, uma preciosidade do século XVIII, situada no Paço das Escolas da Universidade de Coimbra. Ao longo dos anos, inúmeras vezes, tive o privilégio de apresentar recitais naquele espaço único.

 

Clique para ouvir, de Carlo Seixas, Sonata nº 68 in A minor, na interpretação de J.E.M.:

(315) Carlos Seixas – Sonata nº 68 in A minor – José Eduardo Martins – piano – YouTube

Como assinalado em blogs anteriores, encerro definitivamente a atividade pianística pública em Santos, na Pinacoteca Benedito Calixto (24/08/2023), um dos espaços que elegi ao longo das décadas, mormente pela presença do meu  saudoso e diletíssimo amigo, o imenso compositor Gilberto Mendes (1922-2016), sempre presente com sua esposa Eliane aos meus recitais na bela cidade praiana. A pedido do meu estimado amigo santista Flávio Amoreira, escritor, poeta e crítico literário do maior quilate, devo inserir não apenas obras de Gilberto Mendes, mas igualmente criações de outro santista, o também saudoso Almeida Prado (1943-2012), que estaria a completar neste ano o seu 80º aniversário. Debussy e Liszt completarão o programa.

Há ainda tantas obras que gostaria de apresentar. O repertório pianístico é oceânico e quantidade imensa de composições do passado estão ainda submersas! Haverá tempo de estudar algumas e apresentá-las na intimidade para as poucas amizades que me enriquecem o cotidiano. O blog seguirá seu curso e dois livros começam a ferver em minha mente. Quiçá os escreva, se o Tempo me for concedido.

Some reflections on the end of my performances in Europe, in Belgium and Portugal. I will continue to play in private, just for my family and a closed circle for friends.

Encerra-se a breve e derradeira turnê

O que impede de saber não são
nem o tempo nem a inteligência,
mas somente a falta de curiosidade.
Agostinho da Silva
(”Pensamento em Farmácia da Província”)

Após os recitais em Gand e Lisboa, que marcaram o encerramento da minha atividade pianística na Europa, dei duas palestras, em Évora e Coimbra.

Desde o início do século apresento-me no Eborae Musica, prestigiada Escola de Música de Évora, sempre tão bem conduzida pela Professora Helena Zuber. Convidou-me para uma palestra com exemplos musicais para um público preferencialmente constituído por jovens estudantes de música do estabelecimento. Sempre que estive em Évora, os recitais se deram no Convento dos Remédios, na bela Igreja Nª Senhora dos Remédios, joia da arte barroca, hoje não mais destinada ao culto religioso.

Estou a me lembrar de um enigmático conceito do jornalista e historiador Joaquim Palminha Silva (1945-2015), que tive o prazer de conhecer na bela cidade, exposto em seu instigante livro “Évora cidade esotérica e misteriosa” (Europress, 2005): “…a cidade de Évora hipnotiza ainda hoje de forma intensa todos e cada um, graças à existência duma velada força magnética, espiritual, praticamente indecifrável”.

O propósito da palestra era claro, transmitir à juventude princípios que norteiam uma existência voltada à Música. Fi-lo, a compreender as intenções da Profª Helena Zuber. Enumerei alguns pontos que acredito basilares: disciplina; concentração; compromisso efetivo; dedicação; respeito às intenções dos ilustres compositores; desviar-se das concessões que deturpam desideratos precisos; distanciar-se dos holofotes, tantas vezes o canto das sereias; ater-se a dois fundamentos fulcrais, amor à Música e ser curioso. Creio que uma frase do grande músico francês Pierre Boulez (1922-2016) traduz o alcance conceitual do músico: “É necessário ter, diante da obra que escutamos, interpretamos e compomos, um respeito profundo como diante da existência, como uma questão de vida ou de morte”. Ao longo das décadas, mais e mais me convenço de que a Música requer determinados sacrifícios, diferentes certamente de tantas outras atividades. O intérprete, no caso, não pode prescindir do estudo do instrumento escolhido, num labor diário que o faz crescer. Esse “sacrifício” não se concretiza como tal não fosse o amor pela Música. A cada conquista do instrumentista há um prazer indizível, próprio dessa mágica dedicação.

Após a palestra interpretei algumas peças de compositores portugueses e também uma transcrição extraordinária, o “Prelúdio e Fuga em lá menor” de Bach-Liszt que, gravado pelo técnico Gavela, da equipe do Eborae Musica, brevemente estará no Youtube. Vários alunos vieram ter comigo após o evento, a fim de questionar-me sobre temas voltados à nossa área de atuação.

Esteve presente no Eborae Musica o compositor e professor João Francisco Nascimento. Uma alegria. Dele interpretei, já no longínquo 2012, um instigante e precioso Estudo que muito me agrada: “Fúria, Volutas e Saraivadas”. Seu colega, o ilustre Eurico Carrapatoso, recomendou-me essa peça, que tive imenso prazer em interpretar.

Clique para ouvir, de João Francisco Nascimento, Estudo “Fúria, Volutas e Saraivadas”, gravado na Igreja Nª Senhora dos Remédios, em Évora, na interpretação de J.E.M.

https://www.youtube.com/watch?v=AWyITgFlKZI

Como nas tantas outras oportunidades, fomos conduzidos até Évora pela dileta amiga, gregorianista impecável e regente coral, Professora Idalete Giga.

Coimbra. Estou a me recordar das viagens que fiz de comboio nas décadas de 1980-1990, a sair de Lisboa para o Norte de Portugal a fim de recitais programados. Habitualmente há rápida parada em Coimbra, antecedida pelo lento deslizar do comboio ao atravessar o rio Mondego, momentos para o vislumbre da torre da Universidade fundada em 1290. Foi em 2004 o convite do Professor Catedrático João Gouveia Monteiro, notável medievalista, e do saudoso Professor Doutor José Maria Pedrosa Cardoso, musicólogo ilustre, para recital de piano e palestra no Colóquio “Carlos Seixas de Coimbra”, a festejar o tricentenário de nascimento do grande músico conimbricense. Apresentei-me num recital inteiramente dedicado ao compositor na magnífica Biblioteca Joanina. Ao longo dos anos, cerca de uma dezena de vezes lá me exibi com repertórios vários, mas sempre a inserir no programa criações de Seixas e de outros autores portugueses. Certamente o mais belo cenário que vivenciei durante a minha atuação como pianista.

Clique para ouvir, de Carlos Seixas, Sonata nº 50, na interpretação de J.E.M.

https://www.youtube.com/watch?v=uIUhQc_giNs

O convite do Professor Gouveia Monteiro para a apresentação do meu segundo livro publicado pela Imprensa da Universidade de Coimbra resultou na palestra de apresentação que proferi na belíssima sala nobre da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, não sem antes as intervenções da atual Diretora da BGUC, Professora Carlota Simões, e do Prof. Gouveia Monteiro, que fez a leitura de substancioso texto de sua lavra, a historiar a importância da Música dos tempos de Confúcio (m. 479 a. C) à Grécia Antiga, Roma, Idade Média, levando-nos até a contemporaneidade. Guardarei no coração as palavras do Profº Gouveia Monteiro ao se referir a este músico. Na minha fala, salientei o meu apreço incondicional à Cultura Portuguesa. O segundo livro, ora publicado pela Imprensa da Universidade de Coimbra, IUC, “Impressões sobre a Música Portuguesa” e outros temas (II), apresenta 63 textos extraídos do meu blog, a grande maioria direcionada à Música Portuguesa, mas a abarcar olhares lançados a outras áreas da Cultura  de Portugal: literatura, poesia, aventura e personalidades.

Docentes relevantes da Universidade estiveram presentes. Entre eles: “Prof. Alexandre Dias Pereira, ex-Diretor da Imprensa da Universidade de Coimbra, a sua Diretora-Adjunta, Dra. Maria João Paez, e integrantes da IUC, entre os quais a Dra. Maria de Lurdes Leston. Presente também à sessão, o Prof. Manuel Portela, atual Diretor das Bibliotecas da Universidade e que fez a primeira saudação no evento. Após a palestra, a convite do Prof. Gouveia Monteiro e da esposa Leonor, minha filha Maria Beatriz e eu vivemos momentos inefáveis na morada do casal.


De regresso a Lisboa, convidado pelo competente escritor e jornalista Joaquim Vieira, assisti em sua morada ao documentário que brevemente será lançado sobre o grande compositor Fernando Lopes-Graça. Joaquim Vieira colheu material precioso através de entrevistas com músicos relevantes que cultuam a obra do mestre nascido em Tomar. Honra-me ter participado do documentário com breves comentários.

Ao alçar voo em direção ao Brasil, Maria Beatriz tirou bela foto. Encerra-se o ciclo que me levou mais de cinquenta vezes a Portugal. Há décadas me manifesto a dizer que jamais diferenciei meu afeto entre os dois países. Se a influência paterna foi decisiva desde a infância, a consolidação se deu através do convívio privilegiado que mantive em terras lusíadas com figuras que permanecerão no meu de profundis. Tenho certa idiossincrasia pela inteligência artificial, mercê de avanços que se processam com velocidade a não dar tempo para a assimilação, mormente nos meus 85 anos. Contudo, o WhatsApp permite a perenização dos afetos através dos contatos imediatos.

Haverá mais um recital, que se dará em Santos, na Pinacoteca Benedito Calixto no dia 24 de Agosto. Escolhi a cidade praiana para a derradeira apresentação pública. A fidelidade de uma amizade em torno da música é a responsável. O insigne compositor da segunda metade do século XX, saudoso amigo Gilberto Mendes (1922-2016), nasceu em Santos e foram várias as apresentações no Museu, sempre com a presença de Gilberto Mendes e a esposa Eliane.

My musical activity in Europe comes to an end. Lectures were given in Évora and Coimbra, the city that launched my second book, “Impressões sobre a Música Portuguesa e outros temas” (Impressions on Portuguese Music and other subjects). I will continue to play, but privately for a small circle of friends. Research will continue and two books are in mind. The 70 years of public performances, usually in small rooms (my preference), with a repertoire that preferably includes rediscovered or contemporary works of value, have been a gift in my already long existence.