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Paris: Foto Albert Monier - Postal da pianista Maria-Therèze Fourneau a J.E.M. (1967)

O regresso a Paris traz-me sempre nostalgia e uma inicial surda alegria. Conheço-a desde 1958 e tantas etapas importantes de minha vida tiveram a cidade como epicentro. Estudos pianísticos e meus aprofundamentos em autores como Jean-Philippe Rameau e Claude Debussy foram os motivos fulcrais para os deslocamentos. Em outros textos futuros penso alongar-me sobre esses compartimentos relativos aos objetos de estudo.
Pairando acima de todas as situações, permanecem inalteráveis determinadas amizades, que me acompanham desde o início. Amizades quase cinqüentenárias, absolutamente enraizadas. Aprendi a conhecer Paris através dos olhares de amigos que me ensinaram o descortino. Hoje, ao regressar, muito mais do que apreciar o belo dessa cidade única, busco encontrar os olhares que me ensinaram a olhar. Neles eu reencontro a fidelidade e o afeto sincero que, tal como o bom vinho, amadureceram bem. Esses olhares indicaram-me categorias históricas da literatura francesa. Foi através deles que descobri Ingmar Bergman, Buñuel e a Nouvelle Vague. Com os amigos freqüentava igualmente quase todas as exposições de destaque e a discussão sobre tendências era inevitável. Em pequenos grupos, íamos também a bons concertos, à escuta de toda uma geração de intérpretes pertencente à Idade de Ouro. Ouvir e aprender.
Alguns já se foram. Contudo, reencontrar os velhos amigos é sempre uma felicidade. O recital agendado será motivo a mais para o congraçamento. Músicos, ou voltados a outras áreas do pensar, essas amizades profundas apenas dimensionam o estreitamento das distâncias, que na realidade desaparecem por completo após o reencontro e a simples troca inalterada de olhares.

    Eupetomena Macroura

O trovejar fazia-se longínquo. A aproximação foi rápida. Subi as escadas, a fim de fechar as janelas. Quase de imediato desabou o aguaceiro, acompanhado de relâmpagos e trovoadas assustadoras. Abaixo da janela de meu quarto, uma velha pérgula sustenta uma antiga primavera, que floresce em vermelho. O vento, em rajadas violentas, propiciava uma dança dos frágeis galhos. Sobre o mais débil, um beija-flor, de uma das dezenas de espécies ainda existentes no país, possivelmente um “tesoura”, ou eupetomena macroura, sustentava-se com grande desenvoltura. A chuva torrencial apenas era motivo para a abertura ampla das asas e da cauda bifurcada. O minúsculo pássaro erguia a cabeça em direção às águas que despencavam, ritualizava os movimentos, compartilhava essa relação de maneira integral.
Tive a convicção de que ele estava em comunhão total com a natureza. Podia-se pensar numa alegria contagiante. Passaram-se dez minutos. O aguaceiro resultou em chuva amena e o colibri, em tonalidades escuras de verde e azul, sacudiu as gotas e voou.
Fiquei à janela por mais alguns minutos, a pensar na quantidade absurda de árvores diariamente abatidas, levando em sua queda mortal tantos ninhos de pássaros, tantos mamíferos, tantas outras vidas. Neste país endemicamente descompromissado com a natureza, assistir a uma ode à vida ainda é uma tênue esperança.