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Respostas às Sábias Perguntas

Y aura-t-il  la nécessité à terme, dans la “guerre” psycologique artificielle
installée entre les différents courants et langages de la musique actuelle,
d’imposer un moratoire  pour que ne surgissent pas des incompéhensions définitives
qui pourraient nuire à l’essence de la musique
dont la base devrait être communion et harmonie ?
François Servenière (uma das perguntas destinadas à Témoignages)

Dans des textes précedents, vous avez fait preuve de méfiance
vis-à-vis de certains congrés et des actes de ceux-ci,
comme par rapport à d’autres publications universitaires.
Est-ce que vous maintenez cette position assez polémique ?
J.F. Bannwart (uma das questões propostas)

Após a participação em duas bancas de doutorado na Université Paris-Sorbonne em Janeiro-Fevereiro de 2011, a ilustre professora Danièle Pistone chama-me à sua sala e convida-me para ser um dos personagens da série “Témoignages”, uma das publicações do atuante Observatoire Musical Français, do qual ela é diretora. Senti-me honrado, mormente pelo fato de que três respeitadas figuras me precederam: Maria Paz Santibañez (2008), Jean-Louis Orengia (2008), Serge Nigg (2010). Sobre este último, notável compositor e pensador francês, escrevi um post (vide Serge Nigg – Captar o Passado, Apreender o Presente, Presentir o Futuro, 04/03/2011). O presente livro, José Eduardo Martins – un pianiste brésilien (Entretiens avec José Francisco Bannwart & François Servenière, 122 p.), publicado pelo OMF sob a égide da Université Paris-Sorbonne, teria gestação de mais de um ano.

Madame Danièle Pistone deu-me a liberdade da escolha de um ou dois entrevistadores. José Francisco Bannwart, doutor en musicologia pela Sorbonne, e François Servenière, compositor e pensador francês, foram os preferenciados. O primeiro, pelo longo convívio desde os tempos da Universidade de São Paulo, quando foi meu aluno em curso de extensão, tendo realizado posteriormente brilhante mestrado sob minha orientação. Integrei o júri que avaliou sua consistente tese de doutorado, defendida junto à Université Paris Sorbonne. Morou em Paris durante oito anos, ficando responsável não apenas pela formatação de Témoignages 4, como formulando e colhendo perguntas pertinentes de músicos franceses. Mantenho com François Servenière, compositor e pensador francês, uma assídua correspondência, principalmente depois do início de 2011. São mais de 700 páginas em que discutimos música, artes, literatura, política… Tendo escrito substancioso texto sobre todos os meus 22 CDs gravados no Exterior, competiria a ele formular segmento de perguntas objetivas, intrigantes e substantivas. Coube ao grande amigo parisiense, Antoine Robert, a tarefa da revisão de meu texto em francês.

Témoignages nº 4 está dividido em três partes precisas. Nas extremas, Bannwart busca entender primeiramente os primórdios de minha formação, meus estudos em França com mestres insofismáveis, como Marguerite Long, Jean Doyen e Louis Saguer.  Brevemente abordo metodologias por eles empregadas, o meio musical e a crítica em França, a cultura geral que veio acoplada ao meu aprendizado, assim como as reflexões que surgiram após meu regresso ao Brasil, em que nítida defasagem no plano da cultura musical se faz ainda sentir, e a adaptação necessária, sem perder contato com o que se passava na Europa, tornou-se imperativa. Na terceira parte, Bannwart questiona e colhe impressões de músicos para formular perguntas referentes à Universidade hoje. Sou bem cético quanto aos rumos atuais da Academia e busco nessa parte sintetizar o que penso. Na universidade como um todo, e na área musical em particular, os problemas que se sedimentam e a presença da endogenia, que tantos malefícios traz à evolução do pensar criativo no campo teórico-prático; a burocracia soberana intramuros, o excesso de reuniões e relatórios preponderantemente infrutíferos; vocação x carreirismo; a pós-graduação e o simulacro representado por quantidade de teses aprovadas sem qualquer valor, mas que servem unicamente à ascensão de um mestre ou um doutor; o abandono de um tema por parte de tantos tão logo dissertação ou tese findas, o que traz um enorme prejuízo ao país que subsidiou tantas delas; a tragédia das publicações que não se debruçam mais acentuadamente sobre as contribuições internacionais relevantes.   

François Servenière criou as questões para a parte central de Témoignages nº 4. Poderia salientar que o notável músico francês estabeleceria uma ampla abertura para o debate. Suas perguntas, por vezes extensas e desdobradas,  possibilitaram a atenção sobre temas fundamentais, que compreendem a criação escrita para o cravo barroco interpretada ao piano; a interpretação da música francesa, mormente Rameau, Debussy e Fauré; a música contemporânea e seus problemas, quiçá impasses; a ininteligibilidade voluntária de certas tendências composicionais;  o desconhecimento do piano por parte de muitos autores hodiernos, que “insistem” apesar de escritas canhestras; aspectos a envolver a estética; o acaso; gravação e interpretação ao vivo e suas confluências; repertório pequeno maximizado em detrimento de um imenso tesouro voltado ao esquecimento;  a imperiosa necessidade do músico ter cultura ampla. São esses alguns dos temas tratados no segmento.

Em torno de Témoignages o calendário ultrapassou um ano. Responder a mais de 50 perguntas argutas, inteligentes e formuladas por experts  mostrou-se tarefa das mais complexas, mormente ante a diversidade do questionamento, a propiciar minha descentralização de focos concentrados. Polivalentes, multidirecionadas, abrangendo aspectos fulcrais ligados à música, as indagações de Servenière e de Bannwart (recolhidas de outros especialistas e suas também) estimulariam o entrevistado a confrontar-se unicamente com a essência temática relevante. Contudo, décadas acumuladas num caminho musical voluntário, o atual distanciamento das lides universitárias, graças à aposentadoria, fizeram-me apreender as questões como maneira de externar o meu de profundis.

A fim de comemorar a honrosa publicação, darei recital de piano em Paris no dia 28 de Janeiro, na série “Concert dans l’Atelier”. Coerente com o meu pensamento exposto em tantas respostas de Témoignages e ao longo dos posts, escolhi programa a privilegiar dois ilustres compositores que foram amigos e sofreram mútua influência: Francisco de Lacerda (1869-1934) e Claude Debussy (1862-1918), assim como três peças de François Servenière dedicadas ao compositor português nascido nos Açores.

O livro Témoignages nº 4, José Eduardo Martins, un pianiste brésilien (Entretiens avec José Francisco Bannwart et François Servenière), publicado pelo Observatoire Musical Français sob a égide da Université Paris-Sorbonne, está a ser lançado. Esse livro ficará disponível ao preço de E$ 8 sob pedido encaminhado ao seguinte endereço: Observatoire Musical Français, Université Paris-Sorbonne, 1 rue Victor Cousin 75005 Paris, ou par émail à omf@noos.fr .

Next week Sorbonne University will release my book – the 4th of the “Témoignages” series – in which I address a variety of issues related to the musical career: my early studies in Paris and the problems faced upon my return to Brazil; bureaucracy and rampant careerism at the universities; musical societies and their aversion to risks; piano performances of the Baroque repertoire; the interpretation of French composers, in special Rameau and Debussy; contemporary trends in modern classical music. Most of the questions have been posed by the French composer and intellectual François Servenière and José Francisco Bannwart, PhD in Musicology from the Sorbonne. On the occasion, I will give a recital with works by Debussy, Francisco de Lacerda and François Servenière.

Missivas Cativantes de Musicista Norte-Americana

Posso afirmar que este livro é um bom livro,
tão bom como Charles Auchester, meu romance preferido,
e espero que ele fará compreender aos jovens que,
para se chegar ao conhecimento pleno de qualquer arte,
há a necessidade de muitos anos de estudo, de esforços e de disciplina.
O poeta H.W. Longfellow (1807-1882) ao editor das cartas,
após ter ouvido a leitura do manuscrito.

A literatura sobre música escrita durante o vasto período romântico tem características específicas. As biografias salientam a presença do herói, os escritos sobre a história apresentam períodos idealizados e as brisas românticas parecem circular em espaços etéreos. Compositores que deixaram larga produção epistolar debruçam-se sobre afetos os mais variados, mudanças de humor, nostalgia e dor. A troca de cartas entre memorialistas natos bem evidencia um universo muito distante de nossa atualidade.

Durante minha formação em Paris, na transição dos anos 1950-1960, um de meus prazeres era buscar nos bouquinistes livros que me pudessem entreter nos momentos de descontração. Obras epistolares me interessavam muito e lembro-me da  leitura das cartas de um mestre da língua francesa, Gustave Flaubert (1821-1880), ao seu colega russo, o poeta e escritor Ivan Turgueniev (1818-1883); a riquíssima troca de correspondências entre Wagner e Liszt, entre tantas outras obras do gênero. Aprende-se muito com essas confissões que se metamorfoseiam ao passar para personagens criados, literária e musicalmente. Em uma das investidas, encontrei o livro Music Study in Germany, na tradução francesa de Mme B. Sourdillon do original em inglês, sob o título Lettres d’une Musicienne Américaine (Paris, Dujarric, 1907, 299 pgs.). Interessou-me, li alguns trechos, mas em plena época de estudos pianísticos que chegavam, por vezes, a dez horas diárias, posterguei a leitura para… mais tarde. Chamou-me a atenção àquela época o precioso prefácio do ilustre compositor francês Vincent d’Indy (1851-1931) que, estando na Alemanha para estudos, conhece fortuitamente Amy Fay. Tantas outras literaturas percorridas durante décadas e o livro de Amy Fay acabaria em uma estante, bem ao alto. Há poucos meses, buscando outra obra a fim de fundamentar um texto, encontrei ao fundo de prateleira as cartas de Amy Fay à sua irmã Harriet Melusina Fay (Zina), primeira mulher do ilustre Charles S. Peirce (1839-1914), lógico, filósofo, matemático e também conhecido como o “pai do pragmatismo”.

Se a trajetória de Amy Fay, após a permanência durante  anos na Alemanha a partir de 1869, a fim de estudar piano, seria muito profícua não apenas para a didática pianística, mas através de incontáveis passos empreendidos no desiderato de fazer ver à sociedade o relevante papel que a mulher teria de desempenhar, considere-se que a força dessa valorosa musicista teria vindo desses anos a trabalhar seu instrumento com alguns dos maiores mestres do período.

O livro é simplesmente delicioso e traz a cada página traços marcantes das personalidades das figuras ilustres e de estudantes seus colegas, da vida musical em Berlin e Weimar, dos concertos e saraus, dos interiores das casas, dos passeios empreendidos, um deles com sua irmã e Charles Peirce. Diálogos mantidos com músicos relevantes dão a veracidade que pode ser comprovada através de estudos realizados, mormente a partir da segunda metade do século XX, por historiadores e musicólogos.

Foi uma privilegiada ao estudar com mestres como Carl Tausig (1841-1871), Theodor Kullak (1818-1882), Franz Liszt (1811-1886) e Ludwig Deppe (1828-1890). Ao visitar Friedrick Wieck (1785-1873), pai de Clara Schumann, comenta inclusive alguns aspectos ligados à sua didática. Debruça-se sobre cada professor e seus ensinamentos, distingue claramente métodos de ensino, características humanas no trato com alunos, interpretação de notáveis músicos como Joseph Joachim (1831-1907), Clara Schumann (1819-1896), Anton Rubinstein (1829-1894), Hans von Bülow (1830-1894), e capta na essência o perfil psicológico de um compositor que  admirava, mas de temperamento complexo, Richard Wagner (1813-1883).

O livro reúne parte considerável da correspondência à irmã, pois as mais íntimas não foram selecionadas por Zina. Não obstante, importa considerar que o panorama pianístico interpretativo e pedagógico, através da qualidade dos personagens, está nitidamente delineado.

Amy Fay, nesses anos germânicos, relata preferencialmente suas impressões musicais como estudante de piano, ouvinte e observadora da vida nas cidades em que esteve. É minuciosa ao  olhar para os interiores das casas, dos quartos, dos salões, pois nada lhe passa desapercebido. Sob aspecto outro, tem o gosto pela natureza e por vezes a descreve. Seria contudo no imenso conteúdo verossímil, e não tratado nos muitos compêndios biográficos ou da história da música, que a coletânea de cartas de Amy Fay adquire importância imensa, a apontar para as dezenas de edições nos Estados Unidos, assim como nas várias traduções feitas da obra.

Através do relato de Fay pode-se entender que pouco teria mudado em muitas das práticas didático-musicais. A denominada master class era algo habitual nos cursos oferecidos por Tausig, Kullak e Liszt, como exemplos. Reuniam alunos escolhidos, tutelados ou não, amigos e  visitantes.  Quanto ao repertório, as Sonatas de Beethoven, obras de Schumann, Chopin e Liszt eram as mais frequentadas. A missivista citou a irritação de Liszt quando uma aluna apresentou-lhe o Scherzo em si bemol menor de Chopin, pois, apesar da grande amizade e admiração que manteve com o compositor polonês, já estaria cansado de ouvir a conhecida obra. Em relação à mesmice repertorial, Amy Fay cita aquele que mais lhe transmitiu ensinamentos técnico-pianísticos, Ludwig Deppe, que também foi regente, diretor da Ópera Real e professor de piano da Imperatriz da Alemanha. Uma aluna apresentou ao maestro o Concerto para piano e orquestra nº 5 de Beethoven. Comenta a missivista “Ela havia preparado o grande concerto em mi bemol de Beethoven, que todos tocam aqui. Deppe sentiu, ao ouvi-la, o mesmo enfado e dificuldades que Liszt no que se refere ao scherzo em si bemol de Chopin. ‘Pobres regentes somos nós!’ diz ele, continuarão os artistas a nos trazer sempre o concerto em mi bemol de Beethoven? … Hoje todo mundo quer o grande repertório. A grande torrente rápida está na moda, mas quem pode simbolizar no seu toque o riacho e suas ondulações e as rugas graciosas nesse oscilar delicado! Ninguém mais destina sua interpretação a essas bonitas passagens”. Amy Fay ainda observa: “Contudo, o professr Deppe escutou pacientemente, pela milésima vez, o concerto em mi bemol que a jovem Steiniger apresentou”. O leitor poderá observar que a repetição repertorial, que reiteradamente tenho criticado, não é prática recente, mas tendência que se prolonga por bem mais de dois séculos!

Para um músico, sobretudo pianista, o conjunto epistolar de Amy Fay, escrito na Alemanha durante os anos de estudos, revela as tipicidades ainda existentes na transmissão professor aluno, quando em nível elevado. Tausig, jovem, impetuoso e pianista destacado, é apresentado com características pedagógicas a depender de provável “ciclotimia”. Kullak, autor de tantos métodos de piano, mormente os estudos de oitavas, surge como mestre capaz de solucionar os problemas do aluno através do exemplo em sala de aula. Liszt, generoso, atencioso, mas a atentar para as grandes linhas de uma obra, tem a aura do demiurgo. Seria contudo Deppe o professor que, sur le tard, propiciaria o trabalho técnico-pianístico laboratorial que se fazia necessário. Amy Fay teve não só de refazer desde exercícios e estudos que são a base do aprendizado de todo pianista, como, a partir de observação arguta, transmiti-los por escrito à sua irmã. Basicamente, a técnica dos cinco dedos apreendendo na abrangência escalas, arpejos, acordes, assim como a posição correta das mãos, articulação, relaxamento para a melhor execução e pedal representariam um regresso aos “princípios”, após ter trabalhado com mestres excelsos. Em nenhum instante se insurge contra o fato, apenas lamenta não ter iniciado o seu aperfeiçoamento na Alemanha pela orientação de Deppe. Considere-se que esses princípios fundamentais de Deppe são ainda muitíssimo válidos.

Se o livro é riquíssimo nessas observações que passam ao largo dos tratados de história ou das biografias, pois vivenciadas  por observadora sensível e atenta, não descartemos determinados tópicos de humor. Escreve Amy Fay na carta enviada à irmã da cidade de Weimar no dia 24 de Julho de 1873: “Segunda-feira tive um dos mais agradáveis tête à tête com Liszt, motivado pelo acaso. Tive a oportunidade de ir ao seu encontro e, coisa estranha, ele estava só, ocupado na escrita. Insistiu para que ficasse alguns instantes e tivemos uma conversa alegre e descontraída. Era a primeira vez que eu conseguia conversar realmente com Liszt. Ele estava bem espirituoso. Falamos da faculdade da mímica e ele contou-me uma anedota bem divertida sobre Chopin. Disse-me que, quando jovem, alguém revelara-lhe que Chopin tinha um dom de imitar personagens. Pediu, pois, que o amigo viesse à sua casa evidenciar essa habilidade. Certo dia Chopin o visita, coloca uma peruca loira e se veste com a indumentária de Liszt. ‘Eu era bem loiro nessa época, disse Liszt. Tendo um de meus amigos chegado,  Chopin foi ao seu encontro a imitar de maneira tão perfeita a minha voz que o visitante, acreditando dirigir-se a mim,  marcou um encontro para o dia seguinte. E eu estava no quarto. Não é extraordinário?’, completou”.

Quantas não foram as trocas de cartas entre estudantes fora de seus lares com familiares? Quantas obras não ficaram no ostracismo o mais abissal? Várias foram as confluências que levaram Music Study in Germany à grande difusão. Primeiramente, deve-se à irmã da autora, Harriet Melusina Fay, a edição, em 1880, da correspondência epistolar selecionada.  Outros fatores, como as qualidades de observação e redação de Amy Fay; os seis anos na Alemanha, um dos centros referencias para a música na Europa; conseguir ser aceita em classes de professores de primeiríssima linha e que permaneceram na história da música, como Liszt e Tausig na performance e Kullak e Deppe na didática; haver conhecido Wagner, Hans von Bülow, Joachim, Clara Schumann, Anton Rubinstein e tantos outros e deles traçar perfis acentuados; comentar recitais e concertos; narrar interiores das casas e a culinária típica; discernir costumes e o pulsar das cidades por onde passou; interpretar coleguismo e outros  pormenores vistos e assimilados fazem da obra em apreço, lida por mim na tradução francesa publicada em 1907, uma narrativa real. Seus personagens flutuam desde então na imensa bibliografia sobre música, sempre in progress. Verdadeiro deleite para o leitor. O livro pode ser encontrado através da internet nos sites especializados, pois continua a ser editado na língua inglesa. 

My comments on the book “Music Study in Germany”, written by the American pianist Amy Fay, in which – through letters written to her sister – she gives a vivid account of her music studies abroad from 1869 to 1875. The volume has had countless reissues and it can be explained by the fact that Amy Fay studied with la crème de la crème of those days: Franz Liszt, Theodor Kullak, Carl Tausig, Ludwig Deppe. She also went to concerts of celebrated musicians of the time, like Wagner, Anton Rubinstein, Clara Schumann. Observant, she offers little known details of her teachers’ methods and personalities, impressions of her concert-going experiences and of German customs and manners. A delightful detailed portrait of an era with an endless stream of luminaries, highly recommended for classical music enthusiasts.

 

René Desmaison e sua Incríveis Performances

Récompense suprême d’une incompréhensible passion.
René Desmaison

Não são poucos os posts sobre montanhismo. Reiteradas vezes tenho confessado meu fascínio sobre o tema, mormente quando escrito por competentes alpinistas que viveram experiências dramáticas, trágicas ou triunfantes. Creio que a vida em parte sedentária faz-me viajar no imaginário, desde a juventude, a paraísos impossíveis. Intrépidos aventureiros, “conquistadores do inútil”,  segundo Lionel Terray, têm narrativas não desprovidas da presença da morte à espreita, sempre, proporcionando ao leitor que aprecia essa literatura momentos de profundo interesse. Já desfilaram em posts anteriores Jan Krakauer, João Garcia, Waldemar Niclevics, Vitor Negrete, Sylvan Tesson e André Poussin (sob outra égide), Maurice Herzog, Jamling Tensing Norgay, Thomaz Brandolin, narrativas sobre Malory e Irvine e mais outras histórias. Mínima literatura, que está a se enriquecer paulatinamente.

Quase todos os temas dos livros percorridos buscam os  altos cumes do planeta, os denominados 14 acima dos 8.000m. O homem a buscar quase imperiosamente o desafio frente à morte, a preferenciar o pico mais elevado. Tanto é verdade que o Everest (8.848m) é incomensuravelmente mais procurado por alpinistas profissionais e amadores do que o K2 (8.611), a pouco menos de duas centenas de metros abaixo. Recordes como metas. Ilusões que se concretizam ou se desfazem, por vezes tragicamente. Todavia, é cada vez maior a vontade do risco empreendida por alpinistas de toda sorte. Há pouco escrevi sobre o excepcional alpinista português João Garcia, que conseguiu atingir os 14 cumes acima dos 8.000m. Enviou-me gentil carta, o que muito me honra.

Geralmente, os livros sobre grandes aventuras nas montanhas partem do projeto a ser realizado, dos preparativos, da empreitada, do êxito ou da desilusão. René Desmaison (1930-2007), em seu livro Les Forces de la Montagne (Paris, Hoëbeke, 2006, 381 pgs.), teve a feliz ideia de nos fazer conhecer as origens originárias de sua vocação absoluta pelas montanhas, a escolher majoritariamente os temíveis paredões. Sua infância já estaria marcada por determinadas rebeldias e atrações pelas pequenas alturas, peraltices inusitadas, desavenças em sala de aula, enfim, René foi um verdadeiro enfant terrible. A morte da mãe obrigou-o a seguir seu padrinho a Paris. Amizades da juventude levaram-no até os rochedos de Fontainebleau e a paixão pelas desafiadoras montanhas instalou-se. A performance de Desmaison ao longo de sua vida ativa como alpinista é notável. Cerca de 1.000 escaladas, sendo 114 como pioneiro! Alpes, Himalaia, Andes foram conquistados, mormente a infinidade de picos alpinos. Motivos vários o impediram em 1959 de chegar ao topo do  Jannu (7.710m na cordilheira himalaia), considerado de muita dificuldade, tendo alcançado 7.350m com seus colegas. Em 1962, uma segunda investida com sucesso ficaria gravada indelevelmente. Picos andinos do Peru foram escalados após ter-se notabilizado nas conquistas alpinas.

As narrativas de René Desmaison prendem a atenção do leitor. Curiosamente, não se concentrou nas altas montanhas do Himalaia, mas preferencialmente nos complicadíssimos paredões dos Alpes. Picos já conquistados, se não o fossem pelas vias mais complexas, encontrariam em Desmaison o aventureiro a tentar o acesso improvável, o paredão que está sujeito à quantidade de adversidades como queda de blocos de gelo, de pedras que tantas vezes têm levado cordadas inteiras precipício abaixo.

Nesse aspecto, impressiona o número de amigos e colegas que o autor nomeia que perderam a vida em trágicas ascensões. Enumera-os e cada morte para Desmaison é quase o apelo para que continue, ao menos in memoriam. Quando nas montanhas, “a morte pode acontecer no momento que ela desejar, naquele menos esperado”, como afirma. Em Les Forces de la Montagne são inúmeros os capítulos reservados às tragédias: Jean Couzy, La mort en face, Équipée tragique au pilier Central du Freney, Les naufragés des Drus, Ascension vers l’enfer. Vitórias e tragédias são narradas com a mesma precisão por Desmaison, que chega a pormenorizar todos os procedimentos das subidas. Jean Couzy (1923-1958) foi companheiro de várias cordadas e morreria em outra aventura alpina; muitos de seus amigos sucumbiriam numa avalanche no pilar central do Freney, no Mont Blanc; o salvamento de dois alemães no difícil paredão do Drus, quando outros haviam sucumbido, são relatos minuciosos. Neste episódio, Desmaison desobedece ordens superiores, parte para o salvamento e é desligado da Companhia da qual fazia parte.

Digno de registro, Ascension vers l’enfer, inserido no livro, já rendera anteriormente uma das mais lidas obras de Desmaison, 342 Heures dans les Grandes Jorasses. O autor não mais desejava retornar ao tema, mas, a conselho de seu editor Lionel Hoëbeke, regressa àquela que se tornaria a aventura que mais o marcou durante toda a existência como alpinista e após a “aposentadoria”. Tratava-se da abertura de uma via nordeste da “ponta” Walker, nas Grandes Jorasses. Na trágica escalada ao pico, iniciada aos 10 de Fevereiro de 1971, em um temível paredão de 1.200m, após dias de intensas adversidades climáticas, seu companheiro de cordada, o jovem Serge Gousseault (1947-1971), morre de exaustão,  a evidenciar indícios que se acentuavam, como lentidão quanto ao acesso, inchaço nas mãos, falta de víveres, inanição. Desmaison permaneceria “grudado” no paredão  ao lado de seu finado amigo durante dias, a pouco mais de 80 metros do pico de 4.208m. Apesar de sinalizar para os pilotos dos helicópteros que decolaram de Chamonix, alegou-se que ventava muito. Só após a decolagem de um Alouette III do heliporto de Grenoble, aos 25 de Fevereiro, houve a possibilidade do resgate. O piloto Alain Frébault e o mecânico Roland Pin apesar de desconhecerem o trajeto conseguiram pousar numa outra face do paredão, a 4.133m, resgatando o corpo de Gousseault e Desmaison em estado deplorável. Inúmeras controvérsias  formaram-se sobre o trágico acontecimento e estão, ainda hoje, a alimentar especulações. Dois anos mais tarde, René refaz com sucesso a ascensão invernal completa da face norte da ponta Walker, caminho doravante denominado voie Gousseault. Desta vez, a cordada era composta dos experientes Desmaison, Giorgio Bertone e Michel Claret, que morreria pouco tempo após numa escalada solitária.

René Desmaison teria de enfrentar várias polêmicas. No affaire Drus, consideraram que preparava material sobre o resgate dos dois alemães para ser vendido à revista Paris Match; no das Grandes  Jorasses, acusaram-no de ter levado consigo, numa cordada arriscada, um jovem não muito experiente e não ter observado melhor o deteriorar físico de Gousseault. Em outra oportunidade, ter escalado o Mont Blanc e lá instalado material publicitário filmado por helicóptero. Todos esses acontecimentos são suficientemente defendidos por Desmaison em La Force de la Montagne com diplomacia, diria. Contudo, no caso das Grandes Jorasses, a participação do primeiro alpinista a escalar um 8.000m (Annapurna), Maurice Herzog -  prefeito de Chamonix quando da tragédia em 1971 -, ao alegar publicamente que fortes ventos impediam o resgate,  foi amplamente questionada quanto às reais intenções dessas afirmações, o que favoreceria as atitudes de Desmaison. Frise-se uma reconhecida animosidade entre os dois, fato que alimentou o affaire. Entre os muitos links que podem ser acessados pelo leitor, recomendaria um bem incisivo a respeito da triste cordada:

http://ghirardini.blogspot.com.br/2011/05/serge-gousseault-un-jeune-guide.html

Uma visita à África e a narração de certos costumes, assim como as quatro viagens andinas, quando realiza as primeiras escaladas da face sul e sudoeste do Huandoy, nos Andes peruanos, entre 1976 e 1979, encerram esse instigante livro biográfico, narrado com os pormenores mais precisos em relação a cada passo das tantas aventuras, com espírito de fraternidade em relação aos seus colegas de cordada e, por vezes, com certa dose de humor. Fica também a narrativa da natureza em suas manifestações mais antagônicas: tempestades de neve, tormentas, quedas de séracs, avalanches, contemplação do céu imaculado, visão nas alturas das distâncias imensas, as várias colorações dos espaços percorridos pelo olhar. Livro pleno de interesse.

In this post I comment on the book “Les Forces de la Montagne”, written by the French alpinist René Desmaison (1930-2007), in which he gives an account of an entire life dedicated to mountain climbing: he explains the roots of his strong inclination for mountaineering, talks about his ascents of the Alps, the Andes and the Himalayas, the new routes he has opened, the death of many friends, the controversy of the Grandes Jorasses, his epic climbing of the mountain in the Mount Blanc massif that saw the death of his partner Serge Gousseault. Desmaison also describes nature in all its contradictory manifestations: snow storms, fall of seracs, avalanches, clear skies, endless horizons with a myriad of colors. A fascinating book for lovers of adventure stories.