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Incontáveis exemplos

A dança passa como um incêndio.
E, no entanto, eu digo civilizado o povo que compõe as suas danças,
apesar de não estar atento às colheitas ou aos celeiros.

Antoine de Saint-Exupéry (1900-1944)
(“Citadelle”)

E aqueles que foram vistos dançando
foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música.

Friedrich Nietzsche (1844-1900)

Ao longo dos anos, inúmeras vezes recebi sugestões de um amigo em forma de perguntas. Elas foram fontes temáticas para vários blogs, após reflexões. Nossos encontros casuais ocorrem na feira-livre do Campo Belo e quase sempre continuamos conversas descontraídas num café próximo. Assíduo leitor dos blogs hebdomadários, o que muito me alegra, Marcelo é mestre em perguntas incisivas. Recentemente uma delas me fez pensar, pois gostaria de conhecer mais a respeito do repertório pianístico. Acrescentou que ouviu recentemente Valsas de Chopin e que ficou encantado. “Poderia o amigo escrever sobre a Valsa, indicando exemplos?” Voltei para casa e a ideia frutificou. O catálogo de Valsas para piano é enorme e contém um número extraordinário de composições, muitas delas frequentadas habitualmente pela maioria dos pianistas.

A Valsa, walzer em alemão, dança em compasso ternário, tem origem remota, tendo sofrido a influência do Minueto, dançante e cultuado pela nobreza nos séculos XVII-XVIII, e do Ländler, de origem austro-alemã, praticado pelas classes campesinas. No final do século XVIII se expande por vários países europeus e, nas primeiras décadas do século XIX, compositores que ficaram na história compuseram Valsas para piano. Franz Schubert (1797-1828) compôs inúmeras. Todavia, a inserção plena da Valsa no repertório para piano se dá com o advento do recital pianístico aristocrático, proposta inicial de Franz Liszt (1811-1886), um dos fatores fulcrais a categorizar as Valsas que se seguirão como criações não destinadas à dança, mercê dos incontáveis procedimentos técnico-pianísticos, muitos deles verdadeiras “acrobacias”. A partir da primeira metade do século XIX a expansão da Valsa se torna consistente, sendo praticada por compositores que permaneceram na história, como Carl Maria von Weber (1786-1826), Fréderic Chopin (1810-1849), Robert Schumann (1810-1856), Franz Liszt (1811-1886), Johannes Brahms (1833-1897), P.I. Tchaikovsky (1840-1893), Emmanuel Chabrier (1841-1894), Gabriel Fauré (1845-1924), Claude Debussy (1862-1918), Alexander Scriabine (1872-1915), Maurice Ravel (1875-1937) e tantos outros. Quanto à dificuldade técnico-pianística, a elasticidade é ampla e varia através da história, indo da mais elementar, para iniciantes, às de dificuldade extrema. Considerem-se ainda as célebres Valsas vienenses de Johan Strauss II (1825-1899), autor de várias centenas compostas para orquestra e destinadas à dança, entre as quais as famosas “Danúbio Azul” e “Contos dos Bosques de Viena”.

No Brasil, inúmeros compositores escreveram Valsas, pois gênero fartamente frequentado a partir principalmente das fronteiras dos séculos XIX-XX. Henrique Oswald (1852-1931) compõe algumas, Villa-Lobos (1887-1959) compõe 4, Camargo Guarnieri (1907-1993) escreve 12 e Francisco Mignone (1896-1986), o mais profícuo nesse mister, compôs 24 Valsas, sendo que 12 denominadas de Esquina, 12 Valsas-Choro para piano e 12 outras foram destinadas ao violão. Sob o aspecto urbano, duas figuras se tornaram icônicas no país, Chiquinha Gonzaga (1847-1935) e Ernesto Nazaré (1863-1934), que escreveram dezenas de Valsas com cunho mais popular.

De um vastíssimo catálogo, separei quatro Valsas que pertencem ao repertório perpetrado ao piano através dos séculos.

A Valsa nº7 op.64 é uma das mais tocadas entre todas as compostas por Chopin. O insigne pianista Alfred Cortot (1877-1962) a interpreta numa gravação realizada há um século (1925).

Clique para ouvir, de Chopin, a “Valsa nº 7, op. 64”, na interpretação de Alfred Cortot:

https://www.youtube.com/watch?v=UlCINBdJ-Og&t=12s

Liszt, admirador do poeta austríaco Nikolaus Lenau (1802-1850), compôs “O Monge Triste”, a partir de poema de Lenau, e a “Valsa Mefisto”, a lembrar a figura de Mefistófoles, extraído de um segmento de “Fausto” (1836), do mesmo poeta. O personagem diabólico, ao tocar violino para convidados em uma festa, hipnotiza Fausto com a vertiginosa execução…“A Valsa Mefisto”, de Franz Liszt, é uma composição que explora os limites extremos da técnica pianística e uma das mais aclamadas criações para piano do compositor.

Clique para ouvir, de Franz Liszt, Valsa Mefisto, na maiúscula interpretação do pianista cubano-americano Jorge Bolet (1914-1990):

https://www.youtube.com/watch?v=so7Wiu7qngA&t=123s

A Valsa op. 38 de Alexandre Scriabine (1872-1915) é de uma das fases composicionais do compositor russo, período em que o romantismo lhe era profundamente caro, mormente Chopin. Faubion Bowers, um dos seus biógrafos, escreve: “Ele pretendia originalmente que fosse uma ‘Grand Concert Valse Fantasia’ espetacular. No entanto, escreveu ou publicou apenas uma secção — um tema requintadamente delicado. As suas ressonâncias evaporam-se quase assim que são tocadas. ‘Toque como se estivesse a sonhar’, disse o compositor certa vez a um aluno. Ele chamou-a de ‘visão onírica’ (snovidenie), um estado de espírito envolto numa auréola de irrealidade”. No período da composição da Valsa op. 38, Scriabine passaria por transição, quando não se descarta a influência das criações de Liszt, especificamente no caso dos Poemas Trágico op. 34 e Satânico, op. 36. Saliente-se que, a partir da criação da Valsa op. 38, Scriabine incluiria inúmeras vezes a referida peça em recitais na Europa e nos Estados Unidos, tanto nos programa impressos ou quando dos encores, corroborando o apreço pela sua criação.

Clique para ouvir, de Alexandre Scriabine, “Valsa op. 38”, na interpretação de J.E.M:

https://www.youtube.com/watch?v=97MoXq2KWig

“La Valse”, de Maurice Ravel (1875-1937), originalmente foi composta para orquestra (1919-1920), tendo como subtítulo “Poème choréographique pour orchestre”. A seguir transcreveu-a para piano solo, sendo que, logo após, para dois pianos. Trata-se de uma criação em período efervescente para Ravel. Escreve à pianista Marguerite Long: “…retomei o trabalho de uma maneira implacável, como tempos antes. Para isso, tomei medidas drásticas: vivo como um eremita no meio das Cévennes…” (montanhas no sul da França) . A obra orquestral foi composta durante a grande maturidade do compositor e exibe um domínio pleno da orquestração. Não obstante, apesar de sugerir vestígios da empolgação das valsas vienenses que imortalizaram Johannes Strauss, há algo de trágico nessa grandiosa Valsa. “Turbilhão fantástico do destino inevitável”, proferiria Ravel. As versões para piano e para dois pianos são obras transcendentes no plano técnico pianístico.

Clique para ouvir, de Maurice Ravel, La Valse (transcrição para dois pianos), na magnífica interpretação de Marta Argerich e Nelson Freire:

https://www.youtube.com/watch?v=hkVrhll9VBA

Enquanto tantas foram as danças introduzidas nas inúmeras suítes dos compositores barrocos que ficaram presentes nos repertórios dos intérpretes através dos tempos, a Valsa alçou voos maiores no que concerne à diversificação, pois inserida nos repertórios clássicos, continuando sua trajetória ativa pelo mundo em festividades as mais variadas.

The waltz was one of the most popular genres among composers at the turn of the 18th and 19th centuries. Notable composers who have left a lasting impact on music history composed waltzes. In Brazil, especially in the first half of the 20th century, the waltz was revered by composers of various styles.

Organização: Oswaldo Giacoia Junior

Com efeito, para Nietzsche, como para o nosso Machado de Assis,
alguns pensadores nascem póstumos:
a força de seu legado é privilégio dos pósteros.

Oswaldo Giacoia Junior

Sem a música a vida seria um erro
Friedrich Nietzsche

O conhecimento das figuras luminares e perenes se dá essencialmente através das suas obras. Biografias têm importância na medida em que penetram no âmago da trajetória existencial de um autor, pertença ele às mais variadas áreas. Contudo, é através da importância do legado que o personagem ilustre se pereniza.

Oswaldo Giacoia Junior (1954-) é um dos mais relevantes especialistas em filosofia, máxime concernente às obras de Nietzsche, Schopenhauer, Heidegger e Augusto Comte. Professor titular aposentado do Departamento de Filosofia (IFCH) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), professor titular do programa de pós-graduação em Filosofia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Oswaldo Giacoia Junior é autor de várias obras referenciais em sua área de atuação. Teve a grata ideia de organizar precioso livro ao selecionar textos basilares de Friedrich Nietzsche (1844-1900) em “O leitor de Nietzsche” (Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2022).

A seleção de segmentos fulcrais extraídos das obras de Nietzsche é precedida por esplêndida introdução do organizador (93 pgs) e de uma bibliografia ampla, antecedida de explicações: “Breve nota histórica sobre a edição crítica das obras completas de Friedrich Nietzsche ‘KGW’, a Edição Colli-Montinari”. A longa introdução do autor e organizador do livro é igualmente didática e conduz o leitor a entender os textos por ele selecionados de maneira clara e objetiva, tornando o percurso dos escritos de Nietzsche reveladores. Os 18 textos inclusos no livro em pauta proporcionam uma visão do pensar do filósofo alemão, a servir de estímulo ao provável aprofundamento do leitor. A salientar a tradução criteriosa realizada por Giacoia.

Mercê do espaço a que me proponho no blog, selecionei dois textos, que se relacionam mais especificamente à relação entre Nietzsche e Richard Wagner (1813-1883). O filósofo Nietzsche foi igualmente músico, pianista e compositor que, apesar de longe da notoriedade como notável pensador, compôs obras de interesse, cerca de 70 criações para piano, canto e piano, orquestra e coral. Tendo uma boa formação pianística, Nietzsche tinha em seu repertório criações de Bach, Haendel, Haydn, Mozart, Beethoven e Chopin. Gostava imenso do compositor polonês. Após a crise mental que o acometeu em 1889, e mesmo posteriormente, internado em uma clínica psiquiátrica em Iena com as atividades cerebrais comprometidas, não deixou de tocar piano e de apreciar Chopin.

Os dois textos de Nietzsche incluídos no livro em apreço, “Considerações Extemporâneas: IV. Richard Wagner em Bayreuth” e “O caso Wagner”, bem posicionam a crítica de Nietzsche a Wagner. Todavia, em dois outros, “Crepúsculo dos Ídolos” e “Ecce Homo”, os segmentos escolhidos por Giacoia não personalizam o compositor da Tetralogia, mas são fundamentais para a apreensão das duas figuras exponenciais. Outras obras filosóficas de Nietzsche também fazem referências à música.

Quando admirador da obra de Wagner, Nietzsche apresentou uma sua composição a Hans von Bülow (1830-1894), ex-marido de Cosima, filha de Liszt e doravante casada com Wagner. Bülow, pianista, professor e regente de várias óperas de Wagner, simplesmente abominou com palavras duras a composição de Nietzsche, “Manfred-Meditation”, criação gestada durante alguns anos, plena da influência de Schumann (Abertura Manfred, op. 115) e de Wagner, mas que, apesar do emprego de processos wagnerianos advindos certamente da grande admiração pela sua obra, tem interesse. O episódio teria consequências no que tange ao respeito àquele que até então era idolatrado. François Noudelmann entende que os ataques de Nietzsche contra Wagner “implicam uma crítica em três níveis: filosófico e histórico, estético e político, psicológico e fisiológico” (vide blog: “Le toucher des philosophes – Sartre, Nietzsche et Barthes au piano” 20/10/2012).

Clique para ouvir, de Nietzsche, “Manfred-Meditation” 1872) para piano a quatro mãos, na interpretação do duo John Bell Young e Thomas Coote:

https://www.youtube.com/watch?v=vcvINsq1KSw

As críticas de Nietzsche a Wagner se acentuaram com o passar do tempo. Oswaldo Giacoia comenta: “Para Nietzsche, a conclusão da tetralogia do Anel de Nibelungo com o Parsifal reconstitui a saga do próprio Wagner, que é também a rendição total da obra de arte aos ideais ascéticos, um testemunho em grande estilo da sublimação da ascese na moderna cumplicidade velada entre a ciência, a moral utilitarista, a política e a arte operística (arte da recreação), todas elas figuras espirituais do niilismo, da nostalgia pelo nada, do cansaço e da impotência ressentida”. O “Anel de Nibelungo” corresponde a quatro óperas essenciais de Wagner, gestadas de 1848 a 1874: “Ouro do Reno”, “Valquíria”, “Siegfried” e “Crepúsculo dos Deuses”.  Entendia Nietzsche um totalitarismo nas criações monumentais de Wagner e a teatralidade exacerbada. Todavia, alguns dos processos escriturais wagnerianos, como o cromatismo e as modulações “infinitas”, corroboraram o advento do atonalismo no início do século XX.

Clique para ouvir, de Wagner, “Morte de Isolda”, na transcrição de Liszt da ópera “Tristão e Isolda”, na excelsa interpretação de Antonieta Rudge (1885-1974):

https://www.youtube.com/watch?v=Je4FdUW6xpg&t=10s

Da confessa admiração ao oposto, Nietzsche se posiciona. Nas “Considerações Extemporâneas: IV. Richard Wagner em Bayreuth” há a nítida admiração de Nietzsche, potencializada pela sua presença no ato da colocação da pedra fundamental na colina de Bayreuth, em Maio de 1872, daquele que viria a ser um templo de arte voltado às representações das óperas de Wagner. Nietzsche o louva pelo “que ele é e o que ele será”. O templo de arte em Bayreuth, após inúmeras tratativas para a sua edificação, foi inaugurado em 1876 com a apresentação da Tetralogia do “Anel de Nibelungo”. O teatro construído para as apresentações de suas obras, o Festspielhaus de Bayreuth, perpetua-se até os dias atuais com afluxo intenso, a reunir cultores da música e camadas privilegiadas da sociedade.

Em “O caso Wagner” Nietzsche é impiedoso e admirador: “Em Wagner, no início encontra-se a alucinação: não de sons, mas de gestos. Para estes, ele busca então a semiótica sonora. Se queremos admirá-lo, examinemo-lo em ação aqui: como ele separa, como ele conquista pequenas unidades, como ele as anima, impele para fora, torna-as visíveis. Mas nisso se esgota a sua força: o resto não presta para nada”. Faz a crítica a determinadas criações de Wagner: “O que importa a nós a provocativa brutalidade da abertura de Tannhäuser? Ou do ciclo das Valquírias? Tudo o que se tornou popular da música de Wagner, também fora do teatro, é de gosto duvidoso e corrompe o gosto. A marcha de Tannhäuser me parece suspeita de pieguice; a abertura para o Holandês Voador é um barulho para nada; o prelúdio de Lohengrin fornece o primeiro exemplo, apenas demasiado capcioso, apenas demasiado bem-cunhado, de como também com a música se hipnotiza (-não aprecio toda música cuja ambição não vai além de convencer os nervos). Mas, deixando de lado o Wagner hipnotizador e pintor de afresco, existe ainda um Wagner que coloca ao lado pequenas preciosidades: nosso maior melancólico da música, cheio de olhares, ternuras e palavras de consolo, que ninguém lhe antecipou, o mestre nos sons de uma nostálgica e sonolenta felicidade. [...] Um léxico das mais íntimas palavras de Wagner, autênticas coisas curtas de cinco até quinze toques, autêntica música, que ninguém conhece. [...]. Wagner tinha a virtude dos décadents, a compaixão”.

Teria sido após sua estadia em várias cidades do Mediterrâneo ― Gênova, Roma e Veneza ― que a transformação se dá ao ouvir os compositores italianos. O “bel canto” o seduz. A ópera do compositor francês Georges Bizet (1838-1875), “Carmen”, as melodias do autor e toda a encenação causaram forte impressão em Nietzsche. Poderia parecer paradoxal tal escolha, se comparada for a enorme dimensão de Wagner com as composições de Bizet. As várias apresentações de “Carmen”, na Itália, Espanha e França, tiveram a presença do admirador Nietzsche.

O que reza a história, apesar da dualidade das posições de Nietzsche a respeito de Wagner, é que ambos são rigorosamente extraordinários quanto aos legados oferecidos aos pósteros em suas áreas fulcrais. A História tem exemplos de expressivas figuras em todas as áreas que tiveram sérios antagonismos com seus pares.

Recomendo vivamente “O leitor de Nietzsche” do insigne filósofo Oswaldo Giacoia Junior. Indispensável a leitura da “Introdução”, que abre as mentes para a compreensão maior do grande pensador alemão. Giacoia soube, nessa cuidadosa seleção, apreender os várias e admiráveis caminhos do pensar de Nietzsche. Se abordei os capítulos a envolver Wagner e Nietzsche, a causa principal foi assinalar igualmente a importância da música para o pianista e compositor Friedrich Nietzsche, algo extraordinário na opera omnia do pensador alemão, pois a abranger duas das mais importantes fontes do saber, a música e a filosofia. Boris de Schloezer (1881-1869), escritor e musicólogo, irmão de Tatiana de Schloezer, primeira esposa de Alexandre Scriabine (1872-1015), elencou, em sua biografia sobre o notável compositor russo, alguns dos títulos voltados à filosofia na biblioteca do seu ex-cunhado (1902-1903), destacando “Assim falou Zaratustra”, de Nietzsche. Saliente-se que o ilustre músico Richard Strauss (1864-1949) compôs um Poema Sinfônico (1896) após a leitura de “Assim falou Zaratustra”, obra maiúscula do compositor teutônico.

Wagner e Nietzsche continuam a ser cultuados. Duas figuras maiores em suas respectivas áreas. Para ambos, “sem a música a vida seria um erro”. A perenização se dá pelo legado.

Clique para ouvir, de Friedrich Nietzsche, “Hymnus an das leben” (Hino à vida), na interpretação da Orchestra do Conservatório de Como e do Coral da mesma instituição, sob a regência do Maestro Domenico Innominato:

https://www.youtube.com/watch?v=FIOIUlDB5yU&list=RDnZ-OQpgNoJs&index=2

The book “O leitor de Nietzsche” (The Reader of Nietzsche), edited by Oswaldo Giacoia Junior, retired professor of the Department of Philosophy at the State University of Campinas (Unicamp) and professor of philosophy at the (PUCPR), specialist in Nietzsche, Schopenhauer, Heidegger and Auguste Comte, is of significant importance. Of particular interest is the magnificent introduction (93 pages) and the selection of 18 texts extracted from Nietzsche’s various works. I focused on those referring to the philosopher and the composer Richard Wagner.

A interpretação em causa

Consiste o progresso no regresso às origens:
com a plena memória da viagem.
Agostinho da Silva (1906-1994)
(Espólio)

O blog anterior apresenta tema polêmico e deriva da pergunta de jovem músico sobre progresso na interpretação musical. Tema controverso, motivou uma série de mensagens, curtas na grande maioria, majoritariamente concordando com a ausência do progresso nessa área. Poucas entendendo a interpretação como progresso. Acredito que, em muitos casos, a interpretação pianística da música clássica, erudita ou de concerto possa sofrer influências, por vezes tênues, advindas das várias modalidades de músicas voltadas ao grande público mais jovem e realizadas em grandes espaços abertos, precedidas por fantástica divulgação. Traduz-se mormente no vestuário e no gestual de alguns super ventilados pianistas clássicos. É evidente que, nesses casos em especial, a interpretação possa sofrer alterações, principalmente quanto aos andamentos mais acelerados em criações já compostas nesse propósito, para gáudio de parte dos que frequentam as salas de concerto. Há também casos de excelentes pianistas do repertório consagrado que frequentam com insistência gêneros de outra índole. Determinados atributos da música popular vazam periodicamente quando no repertório-mor do pianista.

Num blog bem anterior, “Progresso em Arte”, http://blog.joseeduardomartins.com/index.php/2014/09/27/progresso-em-arte/, já abordei a temática, igualmente a considerar não haver progresso na criação musical. Sob aspecto outro, quantidade enorme da música contemporânea é apresentada em festivais específicos apenas uma vez e fenece. Razões teve o compositor francês Serge Nigg (1924-2008) que, nos estertores da existência, afirmava que, contrariamente ao que ocorria num passado em que dialogava com intérpretes, compositores e musicólogos, nesses tempos finais só era apresentado a jovens compositores. No blog mencionado acima citei pertinente observação de Mario Vargas Llosa (1936-1925) que, à certa altura, não mais visitava Bienais de Arte “pelo descompromisso com a essência do termo, arrivismo de autores a qualquer custo e banalização conceitual da arte na atualidade”. Ambos os posicionamentos apenas ratificam que a obra-prima, desde o remoto passado à contemporaneidade, permanece indelével. Não há o progresso em direção aos tempos atuais, mas a aparição de novas técnicas e tendências, sendo que  poucas permanecerão. Se existisse progresso na arte musical o repertório do passado não seria largamente majoritário nas programações.

O insigne compositor e regente Pierre Boulez (1925-2016) reestruturou várias obras, dando-lhes novas versões. Denominaria works in progress (trabalhos em curso), que também poderiam ser considerados, com outras palavras, versões, adaptações, transcrições. Em entrevista ao jornal Le Monde (27/03/1985), afirmaria: “Não estou em paz se não estiver satisfeito, e como posso estar? Na composição, por exemplo, como conseguir o equilíbrio musical, como fazer com que a realização se apodere do especulativo e lhe dê um conteúdo efetivo?” (Le Monde, 27/03/1985), frase que bem exemplifica a perene curiosidade do compositor no desiderato de dar novas configurações a determinadas criações. Pli selon pli (1957) teve várias versões para diferentes formações, sendo a definitiva na década de 1990. Outras obras seguiram o mesmo roteiro.

De relevado interesse a longa exposição de Gildo Magalhães, Professor titular jubilado da FFLECH-USP na área da História da Ciência.

“Esta é de fato uma pergunta que suscita muita reflexão. Por um lado, há a questão da interpretação, onde é difícil avaliar como eram as interpretações antes das gravações; há apenas as descrições de pianistas fabulosos como se escrevia a respeito de Liszt; hoje podemos comparar o Chopin de Hoffmann com o de Horowitz e assim por diante. Já a composição se presta ao filtro do tempo, como você sempre assinala, ainda que de vez em quando alguém seja salvo do soterramento a que foi submetido e reaparece na sua grandeza – podemos dizer que é também uma questão de tempo, mas com retardo.

Uma área estética onde há alguns autores que acreditam no progresso parece ser nas artes plásticas, mas é sempre uma celeuma. Um critério proposto é o de que a arte serve para elevar o espírito humano, elevar num sentido amplo, que inclui aproximar o homem da divindade (alguma divindade) e de aproximar os homens uns dos outros – aliás, o sentido dado por Barenboim para sua orquestra do Divã Oriental-Ocidental (título que é uma referência à obra poética a 4 mãos de Goethe e Schiller)”.

Ao ter mencionado no post anterior o avião alemão Junkers Ju 52, recebi do meu querido irmão, o ilustre jurista Ives Gandra Martins, mensagem de interesse: “Da mesma forma que evoluímos dos barulhentos ‘junkers’ – voei num com papai, mas não me lembro do barulho, mas só da empolgação do voo em 1943 – para os silenciosos A-380. Creio que também na interpretação da arte há evolução. A própria ‘Sinfonia Clássica’ de Prokofiev, em que ele pensava reviver Mozart, hoje, muitas vezes é interpretada com toques diferentes propostos por Prokofiev”.

Diria que há evolução a atingir os devidos fins, melhores ou, tantas vezes, piores resultados. Todavia, a obra-prima que é a “Sinfonia Clássica” permanecerá, ratificando o conceito do não progresso da obra, mas tendências quanto à interpretação. Estou a me lembrar de fato curioso ocorrido num Congresso sobre Música em Salvador nos anos 1990. Como em determinada sessão o professor que deveria presidi-la faltou, convidaram-me para a tarefa. Em certo momento, utilizei a palavra evolução e um antropólogo no auditório imediatamente observou que o termo não mais poderia ser empregado. Felizmente, estava com um livro recente em inglês em minha pasta que abordava a evolução do cravo para o pianoforte e posteriormente para o piano.

Certamente haverá ao longo da história defensores das duas correntes concernentes às Artes nesse quesito progresso. A dialética sempre presente.

I’ve received countless messages on the subject of Progress in the Art of Music. There will always be considerations about progress and evolution, the latter of which is banned in certain areas.