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Esperanças há quanto ao enriquecimento repertorial

Quantas vezes é intraduzível o ponto onde estamos,
para onde pensamos que vamos.
E quantas vezes me pergunto o que é a música?
E o que é que ela é? E o que é que eu traduzo?
Que sentimentos? Que ideias?
Como é que posso exprimir algo
que eu próprio não consigo exprimir?
Gabriel Fauré (1845-1924)
(“Lettres intimes”, 29/08/1903)

Causou-me alegria a recepção de mensagens, algumas delas de jovens pianistas, sugerindo a indicação de obras essenciais, mas pouco divulgadas. Veio-me a ideia de inserir paulatinamente diversas composições da mais alta qualidade, que mereceriam estar nas programações dos pianistas jovens e adultos. Fica sempre a esperança de que as novas gerações aprendam a cultivar não apenas as criações superconsagradas de grandes compositores, como outras desses mesmos mestres que continuam pouco divulgadas e, quando o são, o feito é graças às integrais que determinados pianistas interpretam.

A epígrafe traduz que até um compositor excepcional também teve lá suas dúvidas. Clique para ouvir, de Gabriel Fauré, compositor que mereceria ser muito mais frequentado, o magistral Nocturne nº 6, op.  63, na interpretação de J.E.M.:

https://www.youtube.com/watch?v=JIWPoPmGrvw&t=32s

Em uma ampliação do tema em causa, o professor titular da USP em História da Ciência, Gildo Magalhães, comenta a partir do post anterior: “Excelente seu blog, inclusive pelos exemplos musicais nele inseridos. O problema é real e tem de ser pragmaticamente abordado, como o faz você. Por outro lado, levou-me a uma reflexão, que tem sido objeto de artigos e livro meu, sobre a força dos paradigmas em ciência, que por força da repetição se tornam a palavra obrigatória e essa oblitera as demais, que coexistem, mas seguem ignoradas. É o comum em física, química, biologia, geologia e tantas outras ciências, até mesmo nas ditas humanidades – até a história da ciência se torna paradigmática – e se perpetua nas academias, FAPESPs, concursos, publicações. etc. A sua mensagem me leva a esse paralelo, que pretendo desenvolver com mais vagar”.

Eliane Ghigonetto Mendes, viúva do notável compositor Gilberto Mendes, comenta aspecto essencial: “Penso que, antes de tudo, o intérprete quer ser aplaudido, daí escolher o repertório já conhecido, o qual em geral o público quer ouvir. Ousar fazer um repertório não tão conhecido ou inédito requer muito amadurecimento interno, correndo o risco dos aplausos não virem com tanto entusiasmo, simplesmente pelo não preparo de um ouvido apurado e aberto por parte do público”.

Estou a me lembrar de recitais que apresentei unicamente com criações de Gilberto Mendes (1922-2016). Público pequeno, mas atento ao extremo. O mesmo se deu quando dediquei recitais às excepcionais composições do nome maior da composição portuguesa, Fernando Lopes-Graça (1906-1994), em seu país e em nossas terras. Não são passos rumo à esperança? Gravei três CDs contendo obras inéditas do compositor nascido em Tomar.

Um dileto amigo, excelente pianista europeu, pertencente à juventude da idade madura, escreve-me a exemplificar “na pele” aquilo que tentei expor no blog anterior e neste a seguir:
“a) Como vou ser pianista e fazer uma carreira, se os que fazem carreira são os que tocam as mesmas obras?
b) Se decidir tocar apenas programas originais, com menos probabilidade de programação e repetição, como vou ter mercado suficiente para sobreviver (e pagar as minhas contas)?
c) Se não gosto de dar aulas, e isso é uma das principais coisas que trazem estabilidade a um músico, o que me espera no futuro?
d) Na minha vida, 80% do meu tempo, ou mais, é ocupado com piano, ou a tocar, ou a dar aulas, ou ao computador a enviar propostas, ou ao telefone com salas de concerto. Achei que isto era uma questão de tempo até as coisas começarem a fluir, e então tenho aguentado o esforço. Mas é assim há anos, e continua… Quase não tenho vida social, quase não descanso aos fins de semana… até quando? Vai ser sempre assim? E eu quero isso? Será melhor procurar outra coisa para fazer? Sei que as respostas não vão surgir de repente e que isto é uma fase em que eu estou. Sei que estas fases são importantes porque nos fazem refletir. A questão acaba por ser ao mesmo tempo profunda, mas também bastante prática”.

Neste mundo a cada dia em busca de recordes – o atletismo é um exemplo claro –, naturalmente esse conceito vasa para outras áreas. Estimula-se a interpretação de obras virtuosísticas. A consagrada pianista chinesa Yuja Wang declarou há tempos que, ao apresentar como peça extraprograma, “O voo do Besouro”, de Rimsky Korsakov na versão de Georgy Czifra, apreendeu que o público gostaria que ela executasse essa criação ainda numa velocidade maior, quando na realidade a sua execução já era rapidíssima.

Clique para ouvir, de Rimsky Korsakov, “O voo do besouro”, na interpretação de Yuja Wang:

https://www.youtube.com/watch?v=5PYdLgoMrok

Quanta razão não teve o recentemente falecido Prêmio Nobel de Literatura Mario Vargas Llosa ao escrever “La civilización del espectáculo”, tecendo, entre vários destacados temas, críticas fundamentadas nos parâmetros mais exteriores da Cultura Humanística que, a seu ver, está em pleno declínio, mercê de superficialidades e artificialismos agregados. A sacra obra de arte, no caso a criação musical, não é maculada no momento em que se busca o elemento exterior que não foi idealizado pelo compositor, mas atende a princípios rigorosamente efêmeros?

A respeito dos repertórios frequentados, há autores que tardiamente penetraram em meios sociomusicais europeus. Johannes Brahms (1833-1897) demorou para ser definitivamente incorporado aos repertórios em França e a preferência nítida por Robert Schumann (1810-1856) era evidente, a tal ponto que o musicólogo e crítico francês Marcel Beaufils (1899-1985) chegou a escrever que Schumann era o mais francês dos alemães. Nesse aspecto concordo com o ilustre musicólogo, pois as criações para piano de Schumann são menos cerebrais, a sua escrita é mais horizontal, mais próxima da linguagem criativa francesa se comparada com a de Brahms, sendo que a acolhida em França das criações schumanianas foi direta. O musicólogo e compositor René Leibowitz (1913-1972), em “L’évolution de la musique” (1951), considera que o amálgama Schumann-Brahms resultaria em algo muito especial, mercê das qualidades e diferenciações entre ambos.

O que observamos na maioria das obras apresentadas nas salas mais frequentadas do mundo é a repetição repertorial, possibilidade mais viável de se ter teatros e salas com número apreciável de ouvintes. Se exceções existem, deve-se unicamente ao nome consagrado do intérprete que, por razões pessoais, resolve ungir determinadas composições fora das programações habituais. Em nossas terras e alhures ouvi inúmeros frequentadores assíduos testemunharem que não sentem o mesmo entusiasmo quando se deslocam para ouvir obra desconhecida ou, ao menos, muito pouco frequentada pelos intérpretes.

Veio-me a lembrança uma significativa composição pouco interpretada de Alexander Borodine (1833-1887), a “Petite Suite”. Borodine, vocacionado em três áreas distintas, pois químico, médico e preferencialmente compositor, pertenceu ao famoso Grupo dos Cinco na Rússia, constituído por Rimsky-Korsakov (1844-1908), Modest Moussorgsky (1839-1881), Mily Balakirev (1837-1910) e César Cui (1835-1918) e que teve como lema aprofundar-se nas origens da música russa, valendo-se do folclore e de valores da cultura eslava.

Borodine se notabilizou mormente por uma de suas óperas, “Príncipe Igor”, e pelo poema “Nas estepes da Ásia Central”. Compôs Sinfonias e Música de Câmara. Para piano, criou uma seleção expressiva, intimista e que mereceria uma maior guarida por parte das novas gerações, sendo que a “Petite Suite” (originalmente “Petit poème d’amour d’une jeune fille”) está constituída por sete peças e emana profunda expressividade: No convento, Intermezzo, Mazurka I, Mazurka II, Rêverie, Sérénade, Nocturne.

Clique para ouvir, de Alexander Borodine, a “Petite Suite”, na interpretação sublime da pianista russa Tatiana Nikolayeva (1924-1993):

https://www.youtube.com/watch?v=GjJWCImd1AA

O blog de 29/08/2020 foi dedicado à Tatiana Nikolayeva.

A indicação de obras maiúsculas, mas praticamente desconhecidas do grande público, seguirá nos próximos blogs. São apenas sugestões, mas que podem estimular o interesse para o repertório tão pouco frequentado.

In the following blogs, I’ll be presenting piano pieces that deserve to be part of the repertoire that is usually performed. Alexander Borodine’s beautiful “Petite Suite” should be a frequent choice at piano recitals.

 

Algumas causas

Hoje não resisti ao apelo destas visões
que vi flutuarem, a meio caminho,
na transparência dos meus pensamentos.
Marcel Proust (1871-1922)

Intrigou-me a mensagem de um jovem músico, José Afonso, perguntando-me quais seriam as causas da grande maioria dos pianistas tocarem preferencialmente as mesmas obras dos compositores muito conhecidos.

Não poucas vezes, ao logo desses dezoito anos de blog ininterruptos, salientei o entrave que existe, máxime por parte dos organizadores, que têm o faro daquilo que se quer ouvir e, consequentemente, do lucro, “sugerindo” o que deve ser ouvido, menos para aqueles já integrados ao sistema, mas sobretudo aos talentosos e premiados que ingressam na carreira. Realidade mundial. O que parece evidente é a submissão desses novos músicos no mercado, mais pela necessidade de um real início. Uns tantos serão impulsionados na carreira, outros mais buscarão  caminhos dentro ou fora da área musical.

Em publicação sob a égide da Université Paris-Sorbonne (Observatoire Musical Français) na primeira década deste século, li a respeito dos repertórios. Havia estatística a evidenciar os programas apresentados em França e a persistente repetição das obras interpretadas e consagradas pelo público. Apontava para a desproporção entre o que era habitualmente apresentado e aquelas criações de autores menos favorecidos do passado, apesar da evidente qualidade desses compositores. Quanto aos compositores modernos e contemporâneos, daqueles alguns foram ungidos e pertencem ao repertório dos pianistas das várias faixas etárias. No que tange aos contemporâneos, determinadas linguagens não atingem o público frequentador das salas de concertos e são admiradas em guetos precisos.

Sob outra égide, aqueles talentosos jovens pianistas que buscam o aprimoramento, tendo quase sempre a intenção de participar dos renomados concursos internacionais, deparam-se sempre com os programas propostos, que privilegiam basicamente o repertório consagrado, exceção aos concursos monotemáticos. A se pensar no tempo para a preparação desses jovens visando a determinado concurso e todo um estudo durante anos moldado no repertório tradicional. Para os vencedores, uma possível carreira pode surgir. Determinados convites para apresentações em salas pelo mundo propõem ao agraciado algumas obras que o levaram à láurea e que essas novas audiências querem ouvir. Esse início real da carreira geralmente influenciará o jovem que, doravante – há exceções –, se fixará no repertório repetitivo e referencial para o público. Assim tende a ser a rotina. Essa constatação fica mais evidente ao se acessar o Youtube. Os pianistas mais conhecidos, pertencentes à juventude da idade madura, preferencialmente apresentam em público e gravam as obras mais ventiladas de consagrados compositores, como Mozart, Beethoven, Chopin, Schumann, Brahms, Tchaikovsky, Debussy, Ravel, Rachmaninoff, Prokofiev…  Gravações de grandes compositores – mas pouquissimamente apresentados em público – ficam reservadas basicamente aos intérpretes relevantes, diga-se, mas bem menos conhecidos.

Na seleção natural que elegerá alguns entre muitos, o intérprete de grande valor pianístico enriquecerá o seu repertório buscando preferencialmente composições que atendam aos anseios do público que o identificou como um “especialista” em determinados compositores renomados.

A interligação entre o agente – num sentido amplo de suas ramificações – e o intérprete, resultando na progressiva ascensão deste, mercê da agenda intensa, quase sempre “impossibilita” o músico de investir no repertório ignoto ou pouco frequentado, fato que favorece o empresário. Essa é uma das causas da frequência ao repertório exaustivamente apresentado.

Um dileto amigo voltado à Cultura Humanística disse-me certa vez que preferia ouvir ao vivo, tantas forem as vezes, a 5ª Sinfonia de Beethoven a ter de se deslocar para assistir a um intérprete apresentando obras desconhecidas ou quase, pois as referências habituais que o levavam ao deleite inexistiam. Não é essa a mentalidade da grande maioria que acorre às salas de concerto?

Compositores do período barroco, como J.S.Bach (1685-1750) e Domenico Scarlatti (1685-1757), há bem mais de um século têm suas obras escritas para cravo interpretadas ao piano regularmente e, quanto a Bach, inúmeras de suas criações para órgão foram transcritas igualmente para piano, sendo incorporadas ao repertório dos pianistas. Desse mesmo período, J-P.Rameau (1683-1764), G.F.Haendel (1685-1759), Carlos Seixas (1700-1742), compositores excelsos, tiveram tardiamente as suas criações para cravo interpretadas ao piano e, mesmo no presente, são pouco frequentadas nesse instrumento.

Clique para ouvir, de J-P. Rameau, “Les Cyclopes”, na interpretação de J.E.M.:

Jean-Philippe Rameau – Les Cyclopes – José Eduardo Martins – piano – YouTube

Se Sergei Rachmaninoff (1873-1943) e, tardiamente, Alexander Scriabine (1872-1915) são hoje bem divulgados, o mesmo não se deu com o ucraniano Sergei Bortkiowicz (1877-1952), rigorosamente contemporâneo dos dois mestres russos e que compôs excelentes obras para piano. Apesar de esforços de ótimos pianistas, permanece desconhecido do grande público.

Clique para ouvir, de Sergei Bortkiewicz, Estudo op. 15 nº9, na interpretação do pianista franco-cipriota Cyprien Katsaris:

https://www.youtube.com/watch?v=gkjb6INBbL8

No vasto repertório pianístico, um outro ilustre compositor, pianista e regente russo, Mikhailovich Lyapunov (1859-1924), pouco frequentado, diga-se, legou, em sua vasta produção, 12 “Estudos Transcendentais” (dedicados a Franz Liszt), que mereceriam presença nas programações ocidentais.

Clique para ouvir, de Lyapunov, o “Estudo Transcendental, op.11 nº 10, Lesghinka”, na interpretação do pianista italiano Marco Rapetti:

https://www.youtube.com/watch?v=Nb6QaTnkPIM

O que não dizer do repertório para piano escrito por notáveis compositores contemporâneos que escolheram se ater a uma linguagem baseada na tradição, mas não desprovida de inovações! Deveriam ser visitados pelos intérpretes, pois fonte de propostas de interesse pianístico.

Clique para ouvir, de Paulo Costa Lima (1954-), “Imikayá”, na interpretação de J.E.M.:

https://www.youtube.com/watch?v=qZqE63BeleQ

O repertório para piano construído nesses últimos séculos é fantástico. Contudo, a repetição sem tréguas das mesmas obras dos compositores eleitos, excluindo-se tantas vezes outras igualmente meritórias desses mesmos autores, frise-se, mas que por motivos os mais diversos não são frequentadas pelos pianistas, limita forçosamente a apreciação do ouvinte e a curiosidade do intérprete. Quanto já não se falou que uma das preciosidades do pensar humano é a curiosidade. E não é graças a ela que cérebros privilegiados têm, ao longo dos séculos, encontrado caminhos inventivos?

I approach from a new angle the problem of the repetitive repertoire performed by the vast majority of pianists. Hidden treasures are gradually being rediscovered; as for the modern and contemporary repertoires, the former has been moderately promoted, while the contemporary one has been visited by some performers in a  restrained manner.

 

 

 

Inusitado número de mensagens

Não corro como corria
Nem salto como saltava
Mas vejo mais do que via
e sonho mais que sonhava
Agostinho da Silva

Os 18 anos de blogs ininterruptos, sempre publicados aos sábados, provocaram inúmeras mensagens, fato que me proporcionou alegria ímpar. Apraz-me recebê-las, máxime pelo motivo de que o blog se tornou uma segunda natureza. Luca Vitali (1940-2013), saudoso amigo e artista plástico invulgar, por vezes expontaneamente me brindava com um desenho com forte carga de humor. Os teclados do piano e do computador foram por ele lembrados em situações diferenciadas.

O editor Cláudio Giordano enviou-me significativas palavras: “Parabéns pela maioridade blogueira e meus melhores sentimentos pela expulsão da casa que lhe foi a guardiã e companheira durante boa parte da vida: mais uma prova do efêmero de todas as permanências e certezas humanas”.

De Bruno Andrade de Britto, músico e professor radicado na Bahia, recebo a mensagem: “Fico feliz com a completude da maioridade de suas crônicas de sábado. Me sinto feliz em acompanhar essa trajetória desde 2007. E desejo longa vida, e mais 18 anos de reflexões e temas de grande qualidade”.

Da professora e tradutora Aurora Bernardini, uma frase de síntese: “Continue respirando na nova morada”.

O compositor português Eurico Carrapatoso, tão presente em meu repertório pianístico, tece comentários: “Ai!, essa saída da tua casa! A escala não é colossal, mas sinto-te em trabalhos a veres com teus próprios olhos um Hiroshima de bolso que vos colheu. Também tenho nostalgia da casa mãe em Trás-os-Montes. Mas a vida é mudança. É uma condição, que o terá dito teu pai a sair de Braga que levou para S. Paulo no coração. O que seria da bela sala da biblioteca de Mafra sem o conteúdo de livros que lhe dá alma?  Sem dúvida que é o recheio que lá habita que mais vale.  Assim é nas nossas casas. Desejo-vos uma vida muito longa no novo lar, e uma indizível felicidade de quem na vida se cumpre em plenitude de sua obra e de sua prole”.

Eliane Mendes, viuva do ilustre compositor Gilberto Mendes, escreve: “Quanto à mudança nas abordagens durante estes 18 anos, ela retrata a consciência sempre se expandindo a cada novo nível que ela acessa através da passagem do tempo… Reexaminando a memória dos fatos e experiências vividas, constatamos que somos sempre nós mesmos, mas sempre diferentes, pois algo sempre muda na nossa maneira de ver e sentir a vida. Uma caminhada que perdura até o fim de nossa vida, sempre nos oferecendo mais e mais compreensão, mais e mais percepção, mais e mais clareza do que é a vida e de quem somos, nós mesmos…

Mencionaria Deyse Deliberato, Marisa Silva, Gaston Reyes e Carolina Ramos… representando tantos leitores que me privilegiam com e-mails estimulantes. Como não prosseguir com mensagens que calam fundo?

Flávio Amoreira, escritor, poeta e cronista, comenta: “De utilidade pública! Seus posts precisam ser editados em papel também! De um fã inveterado!”.

Dos posts entre 2007 a 2011 resultaram três livros, os dois últimos com ilustrações de Luca Vitali. Se continuasse as publicações em papel, hoje seriam mais 13 livros. Os leitores que me honram todas as semanas bem sabem que, sem promoção externa, há pouco a fazer, e realmente nessas últimas décadas, por motivos, entre outros, ligados ao desprestígio e ao descaso que a grande mídia proporciona àquilo outrora conhecido como Alta Cultura, dela simplesmente me afastei. Aliás, Flávio Amoreira tem corajosamente destacado em sua coluna no jornal “A Tribuna”, de Santos, o desinteresse atual pela leitura.  Não ocorreu o mesmo com a crítica musical? Na São Paulo dos anos 50 havia cerca de dez críticos, a maioria com conhecimentos sólidos sobre Música, que frequentavam as muitas apresentações de grandes intérpretes e de novéis executantes. São Paulo cresceu de maneira gigantesca e a crítica musical se estiolou.

Já instalado no apartamento, após a colocação das estantes dei nova guarida aos livros que me acompanham. São eles a essência essencial das pesquisas, que continuam a ser um dos bálsamos da existência. Nesses últimos anos, sabedor da sanha das construtoras, doei mais de metade dos livros às entidades culturais, o que me proporcionou alegria interior, pois obras referenciais terão certamente outros olhares, o que me dá esperanças nessa continuidade. Ao organizá-los tematicamente, veio-me à mente o desejo da releitura de tantos deles, o que resultará em novas recensões. Estou a me lembrar de uma observação do meu amigo António Menéres (1930-), ilustre arquiteto português, que em seu livro “Crônicas contra o esquecimento” escreve: “Sempre que posso olho os meus livros, quer as lombadas simplesmente cartonadas, a sua cor, os títulos das obras; mesmo sem os abrir adivinho o seu conteúdo e, quando os folheio, reconheço as leituras anteriores, muitas das quais estão sublinhadas, justamente para me facilitar outros e novos convívios” (vide blog: “Crônicas contra o esquecimento”, 29/07/2007). A cada livro realocado, vinha-me a essência do seu conteúdo. O mesmo se deu com as partituras e a todo instante a mente era invadida pelos sons que delas emanam. Minha mulher Regina sentiu o mesmo com a organização das suas partituras.

A cada ano escrevo sobre o natalício do blog e não posso deixar de citar aquele que me sugeriu a incursão nessa área, o ex-aluno e amigo Magnus Bardela, e a minha amiga-irmã, Regina Maria Pitta, esmerada revisora, verdadeira caçadora de gralhas…, a confirmar as palavras de Henrique Oswald (1852-1931), nosso maior compositor romântico, em carta a Furio Franceschini (1880-1976), ilustre organista e professor, que revisava a Sonata para órgão do compositor. Dizia Oswald que o pior revisor é o autor e, entre os da categoria, sentia-se o pior. Força de expressão, mas que explica pequenas falhas banais em um texto. Revisadas por especialista na matéria, são dirimidas.

Prosseguirei. É o que sei fazer.

I’ve received an unusual number of messages about the 18 years of uninterrupted posts published on the weekly blog, always on Saturdays. I would like to express my deepest thanks to everyone who has honored me with such attention.