Organizada por Laudelino Freire

Quanta gente que ri, talvez, consigo
Guarda um atroz, recôndito inimigo,
Como indizível chaga cancerosa!

Quanta gente que ri, talvez existe
Cuja ventura única consiste
Em parecer aos outros venturosa!

Raymundo Corrêa (1860-1911)

Livros de pequena dimensão escondem-se nas estantes por trás de outros maiores e por vezes são esquecidos. Foi o que ocorreu com a “Pequena Edição dos Sonetos Brasileiros” (Rio de Janeiro, F. Briguiet, 1929), organizada por Laudelino Freire (1873-1937), professor, jornalista, crítico literário, político e filólogo. Em 1923 entrou para a Academia Brasileira de Letras na vaga de Ruy Barbosa. Encontrei a “Pequena Edição…” adormecida, mas bem conservada em sua encadernação.

Uma primeira coletânea publicada em 1904 continha 500 Sonetos “escolhidos entre os melhores desde o primeiro soneto de Gregório de Mattos até os nossos mais jovens poetas pelo Dr. Laudelino Freire”. A mesma editora F. Briguiet ampliaria a coleção em 1913, explicando-se: “segunda edição admiravelmente ampliada e enriquecida com 500 produções e 481 retratos, lembramo-nos de, para maior vulgarização de tão notável trabalho, dela extrair a presente edição, a que intitulamos de Pequena Edição dos Sonetos Brasileiros ”.

Momentos de deleite foram os que senti ao reler os 122 Sonetos criteriosamente selecionados por Laudelino Freire, embora sombrios em grande parte, contemplando o mesmo número de poetas que em suas épocas cultuaram a forma poética que obedece a determinadas regras, sendo estruturada por catorze versos distribuídos em estrofes, dois quartetos e dois tercetos. Todos os 122 Sonetos obedecem a essa formação. Quando o escritor e poeta português Guerra Junqueiro (1850-1923) define a música como “poesia incorpórea”, poderia eventualmente ter pensado na palavra Soneto, que tem origem na Itália, sonetto, ou pequeno som, devido, é possível, ao fato da aproximação verso – som. Atribui-se a Francesco Petrarca (1304-1374) a criação da forma do Soneto.

As escolhas de Laudelino Freire para essa “Pequena Edição…” abrangem uma plêiade de poetas, que se estende de Basílio da Gama (1740-1795) a Onestaldo Pennaforf (1902-1987), considerando sucessivas escolas literárias: arcadismo ou neoclassicismo, romantismo, realismo, naturalismo, parnasianismo, simbolismo, pré-modernismo, modernismo, pós-modernismo… Todavia, o autor não contempla apenas poetas renomados, pois concentra-se nos Sonetos a partir daquilo que entende por qualidade. Assim a pensar, deu espaço àqueles que, professando outra atividade, seja na diplomacia, jornalismo, magistratura ou política, escreviam sonetos.

Escolhi seis Sonetos, entre os 122 dessa “Pequena Edição…”, guardando a ortografia, as acentuações e os retratos da edição de 1929. Quanto aos espaços em determinadas pontuações, a “Pequena Edição…” utiliza as regras adotadas em França.

Pedro de Alcantara (D. PEDRO II – 1825-1891)

“Soneto”

Não maldigo o rigor de iniquia sorte,
Por mais atroz que seja e sem piedade,
Arrancando-me o throno e a majestade,
Quando a dois passos só estou da morte !

Do jogo das paixões minh’alma forte
Conhece a fundo a triste realidade,
Pois, se agora nos dá felicidade,
Amanhã tira o bem, que nos conforte.

Mas a dôr que excrucia, a que maltrata,
A dôr cruel que o animo deplora,
Que fere o coração e quase o mata,

É ver da mão fugir, à extrema hora,
A mesma boca lisonjeira e ingrata,
Que tantos beijos nella poz outr’ora !

LUIZ GUIMARÃES JUNIOR (1844-1898)

“Visita á Casa Paterna”

Como a ave que volta ao ninho antigo,
Depois de um longo e tenebroso inverno,
Eu quis também rever o lar paterno,
O meu primeiro e virginal abrigo :

Entrei. Um gênio carinhoso e amigo,
O phantasma talvez do amor materno,
Tomou-me as mãos, – olhou-me grave e terno,
E, passo a passo, caminhou comigo.

Era esta a sala (oh! Se me lembro ! e quanto !)
Em que, da luz nocturna á claridade,
Minhas irmãs e mina Mãe… O pranto

Jorrou-me em ondas… Resistir quem há-de ?
Uma ilusão gemia em cada canto,
Chorava em cada canto uma saudade.

OLAVO BILAC (1865-1918)

“Virgens Mortas”

Quando uma virgem morre, uma estrela aparece,
Nova, no velho engaste azul do firmamento,
E a alma da que morreu, de momento em momento,
Na luz da que nasceu palpita e resplandece.

Ó vós, que, no silêncio e no recolhimento
Do campo, conversais a sós quando anoitece,
Cuidado ! – o que dizeis, como um rumor de prece,
Vai sussurrar no céu levado pelo vento…

Namorados, que andais com a boca transbordando
De beijos, perturbando o campo sossegado
E o casto coração das flores inflamando,

- Piedade ! – Ellas vêm tudo entre as moitas escuras
Piedade ! esse pudor ofende o olhar gelado
Das que viveram sós, das que morreram puras !

 

VICENTE DE CARVALHO (1866-1925)

“Velho Thema”

Só a leve esperança, em toda a vida,
Disfarça a pena de viver, mais nada;
Nem é mais a existência, resumida
Que uma grande esperança malograda.

O eterno sonho da alma desterrada,
Sonho que a traz anciosa e embevecida,
É uma hora feliz, sempre adiada
E que não chega nunca em toda a vida.

Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa que sonhamos,
Toda arreada de dourados pomos,

Existe, sim : mas nós não na alcançamos,
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos.

MANUEL BANDEIRA (1886-1968)

“Inscrição”

Aqui, sob esta pedra, onde o orvalho roreja,
Repousa, embalsamado em óleos vegetais,
O alvo corpo de quem, como uma ave que adeja,
Dançava descuidosa, e hoje não dança mais…

Quem não a viu é bem provável que não veja
Outro conjunto igual de partes naturais.
Os véus tinham-lhe ciúme. Outras, tinham-lhe inveja
E ao fita-la os varões tinham pasmos sensuais.

A morte a surpreendeu um dia que sonhava.
Ao pôr do sol, desceu entre sombras fiéis
A terra, sobre a qual tão de leve pensava…

Eram as suas mãos mais lindas sem anéis…
Tinha os olhos azuis… Era loura e dançava…
Seu destino foi curto e bom… Não a choreis

 

MENOTTI DEL PICCHIA (1892-1988)

“Soneto”

Tambem, como esse bosque eu tive, outr’ora,
Na alma, um bosque cerrado de emoções.
As palmeiras das minhas ilusões
Iam levando o fuste, espaço a fora.

Seriam sonhos; era uma phetora
De crenças, de desejos, de ambições…
Não havia, por todos os sertões,
Mais luxuriante e mais violenta flora

Ai! Bosque real, é o tempo das queimadas !
É Agosto, é Agosto ! o fogo arde o que existe
Em fogachos sinistros e medonhos.

Ai de nós !… Somos almas desgraçadas,
Pois, na luz de um olhar languido e triste,
Também ardeu o bosque dos meus sonhos…

 

Laudelino Freire, ao selecionar número tão grande de “sonetistas”, deu a sentir ao leitor vindouro uma espécie de “prana” que pairava entre cultores do gênero poético. Tantos presentes na “Pequena Edição dos Sonetos Brasileiros” permaneceram na História como poetas ou escritores: Gonçalves Dias, Machado de Assis, Fagundes Varella, Castro Alves, Cruz e Souza, Augusto dos Anjos, Guilherme de Almeida, Mário de Andrade… Escreviam na excelência, pois conheciam a língua-mãe em suas entranhas. Não que as várias tendências poéticas advindas com o modernismo não cultuassem o trato das palavras. Deram novos rumos e estão sempre in progress quanto à forma e conteúdo.

A leitura desses Sonetos colhidos por Laudelino Freire evidencia, sobre outra égide, o esgarçamento que está a se acentuar relativo à nossa língua mater, no cotidiano e na escrita. Revelam esses Sonetos, num distanciamento de séculos da atualidade, o trato da língua portuguesa que não se distanciava da praticada em Portugal. Quando o bom poeta Heitor Aghá Silva (1954-), da Horta, capital da ilha Faial, uma das nove do arquipélago dos Açores, denunciou enfaticamente o perigo de contágio que era transmitido pelas novelas brasileiras em termos da vulgarização da língua mater, “… telenovelas tão pobres, tão estupidamente supérfluas, tão assustadoramente embrutecedoras…”, não previu o que adviria em nosso país (vide blogs: “A Voz e o Eco captados além mar”, 20/03/2010 e “Um trágico amalgamar”, 27/03/2010). Com o surgimento da internet, celulares e a inteligência artificial, rapidamente passou-se ao desprezo, voluntário ou não, pelos princípios linguísticos básicos. Simplificados em “formulações codificadas”, incorporaram-se aceleradamente à linguagem falada palavras e construções de frases sem a menor preocupação com o trato gramatical. Mensagens de celulares são resumidas por motivo de concisão, negligenciando o conteúdo. Textos de “importantes” periódicos e de sites estão eivados de erros gramaticais. A transição tem sido abrupta, contrariamente à natural e lenta transformação de uma língua. Quando Vargas Llosa vaticina a decadência da erudição em termos globais em “La Civilización del espectáculo”, pode-se estender essa descida a todas as ramificações da arte e da literatura. “Formulações” novas surgem e desaparecem logo após. Palavras, muitas estrangeiras, têm guarida ampla e desaparecem sucedidas por outras tantas. Neologismos vulgares nascem e morrem, deixando campo a outros com o mesmo destino. Já não mais há a fixação no tempo para que ao menos determinada tendência artística ou literária persista. Não acontece o mesmo com a tecnologia, numa aceleração que faz com que determinada conquista em pouquíssimo tempo se torne obsoleta?

“Pequena Edição de Sonetos Brasileiros”, organized by Laudelino Freire (1929 edition), contemplates 122 sonnets, a 14-line verse form. Renowned poets and sonnet cultivators, not necessarily specialists in the art of the poem-writing, have been selected by Laudelino Freire.

 


 

 

O jornalismo competente

Professor é alguém que ajuda os outros a aprender;
Mestre é, sobretudo, aquele que ajuda os outros a “desaprender”,
a desaprender conceitos errados da vida, de verdade, de sabedoria,
de Amor…
José Flórido

Desde os anos 1980 tenho precauções relacionadas a entrevistas. Voluntariamente jamais quis ter empresário e sempre me afastei dos holofotes. Trata-se de posição rigorosamente individual, que me norteia durante a existência.

Estou a me lembrar de entrevista concedida a um renomado jornal de São Paulo no segundo lustro da década de 1970, nas quais fiz observação crítica sobre Mário de Andrade e a condução da Música Brasileira, assim como indiquei uma obra para piano de Claude Debussy que, por equívoco do entrevistador, teve o nome trocado por uma outra composição, esta para orquestra. Em artigo em outro renomado periódico da cidade, músicos voltados às correntes musicais nacionalistas criticaram virulentamente minha posição a respeito de Mário de Andrade, assim como um deles observou que eu deveria saber que tal obra de Debussy não era para piano, atribuindo a mim o equívoco. Não respondi a essas críticas, pois entendi que elas visavam ao intérprete e não às suas ideias. Fossem essas conceituais, pediria direito de resposta ao periódico.

Posteriormente, quando convidado para dar entrevista, solicitava a leitura antecipada do texto a ser publicado, fato que nem sempre é de agrado de periodistas e até dos jornais ou revistas.

A premissa se faz necessária, pois exceções existem. Ter confiança absoluta em um entrevistador (a) é raro e ocorre pelo conjunto de matérias Culturais por ele (a) publicado. E chegamos à competente Leila Kiyomura do Jornal da USP.

Após trabalhar para os principais jornais de São Paulo, Leila Kiyomura desde 1993 é jornalista do Jornal da USP, especializada em temas Culturais amplos, tendo sólida formação acadêmica. Tive o grato prazer de ser por ela entrevistado no longínquo 2013, quando do lançamento do livro “José Eduardo Martins – Un pianiste brésilien” (Université Paris-Sorbonne, Série “Témoignages”, nº 4, 2012). Certamente, Leila Kiyomura, a escrever para o Jornal da Universidade de São Paulo, e Paulo Guerra, a conduzir a programação Antena2 da prestigiada RDP de Portugal, foram aqueles que mais argutamente me entrevistaram, pois preparadíssimos antes das arguições. Para Paulo Guerra foram umas dez boas e longas entrevistas, sempre quando em Lisboa para recitais e projetos realizados.

Dois fatos permitiram um novo encontro com Leila Kiyomura: a finalização de minha atividade pianística pública neste ano e a recente publicação de meu livro, “Impressões sobre a Música Portuguesa” (II), com o mesmo título do primeiro, publicado pela renomada Universidade de Coimbra fundada em 1290. Leila e a competente fotógrafa Cecília Bastos retornaram à nossa morada e, após longa conversa, dela recebi várias criteriosas perguntas para serem respondidas. O resultado foi publicado no Jornal da USP (online) no último dia 21 de Julho. Deparei-me com o título da entrevista, cujo termo inicial entendo como o mais caro da vida acadêmica, Mestre, a ter uma carga essencial que atravessa os séculos no Ocidente e no Oriente, mas que, na Academia, é o degrau a anteceder o doutorado (vide blog: “O Mestre, lembrá-lo eternamente”, 25/06/2009).

Ao final da presente entrevista, Leila Kiyomura insere um segmento, resultado da entrevista de 2013, em que, com rara sensibilidade, interpretou sensações vividas por mim em 1954.

Clique para acesso à entrevista concedida à Leila Kiyomura do Jornal da USP:

https://jornal.usp.br/cultura/o-mestre-apresenta-sua-ultima-audicao-publica/

I have reservations about interviews. There are interviewers and interviewers. Leila Kiyomura of the Jornal da USP, which focuses on cultural issues, is especially careful when interviewing, thanks to indispensable prior preparation.

 

 

Domingos Peixoto e a dedicação a um instrumento basilar

Conhecer melhor a história da nossa História,
neste reencontro com as memórias,
faz-nos compreender decididamente Aveiro
e sermos mais competentes
nos caminhos de construção de mais e melhor futuro.
João Ribau Esteves
Presidente da Câmara Municipal de Aveiro (2018)

A literatura específica sobre o órgão, instrumento que acompanha a cristandade e que, desde a Alta Idade Média, teve desenvolvimento extraordinário, tem títulos significativos e reveladores, mercê também dos constantes “progressos” quanto à sua feitura através dos séculos. A bibliografia extensa revela sempre maravilhamentos, graças à abrangência e à majestade do instrumento. Se o cravo, em suas várias feituras, sofreu  modificações, mas permaneceu silente durante o século XIX; se os instrumentos de corda continuaram basicamente sem alterações; se o piano se beneficiou da revolução industrial, que resultou na utilização do aço e na tábua harmônica mais forte, a resistir à tensão das cordas; o órgão estaria sempre in progress devido à sua complexidade, a envolver uma quantidade enorme de materiais, apresentando-se, certamente, como o mais completo entre todos os instrumentos. Entre as suas insofismáveis qualidades tem-se a infinita variedade de timbres.

Domingo Peixoto, professor de órgão, estudioso perspicaz do seu instrumento eleito, já legou vários trabalhos literários relevantes sobre o tema, além de coordenar  temporadas organísticas e dedicar-se à restauração instrumental. Resenhei neste espaço uma obra sua anterior (vide blog: “Júlia D’Almendra e o Movimento Organístico em Portugal”, 09/09/2017).

Nessa derradeira turnê à Europa, recebi de Domingos Peixoto um de seus livros, este a pormenorizar “Os Órgãos Históricos de Aveiro” (Câmara Municipal de Aveiro, 2018). O autor primeiramente relata que registros da presença do órgão em Portugal remontam às primeiras décadas do século XIV. Na história de Aveiro menciona a presença de três comunidades religiosas fundadas durante um século, de 1423 a 1524. O instrumento permaneceu durante os séculos vindouros a ser indispensável nos ofícios religiosos, num amálgama com o coro. O mais antigo órgão barroco em Aveiro, da igreja da Vera Cruz, tem a data no someiro, 1753, instrumento construído por Juan Fontanes de Maqueyra.

O autor observa que, já na primeira metade do século XVIII, “o organista terá cada vez mais a função de acompanhar o canto litúrgico, cujo texto passará progressivamente a ser cantado na íntegra. Começará, assim, a desenhar-se um novo cenário no palco litúrgico: o diálogo passará a ser não entre o órgão e o coro, mas entre dois grupos de cantores, ou entre os cantores e uma comunidade/assembleia, que o organista acompanhará de forma contínua”.

Domingos Peixoto mostra-se didata vocacionado, pois desde o primeiro capítulo, “Contextualização”, o leitor se familiariza com os porquês do órgão na comunidade em três basilares contextos: socioeconômico, religioso e litúrgico. Em todos os outros nove capítulos referentes a órgãos de Aveiro, Peixoto historia e pormenoriza, da procedência à feitura, revelando intimidade com todo o material utilizado em cada órgão, fruto da engenhosidade de organeiros, fato que amplia enormemente a pesquisa, mercê da diversidade. Se o resultado sonoro tem certa similaridade entre os vários instrumentos, a estrutura de cada órgão determinaria timbres personalizados. Peixoto detém-se nessa investigação criteriosa, na diversificação dos tubos verticais nas suas variadas dimensões; naqueles em chamada, geralmente não uniformes no que tange ao direcionamento das cornetas, podendo ser horizontais, verticais ou com inclinações diversas; na tubaria como um todo. A ausência de pedaleira nos órgãos ibéricos, que inibe os graves mais profundos, talvez tenha privilegiado a feitura de tubos menores para determinados órgãos. Atento aos registos de cada instrumento, pormenoriza-os. As talhas barrocas em madeira, realizadas por mestres especializados, merecem também a atenção do autor.

Domingos Peixoto reserva especial atenção ao “Órgão Grande” da Igreja de Jesus. Escreve: “Lançada a primeira pedra da igreja em 1462 com a presença de D. Afonso V, o edifício do novo mosteiro seria inaugurado solenemente em 31 de Dezembro de 1464 e 1 de Janeiro de 1465. O monarca deslocar-se-ia de novo à Vila de Aveiro em 1466 para assistir à profissão das princesas religiosas. As últimas décadas do século XV foram marcadas pela presença da Infanta Dona Joana entre 1472 e 1490, ano do seu falecimento, e pelo despertar do culto à Santa Princesa”. Na realidade, cultuada, Santa Joana Princesa é apenas reconhecida pela Igreja Católica como beata.

O autor lamenta estar o “Órgão Grande” desativado. Comenta: “Uma particular interpelação é feita pela majestosa obra de arte que representa o ‘Órgão grande’ da igreja de Jesus – o ex-libris da nossa vida organística – cuja opulência rivaliza com o esplendor setecentista das festas em honra de Santa Joana; mas, dele subsiste in loco apenas a fachada”.

Domingos Peixoto constata que “… apenas dois desses órgãos estudados foram restaurados: o do coro alto da igreja de Jesus e o da igreja da Misericórdia, faz agora quinze anos… Resta-nos esperar que destas linhas brote um impulso novo à recuperação do conjunto dos órgãos históricos da cidade, uma ‘maioria silenciosa’ à espera de quem lhe dê a palavra”.

De muito interesse os apêndices de “Os Órgãos Históricos de Aveiro”, pois Domingos Peixoto aborda instrumentos já desaparecidos, outros órgãos de menor dimensão, alguns domésticos, espalhados pela cidade e vizinhança, os modernos, utilizados também em ambientes laicos, sendo que vários fabricados no Exterior. Tanto nos órgãos Históricos como em outros mais, o especialista Domingos Peixoto analisa os poucos restauros realizados.

De suma importância o debruçamento através de décadas a que se dedicou Domingos Peixoto, sempre com o olhar amoroso, legando ao leitor e à História uma obra basilar em bela edição e plena de ilustrações que corroboram o entendimento.

Dos pouquíssimos órgãos barrocos que ainda subsistem no Brasil, apenas quatro, localizados em Minas Gerais, funcionam bem. O órgão da Igreja Matriz de Santo Antônio em Tiradentes, encomendado em 1779 e construído na cidade do Porto, chegou à cidade em 1798 e teve moldura entalhada, pintura e douramento realizados por artistas no Brasil. Nos anos 1982 e 1991 dei recitais a privilegiar composições de Manuel Rodrigues Coelho (1555-1635), Champion de Chambonnières (1601/2-1672), Johann Kuhnau (1660-1722), Carlos Seixas (1704-1742) e Sonatas para órgão e cordas de Mozart (1756-1791), no âmbito dos Festivais de inverno em Prados, MG (1982-1991), fundado pelo Maestro Olivier Toni (1926-2017).

Domingos Peixoto, an authority on organology, presents us with “Os Órgãos Históricos de Aveiro” (Historic Organs of Aveiro), a book that adds to other researches by the author, establishing a milestone in the unveiling of the existing organs in Aveiro, from baroque to modernity.