A Pureza de um Autor

Posso afirmar que envelhecer assim
‘combatendo o bom combate’
não é ruim…
Envelhecer com vida e garra
é para quem merece !

Norberto de Moraes Alves

Torna-se mais acentuada a diferença entre o que deve ser lido, ouvido, visto pelo cidadão no entender da mídia, em comparação ao que pensa parcela surda e operosa que produz e assimila à margem da divulgação. Quando a mídia incensa determinado autor, seja qual for o seu valor, imediatamente o cidadão que lê, ouve e assiste a teatro, filmes ou TV corre para sentir o odor do incenso, seja este especiaria ímpar, ou simples resina qualquer a queimar. Foi assim no passado e perpetua-se em ascensão geométrica no presente. Basta uma excentricidade ou inovação, duvidosa ou não, e determinado autor é eleito pelo público. Todavia, espalhados pelo planeta, escritores, poetas, pintores, escultores e compositores ainda reverenciam modelos execrados pela modernidade “criativa” ou pelos adeptos do modismo forjado.
Por serem menos conhecidos, autores “ocultos” pareceriam entender situações. Uns se conformam, outros retêm uma tristeza notória e outros mais convivem com a realidade e continuam a produzir no mais autêntico sentido vocacional. Entre tantos, há inúmeros com real valor e que pelas mais variadas razões jamais foram procurados pelos meios de comunicação. Esse fenômeno não acontece só sob a guarida do cada vez mais inclemente sol tropical. Autores que se notabilizam – tantas vezes ungidos artificialmente – aqui e alhures acham-se no direito de tudo dizer, de opinar como arautos, e infinidades de absurdos e arbitrariedades são proferidos em entrevistas, sob a égide de mitos reais ou forjados. Mais deprimente quando a “fama” veio outrora e, durante o resto da existência, o autor prossegue em obras recorrentes. Em todas as categorias da Cultura. O grande público, sem captar o engodo, tem a certeza de estar diante da “verdade”.
Em nosso país, figuras notáveis estão a produzir cultura ainda à “antiga”, mas num universo criativo sensível, distante de modismos efêmeros. O tema surgiu após novas visitas a Bragança Paulista. Tenho conhecido figuras que me sensibilizam. Durante aproximadamente duas décadas permaneci quase que isolado nos “meus” bancos da Praça José Bonifácio, ou no quarto no Grande Hotel Bragança, a fim de escrever artigos para publicações arbitradas no Exterior, ou ouvir material gravado na Bélgica que seria convertido em CDs, respectivamente. Pouco a pouco, figuras humanas extraordinárias cruzaram meu caminho e, se continuo a visitar Bragança Paulista, basicamente pelos mesmos motivos, haverá sempre o congraçamento com essa gente generosa da cidade.
Os bons amigos, Hugo e Rosana, da Hughes Mens Wear, estabelecimento junto à praça mencionada, apresentaram-me a Norberto de Moraes Alves, escritor e poeta de Bragança Paulista. Iria dar um recital na cidade, mas previamente o querido casal presenteou-me com um livro de Norberto. Sensível dedicatória do autor enriquecia a obra. Após o recital, o escritor e poeta oferece-me outros dois livros. O simples folhear, já no Hotel, causou-me interesse. Após a leitura das três obras contendo contos, poesias e crônicas, tive a sensação de leveza. Norberto é um puro e escreve amorosamente. Percebe-se que o autor tem prazer em narrar suas experiências, fértil imaginação na criação de contos diversificados em seus temas e uma veia poética sensível e inteligível.
Acompanhá-lo em três livros que se estendem pela primeira década deste século é apreender a vocação autêntica dirigida aos textos curtos, de síntese, que captam a própria essência do episódio. A condução dos contos é realizada com maestria e os personagens integram a narrativa de maneira homogênea. São participantes efetivos durante o desenrolar da trama.
As Flores da Lua (Piracicaba, Degasperi, 2001, 140 p.) tem prefácio da filósofa Marilena Chauí que, ao comentar dois contos, entre outros, escreve: “Se sorrimos, às vezes, e nos emocionamos, outras vezes, também não podemos deixar de perceber a crítica social que se desenha em filigrana em contos como ‘Bicho de pé’ – o mundo feito e desfeito num intervalo eleitoral – e ‘Momento de decisão’ – a vida destroçada por uma economia que despreza a terra e sua gente”. Acrescentaria o conto A Herança, nítida posição frente à vida e à posição social, mormente entre membros de uma mesma família.
Norberto de Moraes Alves tem o dom de fazer crítica sem perder a elegância da escrita ou o controle dos personagens. Bons e maus, justos e injustos, nesses breves contos não se degladiam ferozmente. Permanecem num antagonismo quase que discreto, exceção ao conto Fidelidade, que tem como cenário fazenda do século XIX e onde a tragédia vai impor-se de maneira absoluta, mercê de trama a envolver paixão, adultério, brancos e negros. Em outros contos, o autor, que ao ingressar no magistério público em plena Serra da Bocaina, precisamente em São José do Barreiro (Vale do Paraíba), sofreria efeitos do linguajar do povo simples existente nessa extensa região, entrega aos personagens essa fala do caipira e do caboclo. Demonstra virtuosidade nessa configuração que perpassa alguns contos. Em outros, como Capaiz !!!, Um fato insólito e O Cordeiro de Deus, Norberto de Moraes Alves trata de maneira hilariante as narrativas, e um humor incisivo seduz o leitor. Há por vezes, na condução dos contos presentes nesse livro e em Sopro de Ternura, certa proximidade com os Contos da Montanha, do extraordinário escritor português Miguel Torga. Se em Torga as descrições que envolvem humor ou tragédia estariam a revelar densidade na escrita – peculiaridade do autor – e estilo a proporcionar ao leitor a sua detectação, em Norberto Moraes Alves uma descontração, um quase divertir-se ao escrever, percorre os textos. Mas é a presença, nesses breves escritos de ambos, do homem da pequena aldeia ou do campo em seus afetos e idiossincrasias que merece ser apreendida.

Em Quintal dos Sonhos (Bragança Paulista, Barletta, 2007, 112 p.), o poeta cria imagens líricas plenas de singeleza. Tocam fundo. Distante de qualquer tendência modernista, Norberto prefere falar direto à sensibilidade de cada leitor. Poemas expressivos, diáfanos, diria até puros na plena acepção da palavra, revelam o que o autor é na realidade. Se em Insegurança versos captam esse estado:

“Quando quero falar de amor
e não encontro a palavra exata,
navego em pensamentos
qual indecisa fragata,
enfrentando o mar revolto
a ponto de naufragar” ;

se em Pesadelo:

“A dor se fez sofrimento
sem tempo de despertar” ;

ao versar Sobre a Inspiração, a luminosidade se dá:

“Inspiração
é qual arpejo,
de melodia
que atravessa
as nuvens
de um sonho.
São acordes
de um lamento
de saudade
e de desejos.
Entregue-se,
navegue por ela
mesmo que
por um só
momento…”

Ao escrever Sopro de Ternura (Bragança Paulista, ABR, 2009, 126 p.), Norberto retorna aos poemas e contos, a criar novas imagens e personagens. Os belos versos de A Rosa e a Eternidade são exemplos:

“A rosa não se perpetua
pela forma, pela cor
ou pela nobreza da flor
da qual é revestida,
mas pela pétala
que flutua,
deixando que o aroma,
aos poucos, no tempo se dilua
e busque no infinito
a semente…
de todo o sempre.”

Humor e tragédia se intercalam no segmento destinado aos contos, e Le Due Sorelli e O Anjo de Asa Quebrada são exemplos, respectivamente. Algumas breves crônicas, geralmente a homenagear entes queridos que partiram para a outra margem, encerram o livro.
Norberto de Moraes Alves é esse puro que encontra na pena o exteriorizar sentimentos que as novas gerações estão sendo induzidas a sufocar. Sua escrita fica como um farol que, ao ser visto, proporciona ainda salvaguardas para a existência.

On one of my visits to the city of Bragança Paulista I had the privilege of knowing the writer Norberto de Moraes Alves, who lives in the city and offered me three of his books. In this post I give an account of my reading, completely captivated by the lyricism of his poems and the simple elegance, conciseness and imagination of his short stories.

Visitá-lo em Prazo Certo

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Gil na tarefa de desbastar cabelos. Clique para ampliar.

Barba ensaboada,
meio rapada.

Adágio açoriano – S. Miguel

Um de meus primeiros posts para o blog abordou o livro Postais Paulistas, de Frederico Branco (vide Frederico Branco – A Revisitação das Imagens Perdidas, 09/03/07). Em uma das crônicas, Muito além do Vesúvio, o autor descreve velha barbearia que costumava frequentar. Não esquece nenhum pormenor e, bem mais tarde, ao referir-se a uma mais moderna, observa com certa nostalgia que “não se fazem mais barbeiros nem salões como os de antigamente. Nem clientes, como verifiquei há dias”. A descrição que Frederico Branco faz é exata se comparada àquela que mensalmente frequentava minha mente na infância. Tratava-se de uma garagem adaptada com azulejos brancos, situada bem próximo de nossa casa na Avenida Rodrigues Alves, na Vila Mariana, onde vivemos até o final da juventude.

Oficina de peruqueiro-barbeiro. França, século XVIII. Enciclopédia Diderot.

A profissão de barbeiro é muito antiga e foi-se transformando com o passar do tempo. Teve requintes no século XVIII em França. O ofício popularizou-se com o passar das décadas, a fazer parte do cotidiano. Curiosamente, no interior do Brasil, aquele que fazia o corte de cabelos e barba exercia, quando necessário, a função de “dentista”. Um boticão ajustado a um dente que estava a provocar dor, e a extração se dava. Quando de minhas incursões em busca da imaginária paulista nos anos 70-80, na região que se estende de Santa Isabel a Nazaré Paulista, no Estado de São Paulo, encontrei em um chiqueiro uma estranha cadeira completamente partida. Como andava sempre de botas naquelas ocasiões, adentrei o velho galpão, chafurdando naquela massa mole e informe, e retirei todas as partes dessa cadeira. Observei que havia resquícios de palhinha da India. A anciã, que habitava a casa simples coberta por sapé e bem próxima ao chiqueiro, disse-me que seu pai e seu avô haviam sido barbeiros e extraíam dentes. Quis saber mais e a idosa contou-me que, antes da extração, jovens ou velhos tomavam uma caneca de pinga e que, ainda menina, era a encarregada, quando ouvia o seu nome, de levar a aguardente já preparada para ser engolida de um só trago. Disse-me ainda que o pai de uma de suas comadres, que morava a tantas léguas de sua casa, desempenhara igualmente a profissão de barbeiro. Naquele mesmo dia encontrei, pois, duas cadeiras, sendo que a última estava inteira, sem palhinha, mas com uma tábua qualquer pregada, a fim de que se pudesse sentar. Serviu contudo como modelo para as restaurações que foram realizadas em São Paulo por um excelente especialista que conheci nos anos 70, Luca Miranda. Verificamos tratar-se de cadeiras de barbeiro da segunda metade do século XIX. Elegantes e funcionais, possuem um encosto regulável para a cabeça, o que proporcionava maior conforto para o freguês.

Cadeiras de Barbeiro. Século XIX. Clique para ampliar.

Todavia, foi no século XX que entre nós surgiram essas pequenas barbearias que cuidavam rotineiramente do corte de cabelos e do cuidado com a barba. Barbeiros tinham rara habilidade, nesse último caso, no manuseio da afiadíssima navalha, que ao menor descuido causava estragos, só não maiores graças ao álcool Zulu sempre à mão do profissional. Imperava a cadeira Ferrante, alta, confeccionada em ferro fundido e com a marca em letras grandes no repouso para os pés, também em ferro. Presentemente elas têm design bem diferente. Até hoje lembro-me do instrumental do barbeiro de minha infância, um descendente de imigrantes portugueses. Na minha memória ficaram tesouras comuns ou de desfiar da famosa marca Solingen; pentes de osso; bombinha a servir como vaporizador humidificante; pequena máquina manual que chegava a arranhar o pescoço e que servia para cortar com precisão pêlos os mais recalcitrantes; loção Sandar com perfume bem popular que, quando sobre a mesinha do profissional, tinha três camadas coloridas e que, antes de ser utilizada, era agitada pelo barbeiro, ficava turva e servia para o cidadão aplicar vigorosa massagem capilar; e finalmente, o talco. O corte para o miúdo, adolescente e jovem daqueles tempos era bem comum, sem nenhum sentido de esmero maior. Importava ao barbeiro desbastar o que crescera rapidamente em um mês e receber o que lhe era devido. Quando aguardávamos atendimento, revistas bem velhas serviam para fazer passar o tempo e um jornal esportivo estava à disposição. A conversa tinha como temas política e futebol, e já àquela altura a corrupção grassava. O aparelho de rádio permanecia ligado, ou dando notícias ou a tocar música popular brasileira do período.
Pertencente à classe dedicada ao trabalho que pode variar na intensidade, mercê da frequência dos clientes, geralmente o barbeiro é muito bem informado. Ouve, bem mais do que lê, e dificilmente não está atualizado quanto ao cotidiano, graças à diversidade cultural dos fregueses. Esse barbeiro de antigamente é cada vez mais raro e subsiste nos bairros, na periferia e nas cidades do interior. Profissional geralmente bem estimado pelos frequentadores. Infelizmente, o termo barbeiro, com a chegada das casas especializadas que atendem homens e mulheres, passou a ser quase que pejorativo. Atualmente nas grandes cidades, os barbeiros preferem ser denominados hairdressers ou hairstylists, e os estabelecimentos aos quais pertencem têm fachadas atraentes. Redes existem em que é notória a presença desses especialistas, não apenas mais jovens, mas também uniformizados. Como ainda pertenço às tradições, frequento os mesmos barbeiros e tanto Samuel como Gil conservam o estilo à antiga no corte e no trato. Isso me reconforta quando vou à poda dos cabelos, que teimosamente ainda cismam em crescer. Lembro-me que durante a quimioterapia, quando quase tudo veio abaixo, Samuel podava uns poucos fios desorganizados e insistia em receber apenas metade do preço tabelado.

Instrumentos de trabalho do Sr. Gusmão, pai de Uyara. Clique para ampliar.

O tema veio a propósito de uma conversa com meu amigo e vizinho Uyara. Disse-me que encontrara os instrumentos que seu pai utilizou durante décadas, pois barbeiro em São Sebastião do Paraíso (MG). Daí a estendermos recordações foi fácil. Frisou que seu Gusmão lhe dizia que o melhor couro para afiar navalhas era o de Anta, pois a lâmina deslizava com maciez. Meu saudoso pai também desempenhara a função de barbeiro durante a mocidade na cidade de Braga, em Portugal. Um de seus fregueses, Lourenço dos Santos, que mantinha uma casa comercial importante – Casa das Novidades -, convidou-o a vir morar e trabalhar em seu estabelecimento, o que ocorreu entre 1918-28, quando nosso progenitor veio tentar a vida no Brasil, amando Portugal, mas sem jamais retornar ao torrão natal. No entanto, durante toda a existência manteria correspondência com Lourenço e descendentes, a demonstrar gratidão eterna.

JEM a cortar cabelos de um menino. La Querye, França, 1960. Clique para ampliar.

Em texto bem anterior já mencionara minhas incursões no corte de cabelos, difícil tarefa para um leigo (vide La Querye – Férias Inesquecíveis, 09/02/08). Naqueles sempre lembrados 1960-61, quando das férias no departamento de Allier, na França, “exerci” a função de barbeiro à antiga, e miúdos filhos de meus amigos submeteram-se ao coiffeur improvisado. Se pratiquei calamidade em um dos cortes, a provocar um caminho de rato que consegui nos dias subsequentes, a duras penas, tornar menos evidente, safei-me razoavelmente nesse mister que era praticado ao ar livre. A foto, não publicada no post La Querye, foi encontrada recentemente dentro de um livro que estava a consultar. De jaleco típico, estou cuidando de um dos cortes. DNA? Só bem mais tarde soube dos predicados profissionais de meu pai, como barbeiro que foi durante alguns anos da sua mocidade.
Se incontáveis profissões podem jamais cruzar a vida dos cidadãos, a de barbeiro é uma das que o homem não pode prescindir, mesmo quando a devastação capilar se apresenta evidente. Subsistirá, e é motivo a mais, simples e tranquilo, para uma boa conversa descompromissada e periódica. Após a poda, a visualização através do espelho será a prova de que o barbeiro, geralmente mantido na fidelidade durante anos, trabalhou bem e merece o nosso agradecimento.

On Barbering and Barbers:
The starting point of this post was a chat with a friend, who mentioned his father had been a barber. It made me think about the ancient profession of barbering, the barbershops of my youth – walk-in salons with their arsenal of razors, scissors, brush, bone combs, after-shave lotions, antique barber chairs – and the high-end salons of today, with their teams of usually young uniformed professionals trying to accommodate tradition with modern practices, as fashion and trends evolve.

Menções de um Amigo

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Corrida de São Silvestre 2009. Poucos metros antes da chegada. Foto www.webrun.com.br . Clique para ampliar.

Por vezes olho na água meu rosto e minhas têmporas.
Não vejo cores vivas mas cabelos brancos.
Juventude perdida não se busca em nenhum lugar,
Haveria razão para turvar a água do lago?

Pai Chu Yi (772-846)

Prometi estender-me um pouco mais sobre a São Silvestre. Realmente, ela se torna a maior distância a que me proponho. Ser razoável é resultado de reflexão e, apesar da insistência de amigos corredores, não ousaria uma meia maratona, o que acarretaria treinos bem mais pronunciados e, com certeza, desgaste exagerado. Não estou eu a buscar apenas o prazer de correr e sua irmã gêmea, a qualidade de vida? Sob aspecto outro, a prova de 10 km, considerada clássica, torna-se para mim distância com a qual me sinto bem. São muitas espalhadas durante o ano e organizadas por várias entidades. Quanto às maratonas de revezamento, tem-se o congraçamento pleno e pertencer à equipe TA LENTOS reveste-se de uma alegria enorme. Somos oito a percorrer, cada um, 5 km e tantos metros. Se um faltar por motivo imprevisível, qualquer um de nós está apto a correr os 10.5 km. Uma energia só.
Tendo saído o resultado da São Silvestre 2009, verifiquei ter diminuído sensivelmente meu tempo pessoal, pois percorri a do ano de 2008 no tempo líquido de 02:10:34, sendo que na presente tive o desempenho em 01:48:07 (tempo bruto 02:05:06). Treinos mais acentuados, estratégia de corrida, dosagem e qualidade dos líquidos ingeridos, conselhos de diletos amigos corredores e conhecimento prévio do percurso ajudaram-me na performance.
Tive certa decepção ao procurar o resultado dos veteranos. Como a organização publica on-line a lista completa dos corredores e mais classificação, número afixado na camisa, idade, tempo bruto e tempo líquido, alguns da “terceira idade” não são idosos e há estranho conluio. No futebol há o caso dos denominados “gatos”, jogadores mais velhos que são registrados como sendo mais jovens. No caso da São Silvestre, ao contrário, figuras exibindo décadas a menos estão a correr com números originalmente atribuídos a cidadãos da terceira idade. É só confrontar resultados e fotos divulgadas com os números afixados no peito, sobretudo naqueles das últimas faixas etárias masculinas. Sempre serve de alerta a menção para que, no futuro, haja uma fiscalização à altura do magnífico evento. Há também aqueles que entram no meio da prova, ou quase no término, sem o número de inscrição, apenas para diversão. Não são poucos os que assim procedem.
Sob outra égide, foi uma surpresa receber via e-mail o belo texto do grande locutor esportivo das décadas de 60-80, hoje jornalista de sensível percepção, Flávio Araújo. Comove-me sua generosidade à flor da pele. Ao descrever a participação se seu filho caçula, Sílvio Américo, faz menções ao amigo igualmente septuagenário. Já o fizera anteriormente (vide Ecos da São Silvestre, 09/01/09). Transcrever o sensível texto traz-me felicidade e é um tributo a Flávio Araújo, inesquecível narrador esportivo. Agradeço ao dileto amigo ter permitido a publicação de sua crônica (04/01/10), originalmente destinada ao site www.ribeiraopretoonline.com.br para a Coluna Flávio Araújo.

A chegada. Tempo bruto: 02:05:06. Foto www.webrun.com.br . Clique para ampliar.

A São Silvestre tinha um toque de magia que
dominava a todos: do narrador ao público e aos atletas.

“Meu caçula correu a São Silvestre no último dia de 2009.
Estava lá desfilando sua juventude (de quarentão, diga-se, que para mim todos os que tem menos de 50 são jovens) pelas ruas quase sempre molhadas de São Paulo.
Realizou um sonho não apenas seu, mas alimentado ao longo dos anos por praticamente todos os seus irmãos mais velhos.
Que sonharam, mas não chegaram, como ele, às vias do fato.
Sílvio Américo materializou o desejo onírico dos demais.
Ao lado, ou próximo o quanto foi possível na imensa nebulosa humana que se formou, na condição de estrelas naturais do percurso, estava o meu querido amigo José Eduardo Martins, um dos maiores pianistas deste país e já veterano da competição, a que compareceu no ano passado com uma mensagem significativa, humana, emocionante.
E invulgar.
José Eduardo é uma figura admirável de brasileiro que não esconde seu DNA lusitano e o dignifica subindo com o mesmo aos cumes da altanaria e civilidade.
Contou-me Zé Eduardo que seus devaneios de correr a São Silvestre nasceram quando, bem jovem, ao lado do pai, o sábio José da Silva Martins, dois pares de bons ouvidos colados a um aparelho de rádio ouviam as transmissões que o locutor – transmudado pelo tempo em redator – levava até eles na última noite do ano.
Essa citação me remete aos tempos da São Silvestre noturna com saída e chegada na Avenida Cásper Líbero, pertinho das Estações ferroviárias da São Paulo de então.
Saia na frente da vanguarda que deixava a parte fronteira do Edifício onde ficavam a Rádio Gazeta e a flamante A Gazeta Esportiva, a patrocinadora e organizadora da competição.
Literalmente amarrado por cordas à carroçaria de uma das viaturas da emissora.
Era dessa forma que via, por um largo e sequente período, um Novo Ano raiar.
Não havia televisão e com a ausência de suas muitas câmeras não se podia, como os colegas da atualidade, fazer uma transmissão plena de detalhes de um estúdio abrigado e confortável.
Havia a necessidade de ir a campo e se ombrear aos participantes e às indefectíveis motocicletas da Polícia Militar de São Paulo para que meus olhos pudessem visualizar algo e transformar essa parca visão em sons entusiásticos.
A SS tinha algo de magia para o jovem locutor e para o público que lotava as ruas onde passavam os participantes.
Bem amarradinho ao meu posto, eu me considerava um deles.
E a narração que o microfone filtrava era distribuída generosamente para todo o hemisfério, creiam.
O por quê ?
Acontece que a prova de então não era uma disputa de brasileiros contra quenianos ou até mesmo de africanos contra africanos, como aconteceu na última quinta-feira.
O primeiro brasileiro só surgiu depois de sete estrangeiros.
Não havia reserva de mercado e, no caso, só se esse preceito se estendesse aos países participantes e não às individualidades.
Além dos europeus, competiam sempre atletas do México, da Colômbia, do Equador, do Chile, Argentina, Uruguai e vai por aí afora.
Como as transmissões em Ondas Curtas eram mesmo potentes, tornava-se comum a cadeia que conosco faziam diversas emissoras de países que tinham competidores correndo pelas ruas de São Paulo.
Pela dificuldade nas comunicações, nosso som era aleatoriamente colocado no ar nos mais diversos países da Costa do Pacífico.
Depois de dois ou três dias começavam a chegar os telegramas da All América Cables com as informações dessas emissoras dando conta (além das saudações costumeiras) de como a transmissão fora recebida.
Quase sempre, um ‘canhão’.
Hoje, mudou a São Silvestre?
Ou mudamos nós?
Como o Natal de Machado de Assis, no seu célebre conto ‘A Missa do Galo’, creio que é ’sim’ a resposta para ambas.
Ante a força do progresso a minha voz, ou minha escrita, como nos versos de Noel Rosa, silencia.
Que ressoem em mim apenas as lembranças e que estas possam servir aos mais jovens sem nenhum sentido de dicotomia entre uma e outra época ou de que o ontem foi melhor do que o hoje e vice-versa.
Só reforçando a frase que diz que recordar é viver.
Ainda me recordo, logo …
E se estou vivo, aproveito para desejar um FELIZ ANO NOVO a todos vocês que me acompanharam até aqui, desejando que estejamos juntos também em 2010.”

Junto-me aos votos de Flávio Araújo: paz, saúde, convívio humano e realização neste 2010.

The impact of the Saint Silvester on the runners is strong. Going on with the subject of my previous post, I give more details of my performance in the 2009 race and also transcribe here the article of my friend and journalist Flávio Araújo posted on Ribeirão Preto online sports section. He gives his view of the race as it is today and as it was in the past, when it was held at night, and does not hide his enthusiasm with the participation of one of his sons in last year’s race.