O músico Luiz de Godoy, um talento incontestável.

Tenhamos confiança absoluta nas energias da vontade.
Saber querer é o sagrado mister dos corações sensíveis.
Austregésilo de Athayde (1898-1993)

Foi uma gratíssima surpresa o Concerto a que tive a grata oportunidade de assistir aos 19 de Maio último. Celebrava-se a data festiva do Coro da Osesp, criado em 1994, que se dedica prioritariamente ao repertório a abranger a música brasileira dos século XX e XXI. Esteve a conduzi-lo, nesse dia, o ainda jovem e já internacionalmente consagrado regente coral Luiz de Godoy.

Em blog bem anterior (vide Luiz de Godoy, 24/12/2016) já me pormenorizei sobre parte da atuação meritória de Luiz de Godoy como mestre-de-capela frente aos Meninos Cantores de Viena (2016-2019), um dos mais renomados grupos do gênero em termos mundiais, com 525 anos de história! Com os Meninos Cantores excursionou por 26 países. Simultaneamente, atuou como diretor do Coro Acadêmico da Ópera Estatal de Viena (2016-2018) e assistente de direção artística da Academia de Canto de Viena (2015-2019). Presentemente integra o corpo docente da Escola Superior de Música e Teatro de Hamburgo, na Alemanha.

A premissa sobre a atuação de Luiz de Godoy se faz necessária, máxime pelo fato de ter ele sido meu aluno na Universidade de São Paulo. Estou a me lembrar de Luiz de Godoy, que já estava em pleno curso na Instituição, adentrar a minha sala perguntando se doravante poderia ser eu o seu professor de instrumento. Ao se por ao piano e executar uma complexa obra de Oswaldo Lacerda tive a certeza de estar diante de uma joia rara. Aposentado, ainda continuei a dar aulas em nossa morada ao atento e esperançoso jovem, até a viagem à Europa empreendida por Luiz de Godoy, mercê de uma bolsa da Erasmus na Academia de Música e Dança de Colônia e na Universidade de Música e Performance Artística de Viena. Saliento a importância fundamental, na formação musical de Luiz de Godoy, do professor Renato Figueiredo, que delineou o perfil musical do então menino de 11 anos, seguindo criteriosamente  a sua evolução ao longo dos anos.

Sala São Paulo lotada. Deu-se a apresentação do Coro da Osesp sob a direção do regente convidado Luiz de Godoy, hoje um músico rigorosamente completo, um dos mais destacados da atualidade nas atividades a que se propôs. Saliente-se a participação especial do Coro Acadêmico da Osesp, dos pianistas Fernando Tomimura e Juliana Ripke e do acordeonista Gabriel Levy.

Primeiramente salientaria o gosto pela elaboração do programa, dele a constarem 10 obras significativas extraídas da música coral do século XV à atualidade. Luiz de Godoy, mui pertinentemente, pronunciou-se sobre a escolha do repertório, elencando os compositores e os seus propósitos em relação à criação.

Segui atentamente o desenrolar da apresentação, que manteve o público silencioso durante todo o prosseguimento do evento, respeito ao programa, tributo ao regente. O roteiro planejado seguiu harmoniosamente e, à medida que evoluia, mais cativava o auditório. A alternância das peças e seus respectivos moods evidenciaram não apenas a qualidade inerente do Coral da Osesp, como propiciaram a observância de determinadas qualidades do regente Luiz de Godoy, não apenas no aspecto estritamente musical como no gestual adequado, sem quaisquer exibicionismos, mas a apreender as essencialidades das partituras.

Estou a me lembrar de uma resposta da notabilíssima Nadia Boulanger (1887-1979), compositora, musicóloga, educadora musical francesa, a uma pergunta que lhe formulei quando de uma visita à sua morada. Qual a essência-mor da interpretação? Respondeu-me que era saber graduar as intensidades e que a maioria dos intérpretes trabalhava numa faixa intermediária, evitando as extremidades. Guardo os sábios conselhos da excelsa mestra desde sempre. Luiz de Godoy é um dos que cuidam das intensidades com esmero. No todo da apresentação, que exibiu quase sete séculos de exemplos pontuais, Luiz de Godoy cuidou da gama de intensidades, da quase inaudível à mais potencializada, o que resultou numa escala extraordinária do espectro sonoro. Essa apreensão do regente, rara nos tempos atuais, importou para cada obra interpretada pelo Coro da Osesp, apesar de estilos e adequações, mercê da cronologia, um interesse adicional. Quanto ao estilo, saliente-se a condução de Luiz de Godoy na sempre complexa compreensão dos períodos históricos. Uma tão extensa linhagem de compositores, que se estende por tantos séculos, poderia “homogeneizar” estilos. Na alternância do programa do passado ao presente, mais nitidamente ficou marcada a assimilação estilística. Luiz de Godoy soube transmiti-la ao Coral da Osesp, que tão bem a apreendeu. Creio que, em quaisquer interpretações, a compreensão estilística, adquirida através do conhecimento necessário das fontes primeiras, manuscritos definitivos ou rascunhados, fac-similes destes, partituras impressas, literatura pertinente e competente, proporciona ao músico a certeza da distância do equívoco. Se talento descomunal existir por parte do músico, emergirá a execução que servirá de modelo.

Luiz de Godoy não cuidou apenas do conteúdo musical em si. Preocupou-se em valorizá-lo sob égides outras, como a posição dos coralistas, que por vezes se deslocavam com a finalidade de determinado resultado sonoro previsto pelo regente, como na encenação relativa à última obra apresentada, O Mare Nostrum, da compositora holandesa Camille van Lunen (1957). Ao término desta, os coralistas, ao caminharem pelos corredores  pronunciando um autêntico mantra, conquistaram decididamente o numeroso público.

Encantou-me igualmente sua concepção de uma obra que me é muito cara, Magnificat em talha dourada: Ó, meu menino, do ilustre compositor português Eurico Carrapatoso (1962). Das várias versões que conhecia, algumas no Youtube, foi a interpretação concebida por Luiz de Godoy e executada com expressividade comovente pelo Coro da Osesp a que mais me impactou.

Neste país em que escassearam os valores maiúsculos voltados à música erudita, de concerto ou clássica, quando comparado a tantos do hemisfério norte e do Extremo Oriente, o surgimento de um músico de primeiríssima qualidade, hoje consagrado pelo seu talento, ombreando com os maiores do gênero em âmbito mundial, realmente é jubiloso.

Bem haja Luiz de Godoy em sua bela carreira.

The Osesp Choir’s performance under Luiz de Godoy was ineffably beautiful. Luiz de Godoy is now at the highest level of the planet’s great choral conductors. The concert held at Sala São Paulo on May 19 will remain etched in the memory of a large and attentive audience.

 

Nova criação sinfônica de François Servenière

É necessário evitar estar na moda no nosso métier!
Ao menos se buscamos outra coisa que as satisfações imediatas, materiais notadamente.

Nenhum compositor pode estar seguro que a sua música sobreviverá;
mas um método certo para escapar da posteridade, é seguir os ditames da moda.
Ela passará certamente, a música com ela, enquanto que uma música pensada fora dessass preocupações conserva uma chance de se increver na história.
Serge Nigg (1924-2008)

Inúmeras vezes o notável compositor francês François Servenière (1961-) esteve presente neste espaço, não apenas através de suas composições, como igualmente a partir de reflexões sempre plenas de interesse sobre música, artes e a atualidade em suas ramificações. Enviou-me recentemente uma composição ousada, recém-composta e plena de simbologia. Trata-se da “21ème Renaissance”, Sinfonia Concertante em um só andamento, subdividida em 16 pequenos episódios.

Deixemo-lo expor, através de frases retiradas da sua exposição preliminar, os motivos que o levaram à criação da significativa composição: “A luta contra todo o absolutismo e contra todo o obscurantismo é sempre uma luta pela vida, mas esta última termina sempre em triunfo. Iniciado no outono de 2014, ‘21eme Renaissance’ é uma metáfora lúdica do nosso tempo nesta batalha permanente entre os titãs – o niilismo e a morte contra a vida. A nossa época tem o privilégio de testemunhar a culminação das consequências catastróficas da ideologia deletéria em todos os níveis da sociedade. O pano de fundo da atmosfera neoclássica pós-moderna é enriquecido pelas contribuições técnicas dos meados do século anterior. Séries, ritmos, atonalidade, radicalismo, música repetitiva, apologia de períodos anteriores e mestres inspiradores misturam-se e dão uma cor muito inovadora numa partitura revolucionária para o nosso tempo”. Uma rica orquestração, acrescida de 60 vozes, dimensiona o grandioso projeto. Nesta permanente luta do bem contra o mal, resulta a morte do demônio, justamente no compasso 666, número este expresso no livro do Apocalipse, cap. 13, versículo 18: “Aqui há sutileza! O homem dotado de espírito calcula o número da Besta, pois é o número do homem, e o seu número é 666”. Considere-se que, “tanto em grego como em hebreu, cada letra tinha um valor numérico correspondente à sua colocação no alfabeto” (La Sainte Bible, Paris, Du Cerf, 1956, pg.1631). Servenière observa: “O suposto ‘número da Besta ou de Satanás’ tem propriedades matemáticas incríveis…”

“21ème Renaissance” se apresenta, sob determinada ótica, como uma obra à margem das inúmeras tendências composicionais – tantas delas arrivistas – que surgiram a partir da metade do século XX, mais acentuadamente, e que levaram o ilustre compositor francês Serge Nigg a dizer que, quando verifica o grande número de compositores que se apresenta num Festival de Música Contemporânea, “sente frio na espinha”.

François Servenière domina a escrita composicional. Cultua o passado, respeita-o, mas inova sempre a partir das bases sólidas adquiridas. Suas composições, sejam elas para piano solo, canto e piano ou orquestrais, revelam o mestre. Tendo gravado várias de suas composições, Sept Études CosmiquesAutomne CosmiqueTrois Morceaux pour endomir l’enfant d’un artiste, Promenade sur la Voie Lactée e três peças das Tribulations d’un écureuil Lambda, entusiasmaram-me os processos técnico-pianísticos elaborados, a qualidade escritural sem quaisquer indícios de panfletarismo e a criatividade de Servenière.

Os dezesseis quadros da Sinfonia Concertante, apesar da diversidade, têm elos que tornam a obra identitária. São as impressões digitais de um autor que configuram o compositor com linguagem definida. Sinais presentes em “The Sacred Fire”, outra obra maiúscula de Servenière (vide blog: “The Sacred Fire”, 06/05/2023).

A presença, em tantos segmentos, do “ostinato” em diversificada instrumentação, somada às modulações constantes e a escrita irrepreensível, possibilitam o amálgama perfeito com a temática inspiradora, no caso, vida e morte. Essas aparições repetitivas e insinuantes não seriam o peristilo do drama ou tragédia atual, em que ideologias antagônicas se degladiam, hoje globalmente, sempre mais acidamente? Não seriam o grito angustiado da humanidade a não antever a paz duradoura?

Um aspecto que é fulcral nas composições de François Servenière é a coerência. Tendo transitado por inúmeras de suas obras, sempre admirei no autor essa qualidade. Tanto em “The Sacred Fire”, como na atual “21ème Renaissance”, detecta-se o fio condutor de sua arte composicional. A dialética estaria presente, pois Servenière, nos tantos quadros musicais de impacto, busca o diálogo, mas sempre com o intuito de defender suas posições, máxime em se tratando da eterna disputa do bem contra o mal no mundo hodierno tão pleno de discórdias, extremismos e absoluto descaso pelo ser humano. A morte do demônio, justamente no paradigmático compasso 666, é a possibilidade da esperança e Servenière a tem.

Numa outra visão, poder-se-ia acrescentar que François Servenière distancia-se daqueles que buscam guetos composicionais, que se nutrem da aceitação quase unânime de seus reduzidos membros. Sob outra égide, também a aceitação plena, sem assimilação da criação, não o entusiasma. As temáticas dessas últimas obras sinfônicas estariam voltadas à denúncia daquilo que, hélas, se avizinha, o recrudescimento da nefasta dualidade, o desprezo ao entendimento mercê das posições herméticas existentes. Antolha-se-me que François Servenière atende aos seus anseios latentes, que se expressam através da música. E esta é traduzida na partitura através das únicas verdades absolutas, o bem contra o mal, vida e morte.

A dimensão musical se potencializa através das imagens pertinentes que acompanham cada capítulo musical. São pinturas marcantes de gênios dos séculos XIV, XV e XVI, que se coadunam à perfeição com o conteúdo musical. Ao fim de cada segmento, a imagem se pulveriza, a propiciar a espera de outro segmento, nesse longo caminhar das origens do homem à morte do mal. Haveria melhor argumento para definir a esperança?

Clique para ouvir, de François Servenière, 21ème Renaissance – Sinfonia Concertante:

(603) 21ème RENAISSANCE – François SERVENIÈRE – YouTube

Os dezesseis segmentos da “21ème Renaissance:

1. Criação do mundo
2. Luta do bem e do mal
3. Elfos e Anjos
4. Corrompendo Lúcifer
5. A Dança do Diabo 2
6. O nascimento da vida
7. Niilismo e sua procissão de aves da desgraça
8. A luta contínua entre o bem e o mal
9. A colocação para o resto da vida
10. O amor destrói o niilismo (coral)
11. A dança infantil da alegria
12. Embriaguez da juventude
13. FINAL
14. A força vital primitiva, monstruosa e rebelde
15. A vida, o único órgão do Universo
16. A morte do diabo (compasso 666)

A recurring debate has agitated the art world and global society since the dawn of humanity: the struggle between the ancient and the modern. “21ème Renaissance, Sinfonia Concertante in one movement”, is the latest symphonic creation by the illustrious French composer François Servenière. Life and Death are present and the composer ends the work at measure 666, apocalyptic because it represents the death of the devil.

 

Tudo a indicar a constante ascensão

Não corro como corria
Nem salto como saltava
Mas vejo mais do que via
E sonho mais que sonhava.
Agostinho da Silva

Alegrou-me o fato de vários leitores desejarem uma bela carreira ao jovem pianista, merecedor de muitos elogios pela franqueza com que se posiciona, ausência de empáfia e visão real de uma atividade que é sempre plena de surpresas, exigindo do intérprete uma capacidade singular de concentração, dedicação imensa, sacrifício, mas que o conduz a estágios de alma, quiçá, raríssimos entre as incontáveis atividades humanas. A continuar as considerações do jovem pianista, ficariam expostos posicionamentos que podem servir de reflexões a tantos outros talentos que, por motivos pessoais, não externam dúvidas e anseios.

Jovem Pianista - Eu sei que não posso me fixar em um, dois ou três compositores apenas e ficar com um repertório “limitado”. Tenho já um bom número de obras importantes privilegiando grandes compositores. Mozart, por exemplo, quero estudá-lo com mais afinco, pensando no momento em mais uma das suas Sonatas.

JE – Sim, Mozart é indispensável. Recomendaria a Sonata em lá menor, realmente uma das suas mais importantes criações do gênero e também a Fantasia K.475 em dó menor, obra singular, pois Mozart passeia por várias tonalidades com a leveza e a dramaticidade que conhecemos. Um verdadeiro “laboratório”, pleno de opções interpretativas. Sem contar os seus Concertos para piano e orquestra, alguns deles magníficos.

J.P. Acho que tem também a ver com a fase da vida em que estou. Por exemplo, eu adoro a Sonata de Liszt e penso estudá-la. No ano passado tive que estudar determinada obra relevante para um recital, porque pediram uma em especial. Toquei-a contrariado. Fiz o melhor que pude, claro, e saiu bem, mas foi um alívio quando acabou o concerto e a pude deixar. E é uma obra que eu adoro. Mas agora não estou mesmo nesse espírito e senti-me desconectado com o que estava a tocar.

JE – Poderia afirmar-lhe que jamais toquei uma obra pelo fato de uma determinada organização assim solicitar. É lógico que há tributo a pagar, pois algumas delas não gostam de ser contrariadas. Certamente o seu descontentamento veio também pelo fato daquele pedido. Estou a me lembrar de episódio que se deu muitas décadas atrás. Um renomado regente brasileiro me convidou para tocar com a sua orquestra. Sugeri duas obras que não são longas, a Fantasia de Claude Debussy (1862-1918) e o Concerto de Albert Roussel (1869-1937), alegando inclusive que tinha todo o material de orquestra. O regente afirmou que teria de ser o Concerto de Edvard Grieg (1843-1907), hiperconhecido, pois os dois Concertos sugeridos não atrairiam público. Recusei. O repertório que o prezado jovem anexou à mensagem já é considerável e isso é louvável. Incorpore outros compositores, entre eles Scriabine, Rachmaninov, Prokofiev, Debussy, Ravel, Bartok, Alban Berg, Villa Lobos… Tenha sempre nos dedos alguma suíte de J.S.Bach e peças de Scarlatti, Rameau, do português Carlos Seixas… Quanto aos contemporâneos, cautela. Nem sempre compositores endeusados pela mídia são os melhores, mas, em certos casos, compositores da moda. Saber escolhê-los requer conhecimento de algumas técnicas hodiernas, que se somam àquelas ainda ligadas à tradição. Alguns compositores seguidores desta linha podem, contudo, trazer inúmeras inovações quanto ao piano. Tendo visitado várias tendências, não me arrependo de nenhuma escolha. Arnold Schonberg (1874-1951), que empreendeu caminhada a partir de um romantismo tardio ao atonalismo, que o levaria à técnica de composição por ele idealizada, o dodecafonismo, já dizia: “Há ainda muita música boa para ser escrita em dó maior”. Foi um privilégio ter interpretado autores como Gilberto Mendes (1922-2016), Ricardo Tacuchian (1939-), Jorge Peixinho (1940-1994), Almeida Prado (1943-2010), Paulo Costa Lima (1954-), François Servenière (1961-), Eurico Carrapatoso (1962-) e tantos outros… Só não estudei criações para piano preparadas ad libitum ou, então, com o auxílio de quaisquer aparelhos eletrônicos.  Creio sagrado um instrumento que atingiu a perfeição. A inventiva humana é incomensurável. São tantos os instrumentos, eletrônicos ou não, que brotaram de cérebros talentosos! Que continuem a fazê-lo. Em recital que realizei em 1998 em Cardiff, País de Gales, havia três pianos de cauda inteira à disposição. O melhor fora danificado na noite anterior por um compositor-pianista do norte da Europa que preparara o piano. Tendo colocado objetos sobre a tábua harmônica e também entre as cordas, avariou o instrumento!!!

Clique para ouvir, de Paulo Costa Lima, Imikayá, na interpretação de J.E.M.:

https://www.youtube.com/watch?v=qZqE63BeleQ

Clique para ouvir, de François Servenière, o Étude Cosmique nº 4, Níquel, na interpretação de J.E.M.

https://www.youtube.com/watch?v=6twd8WP_9js

 

J.P. – Já me conheço e sei como funciono. Por isso tenho que tentar encontrar um equilíbrio e estudar e me aprofundar em uma obra, ou pelo menos ter um bom conhecimento. Ao pensar numa obra de Schumann ou numa sonata de Schubert, confesso que, apesar da extrema importância dos dois grandes mestres da composição, sinto-me menos inclinado a estudar suas criações. Mais rapidamente toco algumas obras de Brahms, que sei que é o seu compositor problemático. Vou ver. Estou agora a ouvir a Humoreske de Schumann pelo Claudio Arrau.

J.E. – Achava que era só eu a ter dificuldades com a obra de Brahms, mas a admirá-la. Foi quando ouvi a entrevista que o grande compositor português Fernando Lopes-Graça (1906-1994) concedeu ao também renomado músico Victorino de Almeida, na qual dizia admirá-lo, mas não o amar. Também tenho o mais absoluto respeito por sua imensa obra, não obstante compactuar com a opinião de Lopes-Graça, como assevero no blog anterior. Aliás, gravei três CDs com composições extraordinárias de Lopes-Graça, várias em primeira audição.

J.P. – Se calhar é de eu ser ainda jovem. Preciso de amadurecer. Não sei… Ou então é uma fase. Estou cansado de tocar obras que toda a gente toca. E acho que isso também tem a ver.

J.E. – Foi esse o meu propósito a partir de 1970. Tinha eu 32 anos. Após ter percorrido unicamente o repertório que todos tocavam e, ainda mais, que os Concursos Internacionais exigiam, já casado e com as filhas pequenas, decidi pelo inusitado, escondido ou sepulto, mas uma abertura para a liberdade da escolha num campo assombroso e fascinante. Jean-Philippe Rameau, Debussy, Moussorgsky, Francisco de Lacerda, interpretei-os na íntegra, setorialmente as integrais dos Estudos e Poemas de Scriabine e vieram tantos outros que redescobria ou eram a porta de entrada para o maravilhamento. Já lá estava nos meus 50 e tais anos quando, pelos contatos semanais na Universidade de São Paulo com o dileto e saudoso amigo, o notável compositor Gilberto Mendes (1922-2016), penetrei na contemporaneidade.

J.P. – Há obras em que a minha visão vai mudando. Dizemos inicialmente, “nem pensar”, mas com o passar do tempo passamos a delas gostar, tocá-las em público e até gravar. Portanto, há esperança. Mas nesta fase da minha vida, estou mesmo com dificuldade em encontrar obras de relevo nas quais sinta que tenho alguma coisa para dizer e que posso delas extrair uma proposição, com todo o respeito à partitura.

A título de curiosidade, envio em anexo a lista de todas as obras que já estudei, para não ficar a achar que eu não gosto de nada.

JE – Jamais assim pensei. Tenho profunda admiração pelo seu incansável trabalho neste mundo a cada ano mais conturbado sob todos os aspectos. Felizmente temos a Música. Deixo apenas como lembrança uma palavra, creio que fulcral para a nossa atividade: Curiosidade. Ela nos impulsiona e incorporá-la, como a fazer parte do nosso de profundis, deve ser o nosso vislumbre. Seguir em frente.

On a questionnaire received from a young pianist who would like to know my position on his choice of repertoire and personal affinity with certain composers over others. (II)