Visita que Marcou

Poema Breve
Como um céu protector
a pequena buganvília
estende seus ramos em flor

Beleza pura
e silenciosa
bebendo
as gotinhas de chuva
desta tarde misteriosa
Idalete Giga (Para José Eduardo e Regina, 03/Fev/2014)

Ao longo destes quase sete anos de convívio com o leitor inúmeras foram as oportunidades em que escrevi sobre Idalete Giga, não apenas mencionando-a quando de minhas viagens a Portugal para atividades musicais, mas também inserindo algumas poesias e contos da amiga alentejana.

Foi em casa da notável musicóloga portuguesa Júlia d’Almendra (1904-1992) que conheci Idalete, no longínquo 1981. Admirava sua competência quando, por vezes, substituía a grande mestra na condução do coro gregoriano durante as missas aos domingos na Igreja de Santo Antônio, em Lisboa. Fidelíssima aluna de Júlia d’Almendra, permaneceu sempre a seu lado, a receber ensinamentos e a reconfortá-la quando injusto golpe de ordem ético-moral atingiu a professora que fundara o Instituto Gregoriano de Lisboa. Júlia já adentrara largamente os 80 anos. É Idalete que, após a morte de Júlia d’Almendra, preside com rara dedicação o Centro Ward de Lisboa, dirigindo também, desde 1997, as Semanas de Estudos Gregorianos, tradicional encontro de aprofundamento fundado pela mestra.

Até a morte de Júlia, sempre que me deslocava a Portugal encontrava-a, e inúmeras foram as vezes em que Júlia, Idalete e eu almoçamos ou jantamos no Ribadouro, tradicional restaurante situado na Av. Liberdade, junto ao metrô Avenida. Até presentemente, a cada viagem jantamos, ao menos uma vez, no Ribadouro, hoje acompanhados de Regina e fiéis amigos, entre os quais o notável musicólogo José Maria Pedrosa Cardoso e sua esposa Manuela.

Alguns dados tornam-se necessários. Natural do Ciborro, freguesia do Concelho de Montemor-o-Novo, essa alentejana da gema tem percurso musical que a recomenda. Licenciada em Ciências Musicais pela Universidade Nova de Lisboa e doutoranda em Ciências da Educação pela Universidade de Évora, Idadele Giga lecionou de 1991 a 2007 no Departamento de Pedagodia e Educação desta universidade. A docência não impediria sua intensa participação na atividade coral, uma de suas especialidades. Considere-se que atuou durante 35 anos como coralista do afamado Coro da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa. Inúmeros artigos escreveu a abordar suas áreas de atuação e traduziu, adaptando para a Língua Portuguesa, várias obras referentes à pedagogia musical de Justine Ward (1879-1975), pedagoga e pianista americana que criou o conhecido Método Ward, tão eficaz no ensino da Música para crianças do período escolar.

Amante das tradições alentejanas, Idalete participou de livro no qual descreve, entre outras figuras femininas ilustres, o perfil da consagrada poetisa Florbela Espanca (vide post “Mulheres do Alentejo na República”, 28/01/2012). Sonhadora, escreve lindos poemas e, atenta, não perde a oportunidade para a crítica arguta à degeneração ético-moral dos condutores políticos em terras lusíadas, no Brasil e no mundo. Enfim, uma empolgada defensora dos valores que estão, de há muito, estiolando-se.

Quando de minha penúltima viagem a Portugal, em Setembro último, dizia-me Idalete de um curso que ofereceria em fins de Janeiro em Nova Friburgo, no Estado do Rio de Janeiro, a abordar o canto gregoriano, entre outros temas. Regressaria a seguir ao seu país. Convidei-a na oportunidade a passar uma semana em nossa casa, na cidade-bairro Brooklin-Campo Belo. Aquiesceu. Uma grande alegria.

O convívio nesse período serviu para inúmeros gestos de pleno congraçamento com Regina, filhas, netas, genro e  amigos, que tiveram algum tipo de contato com Idalete ao longo dos anos. Apesar da canícula que nos assolou, não faltou alusão ao conhecido verão na planura alentejana, tão intenso quanto o que sofremos ultimamente. Música, tradições de sua região, literatura foram temas debatidos com entusiasmo. A ilustre especialista em canto gregoriano mostrou talentos por mim desconhecidos. Comprou um bandolim em São Paulo, trouxe consigo a sua gaita de boca, instrumento que lhe é caro desde a mais tenra idade, escreveu poemas e instigante texto para jograis. Minhas filhas e eu, em reunião familiar a contar também com poucos amigos da maior estima, recitamos o texto. Um enorme prazer a leitura de Zoprotikaviform e o Reino da Quantidade (sátira para três jograis), em que Idalete, com arguto senso de humor, faz a crítica a medicamentos que, lançados, têm de ser retirados do mercado por apresentar problemas graves à saúde, mas que logo a seguir são substituídos por outros.

A dileta amiga, nessas horas passadas no convívio amistoso, tocou bandolim e gaita de boca. Exímia executante,  brindou-nos com uma série de peças do folclore alentejano, valsas, melodias amorosas e uma polca que, à medida  que acelerava, levou netas, filhas, genro e eu à dança.

Idalete Giga continuará a visitar meus posts, assim como acontece com François Servenière e outros leitores. Eles têm sempre muito a dizer e, quando se faz oportuno, é com alegria que insiro opiniões pertinentes.

A amizade e o congraçamento não continuam a ser esteios que nos levam a ainda acreditar? Em Portugal,  quando amigos são sinceros, escreve-se a palavra com A maiúsculo. Significa tanto…

Idalete Giga and I have been friends since 1981. We first met  at the house of her teacher, the renowned Portuguese musicologist Julia d’Almendra. Both have impressive résumés in the area of pedagogy and choral direction. After giving a seminar in the city of New Friburgo, she spent a few days in my house in São Paulo. After all these years of friendship, she still surprised us with her knowledge of folk music from Alentejo and hidden talents in singing and playing the harmonica and the mandolin.