Norberto de Moraes Alves e o Encantamento
Quero ter a fé de crer
incondicionalmente e
poder falar com o Pai,
o Filho e o Espírito Santo,
com a mesma liberdade
com que falo a toda gente,
sem parecer importuno
ou irreverente.
Nada pedir, conversar apenas,
rir, trocar ideias, falar da vida,
de coisas amenas…
Norberto de Moraes Alves
Em meados de 2009 os diletos amigos de Bragança Paulista, Hugo e Rose Guerra, apresentaram-me ao professor, poeta e contista Norberto de Moraes Alves. Empatia imediata e absoluta, traduzida em post a abordar três de seus livros (vide “Novas Leituras – A Pureza de um Autor”, 22/01/2010). Tive gosto ao receber convite do amigo para que escrevesse o prefácio de “Domador de Sonhos” (Bragança Paulista, ABR, 2014), a reunir poemas e contos. Estivemos no lançamento no dia 29 de Outubro na aprazível Bragança Paulista. Tivemos, Regina e eu, prazer imenso ao rever o escritor sensível e inusitado em seus escritos, autêntico em sua linguagem do coração. Resolvi dar a conhecer ao leitor o prefácio mencionado.
À guisa de prefácio
Norberto de Moraes Alves é um vocacionado. Poesia e contos inundam seus sonhos e, movido pela imperiosa necessidade de vê-los traduzidos, Norberto tem a pena que os transcreve. Longe estamos do escritor “consagrado” pela mídia, aceleradamente voltada ao efêmero e às regras do oportunismo, do holofote e do lucro. A ampla divulgação nada tem a ver, na maioria das vezes, com a qualidade do autor. Em todos os domínios da arte há sempre aqueles refratários à popularidade. Faz também parte da vocação o procedimento reservado e, se o intimismo se instala, mais temos a concretização da obra sincera.
O presente livro, Domador de Sonhos, é a continuidade de tantos outros contos e poesias sob a égide da coerência. Norberto de Moraes Alves não deixa que seus sonhos se percam no universo das ilusões. Ele os retém e os acalenta, metamorfoseia-os e encanta o leitor. Seus poemas, curtos e singelos, desvelam uma alma voltada ao bem. A solidão, tão presente em seus versos, tem sempre o conteúdo amoroso. Nostalgia? Seria possível entender as mensagens de Norberto preenchidas pelo olhar que percorreu seu de profundis, sem jamais ter encontrado o impulso que não aquele voltado à solidariedade, ao entendimento. A solidão, nesses termos, dimensiona-se num ato de desprendimento desse mundo conturbado. Dele se distancia. Sua solidão, evidente em tantos versos, projeta de dentro para fora a luz que irradia a transparência da alma. É tudo tão claro, tão pleno de nitidez!
Uma das grandes virtudes de um poeta é saber traduzir, na simplicidade do verso, profundos conceitos. Norberto o faz, a abrir tudo que lhe vai à mente e que representa a sua verdade. O espírito comunitário expresso na revoada migratória dos gansos em “A Sabedoria dos Pássaros”:
“É surpreendente ver os gansos
que migram pelos céus,
na mesma época do ano,
em busca de alimento,
acasalamento e novo lar,
formando o desenho de uma flecha,
indicando a direção do sol,
sempre em perfeita ordem
e o devido respeito
ao merecido descanso do companheiro,
alternando-se no comando;
mostrando aos humanos,
que nenhum deles nessa revoada de amor,
se faz o líder,
o chefe ou o rei,
porque a natureza,
sabiamente,
os fez a todos
soberanos”.
O coletivo que pode levar à solidão, sempre a ter como essência a relação em tantos níveis de entendimento…. O estar só a partir da perda dos próximos em “Orfandade”: “Órfãos… ficamos todos, /com a perda de amigos, / que nos deixa na alma / um vácuo que dói por dentro.” A “Vaidade” ao considerar Narciso: “Mergulhou fundo / no azul da ilusão / e num abraço suicida / enlaçou a escuridão / da própria vida…” A descontração natural, sem subterfúgios, traduzida em “Homo Erectus”, quando da rotina do cotidiano, após a volta à casa: “… sem as algemas / da social convenção, / espreguiçar num adeus /o cansaço, respirar / a liberdade de índio pelado / e rir, primitivamente, / da nossa civilização”.
Se pinçados alguns versos singelos e penetrantes do interior poético de Norberto, que expõem o homem puro em suas convicções, onde só há lugar para o amor, o congraçamento, a nostalgia e a solidão, uma metamorfose se processa ao emergir o contista. Norberto, ao distrair-se momentaneamente do poema pleno de sonoridades — “a música é poesia incorpórea”, segundo Guerra Junqueiro —, diverte-se no conto e faz o leitor participar desse lúdico bonito, hilariante, que bem revela o bragantino que auscultou tanta gente, transformou histórias, criou outras tantas, tornando o leitor um partícipe. Impossível conter o riso em histórias como “A Rainha do agreste e seu neto boiola”, que prefere a boneca da vizinha ao revólver ou à espingarda de uma avó matriarca, ou “Vicentina”, a desbocada, mas eficientíssima, irmã de caridade. Cada conto de Norberto poderia transformar-se em denso romance. Concentra-se, tem o espírito de síntese e todas essas histórias despertam o imaginário.
Domador de Sonhos encanta. Não há uma só página que não desperte interesse. Se a obra de Norberto de Moraes Alves fica restrita à sua amada região bragantina, deve-se ao processo sem volta de desvalorização da cultura, seja erudita ou popular de raiz. A Arte foi invadida pelo alto consumo, que só sobrevive através do efêmero. A substituição imediata por outros “valores” é norma vigente em ordem geométrica. Para os que conhecem a obra de Norberto, fica o consolo do convívio que faz bem, eleva o espírito, faz o homem compreender verdades simples e imorredouras, traz ao papel a memória de quem viveu e vive o presente sempre a pensar no próximo e no Belo. “Domador de Sonhos” é, no fundo, o que todos gostariam de ser. O maravilhamento a partir dos anseios.
This week I’ve been to the city of Bragança Paulista for the release of the book “Domador de Sonhos”, written by Norberto de Moraes Alves, who lives in the city. In this post I give an account of my reading – which is in fact the foreword I wrote for the book -, completely captivated by the lyricism of his poems and the humor, conciseness and imagination of his short stories.
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