Subtítulo do Livro: “L’Aventure Continue”

A rosa imagina, talvez,
que seu perfume a absolva de seus espinhos.
Sylvain Tesson

A constante presença das mensagens transmitidas pelo excelente compositor e pensador francês François Servenière tem suas razões. Aos sábados pela manhã, ao abrir meu computador, já lá está o e-mail do dileto amigo a comentar e enriquecer o conteúdo do blog. As horas de defasagem Brasil-França explicam parte dessa presteza. Soma-se a cultura abrangente de Servenière, que lhe possibilita inserir  novo olhar, pleno de clareza, a subsidiar comentários argutos e pertinentes. Ambos somos profundos admiradores da magnífica obra de Sylvain Tesson que, nos percursos pelo planeta, sabe filtrar essencialidades. Portanto, é com prazer que partilho com meus leitores as reflexões argutas de François Servenière.

“Sublime livro que eu devorei há 10 anos atrás em apenas um dia, como um doce preferido desde a juventude e com o apetite de um faminto. Sempre preferenciei a geografia à história, contrariando legião de historiadores. Esses pretendiam superioridade interdisciplinar, acreditando que a história domina a geografia desde sempre, que os homens e sua vontade arbitram os elementos… Li numerosas obras sobre geografia, apaixonado como você pelas paisagens, estepes, desertos, mares e civilizações que surgem. Como você, eu descobri Sylvain Tesson, presidente da Sociedade de Exploradores Franceses, Sociedade da qual gostaria de ser membro após realizar projetos em mente. Sei que você leu quase toda a obra de Tesson.

Particularmente gostei do livro em pauta pelo fato de que ele coloca a geografia em primeiro plano, tese que eu sempre defendi, pois ela molda as sociedades humanas bem antes da história. Condiciona os modos de vida, os comportamentos, as regras e, após, as leis. Dizia recentemente que o Islã (não se trata de ser original, mas é bom relembrar) era incompatível na sua forma original com a Europa por uma razão apenas. O Corão, um texto originário do deserto e produzido conforme obrigações necessárias à vida naquelas terras. Seria fácil compreender. Uma sociedade e as leis de países férteis têm pouco a ver com uma sociedade e leis de países desérticos. Não se trata de juízo de valor, pois o caráter e o comportamento dos povos e das pessoas são diferentes. O stress hídrico, o sol, as tempestades de areia e o calor resultam em povos com outros anseios comparados àqueles nascidos sob outra condição climática.

Não sei por que nossos políticos não têm essa inteligência dos exploradores. Fariam melhor se lessem ou escutassem Sylvain Tesson, ao invés de dizerem bobagens a todo instante sobre uma religião que eles não compreendem em sua essência, unicamente para a manutenção do poder e de suas poltronas aquecidas. Que falta de curiosidade, que falta de pertinência, reflexões e decisões; que distanciamento do povo que deveria ser ouvido; que cinismo!!! Os políticos são cegos em todos os rincões e sempre, de maneira voluntária em primeiro lugar e, após, naturalmente. O poder é cego e o político não vê, não ouve e não compreende mais nada. Essa situação tornou-se ontológica na Europa, ligada à burocracia que asfixia tudo, diria, quase letalmente. Sabemos que os povos estão revoltados, em todos os lugares. Isso poderá explodir.

Sylvain Tesson nos dá o recuo do tempo vindo do deserto e da longa estrada. Que inteligência, que pertinência, que lição de história! Comparado com os que vivem nas torres de marfim, nos escritórios ministeriais, mais preocupados com a nova máquina de café ou com o funcionamento do ar condicionado. É isso, meu caro amigo! As fotos tiradas pelos satélites focalizando o Mar de Aral deixam-me entristecido. Como marinheiro, eu teci minhas reflexões. Vi fotos de cargueiros que antes navegavam pelas águas, hoje deitados em leitos de areia, tendo perdido toda a esperança do retorno à suas origens, razão da existência. De singradores dos mares, estendidos presentemente como esqueletos de animais mortos sob o sol do deserto. Cenas que me trazem lágrimas aos olhos. Você sabe o quanto um barco é caro ao espírito do marinheiro, ‘homem livre sempre amará o mar’. O barco é o instrumento de sua liberdade. Matar o instrumento é matar a liberdade. O Mar de Aral era um paraíso antes do desvio criminoso dos rios empreendido pelo poder centralizador, totalitário e imbecil da União Soviética. Verdadeiro crime contra a humanidade. Há muitos outros. Nos Estados Unidos, a barragem Hoover, do Colorado, unicamente para alimentar Las Vegas e sua consumação excessiva de água, é indecente. A biologia do Golfo da Califórnia transformou-se, os pescadores locais passam dificuldades e o Colorado chega ao mar com déficit inferior ao de um rio menor em França. O lago Mead baixou 40 metros em relação ao nível original depois da construção da barragem. Verdadeira calamidade! Certos homens, determinados sistemas são os verdadeiros predadores da natureza. Como pará-los, sobretudo quando têm o poder?”. Há tantas posições divergentes aos projetos da transposição do Rio São Francisco e da Usina de Belomonte no Brasil. Projetos megalômanos não teriam no cerne interesses outros? O tempo, insubornável, dirá.

Continua Servenière “Adoro também a maneira como viajantes e exploradores têm de redesenhar mapas, realística e sentimentalmente. Um outro componente mágico em ‘La Chevauchée des Steppes’ é a integração de Priscilla Telmon com a medicina etnológica. Ela oferece-nos as chaves da compreensão das primeiras formas médicas, das carências patológicas para a luta contra insetos, bactérias e ácaros, pureza da água e dos alimentos, dados esses tão distantes de nossos hospitais e sociedades tecnologicamente ultramodernas… mas infestados de bactérias e de vírus. Doenças de toda espécie, perda de resistência frente às múltiplas formas virais e bacteriológicas antigas (a história de Sylvain Tesson que você relata no post anterior). Há pouco tive experiência junto a um hospital da Normandia. Visitava um amigo hospitalizado por problemas cardíacos e, ao conversar com o médico, falei-lhe de fato comprovado relacionando lua cheia e maré alta com o aumento de distúrbios humanos, inclusive concernentes à hospitalização. Retrucou o respeitado médico “Eu sou um homem da ciência, senhor” e de bate pronto afirmei que eu também era. Sylvain Tesson e Priscilla Telmon, estou certo, teriam berrado frente à afirmação do cirurgião! Dramas psicosociológicos de nossas sociedades superorganizadas, onde a inteligência não tem mais qualquer contato com a natureza… Esquecimento e ocultação voluntária e construtivista de nossa origens, psicanálise lógica e provável a advir do mundo e de seus indivíduos. Seríamos ainda naturais e teríamos esse direito? Certamente seremos sempre seres biológicos, afeitos ao que gira ao nosso redor!

Magnífico livro! Seu blog reitera brilhantemente a assertiva”. (tradução J.E.M.).

Last week’s post, “La Chevauchée des Steppes”, deserved extensive comments from the French composer François Servenière, like me a great admirer of the adventurer Sylvain Tesson, who travels the world observing different ethnic groups and their customs, man-made environmental disasters and the fate of our natural habitat. Relevant as ever, Servenière’s comments have a strong interest, since they offer a fresh perspective on topics covered by this blog.