O Texto como Respiração

Todo o homem é diferente de mim e único no Universo;
não sou eu, por conseguinte, que tem de reflectir por ele,
não sou eu quem sabe o que é melhor para ele,
não sou eu quem tem de traçar o caminho;
com ele só tenho o direito, que é ao mesmo tempo um dever:
o de ajudar a ser ele próprio;
como o dever essencial que tenho comigo é o de ser o que sou,
por muito incómodo que tal seja, e tem sido, para mim mesmo e para os outros.
Agostinho da Silva

Aos dois de Março de 2007 nascia o primeiro post publicado no blog. Já comentei anteriormente que nada teria acontecido não fosse uma observação de meu ex-aluno Magnus Bardela. No final de Fevereiro daquele ano, após conversa amistosa a rememorar fatos,  ele – que frequentou durante quatro anos minha classe de piano na USP, formando-se brilhantemente -, propôs-me a construção de um blog. Hesitei instantaneamente, mas a argumentação de Magnus foi convincente e dias após, sem que eu soubesse, durante conselhos que me dava sobre internet, construiu o blog, dizendo-me: “Está pronto, é só inserir seus textos”. Atônito, ainda hesitei, mas aos 2 de Março “Praeambulum” dava início ao caminhar com os leitores.

Mencionei várias vezes que a não interrupção desde 2007 jamais foi um problema. Certo dia o amigo Daniel Marcos me questionou “Você não se dá férias, ao menos um mês?”. A resposta foi imediata: “Nunca dei férias para minha respiração”. O ato de escrever, de  estudar piano ou de correr faz parte desse respirar, cotidiano ativo. Quanto aos blogs, a não interrupção uma semana sequer (o post entra aos sábados às 00h05min) durante esses oito anos é fruto do pensar enquanto realizo treinamentos a correr pelas ruas de minha cidade bairro, Brooklin-Campo Belo, já mencionado em tantos blogs anteriores. A aceleração cardíaca age sobre os neurônios e as ideias fluem com naturalidade. Focalizado um tema, é só desenvolvê-lo na primeira madrugada e o texto desliza, corrente. Problemas técnicos adiaram por um ou dois dias uns poucos textos.

A pressão de ter de escrever tantos caracteres para a uma determinada publicação em tempo previamente fixado não daria resultado em meu caso particular. Essa liberdade não me impõe restrições quanto à dimensão, quiçá conteúdo. Observando os pássaros, dificilmente eles obedecem a roteiros, salvo os pombos – mormente o pombo correio ou as aves migratórias. A temática simplesmente acontece e tem acontecido sem interrupção. Música, sempre, cotidiano e suas surpresas, resenhas de livros que me atraem, impressões colhidas durante viagens e que se processam no de profundis, tardiamente quantas vezes. Diria que a observação “viajar é olhar”, da grande poetisa portuguesa Sophia de Mello Breyner Andresen pode ser interior. Todos os impactos que diariamente vivemos se acumulam e ficam numa espécie de álbum interior, pleno de figuras e observações. Basta um impulso, sugestão que seja, e aquela determinada página escondida no álbum interior ressurge por inteiro. “Viajar é olhar”, seja externa ou internamente. Meu celular é daqueles jurássicos, só recebe ou transmite ligações. Nada mais. Certa vez em que minhas netas se divertiam tirando fotos e selfies com aparelhos sofisticados, disse à Emanuela, a menor, que iria tirar uma foto mental simulando uma foto com tão antigo celular. Pôs-se a rir. Horas após, enviei-lhe e-mail com a imagem de meu celular e escrevi: “feche os olhos e lembre-se daquele momento, pois ele está gravado em sua mente”. Valeu como descontração, mas Emanuela guardou o episódio.

Raramente visito o universo nebuloso da política, mormente nestes últimos anos em que a mentira é vendida como verdade e a corrupção enlameia o cotidiano. Por vezes, sem o desejar, emito considerações. Jornalistas que costumo frequentar pela leitura ou escuta radiofônica têm exercido com competência a denúncia como alerta, o confronto como dialética necessária e saneadora. Há esperanças. O país não se submeterá à primazia que está a fazer sucumbir democracias latinas. Não merece.

Temas fluem e nosso universo depende invariavelmente dos tópicos atrativos. Eles lá estão. Buscamo-los à maneira de um peregrino que, ao caminhar, pormenoriza-se naquilo que já está “pré-moldado” em sua mente. Sim, há o acaso. Não o desprezo, nunca.

Para que a sequência não tenha sofrido uma interrupção sequer ao longo dos tantos sábados, há a necessidade de querer. Meu saudoso e sábio pai nos ensinou básicos princípios que serviram aos quatro filhos: disciplina, perseverança, constância, concentração e fé naquilo em que acreditamos. Esses tópicos foram aplicados diferentemente pelos irmãos de sangue, a depender da visão individual das coisas.

Nada teria acontecido não fosse Magnus ter pressentido a ideia. Continuava a reter textos mentais em ebulição permanente, como sempre, desde meus primeiros anos. A memória tem esse poder mágico de manter o que os olhos viram externa e internamente, amalgamar olhares sem perder a precisão e, quando acionada, revelar por inteiro experiências vividas. O arquivo mental é uma de nossas dádivas maiores.

Este blog não existiria sem colaboradores dedicados que, ao longo destes anos, jamais hesitaram em ajudar-me, ignorante que sou dessa parafernália tecnológica a todo instante renovada. Difícil, nos meus 76 anos, acompanhar essas transições rápidas, sempre em direção a uma outra inovação. Desisti. Conheço o básico do básico e, graças aos amigos diletos, supro a não atualização internética.

Regina Pitta, Magnus Bardela, François Servenière, Elson Otake e Luca Vitali (in memoriam). É um privilégio tê-los a me dar suporte em esferas distintas. Desde o primeiro post, minha dileta amiga e vizinha, Regina Pitta, lê os textos e faz revisão impecável. O compositor romântico Henrique Oswald (1852-1931) escreveria ao seu amigo, Furio Franceschini, que o pior revisor é o autor e, entre esses, era ele o pior. Assertiva. O texto flui  num impulso nas madrugadas e as duas ou três leituras não são suficientes para sanar gralhas (assim os portugueses definem incorreções) que parecem querer se ocultar. E como se escondem!  É humano. Regina passa a lupa, mercê de seu conhecimento de nossa gramática. Quando dúvidas pairam, recorre à Filologia. Sinto-me seguro. Após as devidas correções e sugestões – nem sempre aceitas, mas é bom ter uma outra opinião -, escreve um resumo em inglês, devido aos leitores acima do Equador que me honram com a leitura dos blogs, traduzidos sofrivelmente pelo programa do Google.

Magnus tem sido meu guru internético. Foi ele que me ensinou o que sei, isso em 2003. Só não aprendi mais por total descaso com a aceleração infalível da tecnologia. O básico possibilita-me o convívio com teclado e tela e os acessos que consigo atingir. Quando um impasse surge, é Magnus que me socorre, pois de seu computador pode acessar o meu e sempre, até agora, tudo se resolveu. Mente privilegiada a deste amigo que diariamente envia-me gravações fabulosas que dia a dia têm enriquecido o bom lado do YouTube, a contrastar com o besteirol que infesta esse meio de comunicação.

Elson Otake, não diretamente ligado ao meu blog, tem sido o responsável pela introdução no YouTube de cerca de 80 músicas por mim gravadas no Exterior. Preciosista, tem o dom da concisão e suas montagens são louvadas aqui e alhures. Maratonista, em muitas corridas de rua abdica de sua velocidade para correr ao meu lado. Um estímulo.

François Servenière. Compositor e pensador francês de altíssimo mérito, Servenière privilegia-me com mensagens de extraordinário teor. Nossa correspondência, nascida em 2008, é abastecida semanalmente. Todos os posts têm sua leitura acurada. Se a tradução Google tem tantas falhas, Servenière consegue sempre apreender a essência dos blogs e seus comentários enriquecem meus textos, pois o amigo insere leituras paralelas e reflexões profundas sobre o tema. Tão ricas são suas mensagens que o considero, hoje, um partner de meu blog. O leitor tem acompanhado, através dos Ecos, que ele está sempre presente. Fundamental é a possibilidade de novo olhar de um autêntico intelectual francês. Estimula a comparação, faz-nos apreender aspectos que por vezes nos passam desapercebidos. Privilégio.

Rendo tributo ao meu saudosíssimo amigo e extraordinário artista plástico Luca Vitali (1940-2013). Durante anos, Luca foi colaborador dedicado. Tantas vezes mencionei que o amigo tinha um lápis no cérebro. Ao conhecer um texto, um ou dois dias após enviava-me um desenho alusivo ao tema. Alguns eram charges de humor bem refinado. Faz-me muita falta o convívio semanal que mantinha com Luca. Arte era nosso assunto fulcral. François Servenière, ao ver as ilustrações da magnífica Série Cósmica (acrílico sobre tela) do artista, ficou tão impactado que escreveu sete Études Cosmiques para piano e, após a partida de Luca, mais um Estudo, Outono Cósmico. Em Abril voltarei ao tema, pois deverei gravá-los na Bélgica juntamente com Estudos Contemporâneos de outros compositores.

A família. Sem a harmonia que nos faz unidos indelevelmente, confesso que dificilmente conseguiria empreender trajetórias. Ela me traz a serenidade necessária. Epicentro essencial.

Se já ultrapassamos os 600.000 acessos, devo esse estímulo unicamente aos leitores que têm prestigiado minha coluna. Continuarei. É o que sei fazer.

This week my blog completes eight years of nonstop work, leading me to reflect on the pleasure of posting an entry every week – a flow of ideas that come to me during my street races. In this post I recall the subjects that are dear to me, expressing gratitude for the services of those who, behind the scenes, help me in this endeavor.