Revisitação Anual

Saint-Nicholas, Beffroi e Saint-Bavon. Foto Tony Herbert. Fevereiro, 2009. Clique para ampliar.

Encanta-me Gent. O inverno rigoroso salienta sua arquitetura criada nesse espírito voltado às tonalidades cinzentas, não desprovidas de beleza. Das estações, a mais fria pode também ser a mais contagiante. Contrastes fortes que nos levam a dormir com a paisagem habitual e, ao acordar, ver tudo imaculadamente branco, mercê da nevasca da noite. Em posts anteriores já demonstrei minha admiração pela bela cidade. Quando converso com conterrâneos que visitaram a Bélgica, sempre falam de Bruges, típica cidade flamenga, a guardar na essência a integridade medieval. Pouco sabem de Gent e muitos a desconhecem. Algumas dezenas de quilômetros as separam por via férrea, mas a notoriedade maior de Bruges é insofismável. As ligações musicais e afetivas com Gent levaram-me à cidade mais de vinte vezes, o que poderia tornar parcial minha posição. Contudo, a cidade guarda todos os encantos que a Idade Média proporcionou a Bruges, tendo contudo se expandido, a tornar-se um forte centro industrial, comercial e cultural. O centro de Gent é de extraordinária beleza. Ruas estreitas, outras não tanto, levam o visitante a permanentes maravilhamentos. Todas essas jóias da arquitetura medieval ali estão, configuradas de maneira harmoniosa, proporcionando à austeridade das construções uma significação ímpar. Iluminadas nessas noites gélidas de Fevereiro, tornam-se mágicas.
Sempre causam-me forte impacto as igrejas e a catedral medievais gantoises. O estilo sóbrio de seus templos harmoniza-se com as construções típicas dos centros flamengos. A mente privilegia-nos com o filtramento das imagens. É só tentar entendê-las em seu contexto histórico, pois chegam até nós absolutamente intactas.

J.E.M. em foto de Tony Herbert. Fevereiro 2009. Clique para ampliar.

Impõe-se majestosa a magnífica Catedral de Saint-Bavon (Sint-Baafskathedraal), um dos mais importantes monumentos religiosos da Europa medieval. Localiza-se no centro histórico de Gent e, em linhas retas, tem-se o não menos imponente Beffroi (Belfort) e, mais adiante, a Igreja de Saint-Nicholas (Sint-Niklaaskerk), os três monumentos separados por praças que abrigam em suas laterais restaurantes, cafés e algumas lojas. Tendo apenas uma torre, uma das mais altas construídas no período, a construção de pedra e granito de Saint-Bavon tem em seu interior cripta em estilo românico. O coro gótico da Catedral foi construído entre os séculos XIII e XIV, sendo que a torre definitiva data dos séculos XV e XVI. A nave magnífica e transcepto foram terminados num período de 20 anos, de 1539 a 1559. Em Saint-Bavon, Carlos V (1550-1558), nascido em Gent e futuro imperador, com influência e poder marcantes na Europa, foi batizado. Púlpito e altar datam do século XVIII, contrastando harmoniosamente com o todo. Saint-Bavon abriga preciosidades, sendo que a maior delas, verdadeiro patrimônio da humanidade, A Adoração do Cordeiro Místico (1432) dos irmãos Van Eyck, está exposta na capela à esquerda da entrada da Catedral. Atraído pelo extraordinário políptico, não deixo de visitá-lo periodicamente. A cada novo olhar, algo diferenciado apreendo da obra. Mencione-se igualmente a magnífica escultura em mármore branco e negro de Jerôme de Quesnoy, homenageando Antoon Triest.
A primeira construção da Igreja de Saint-Nicholas data do século XI. Reza a história que, durante um longo período de fome, a população fez orações ao Santo, patrono dos barqueiros, dedicando-lhe a igreja a seguir. O fogo destruiu-a no século seguinte, mas houve a reconstrução, no século XV, às custas de donativos da alta burguesia, Saint-Nicholas impôe-se pelo aspecto compacto. É dos templos de Gent, aquele com que mais me identifico, pelo seu exterior austero.
Saindo-se desse centro mágico, tantas outras igrejas em Gent evidenciam períodos de grande esplendor da cidade. Mencionaria as Igrejas de Saint-Michel, datada do século XVI, a Igreja de Saint-Jacob com sua pequena praça, onde um concorrido mercado de antiguidades instala-se nas manhãs de sábados e domingos. Visito-o sempre.
Após o recital na bela Antuérpia, tenho de ensaiar para o recital de amanhã em Gent sob o patrocínio da minha querida De Rode Pomp, o que me faz interromper a breve descrição. São tantos os outros belos templos, edifícios, museus, praças, canais visitados ao longo dos anos. Gent continua a me encantar, e isso é uma dádiva.