Planejamento consciente x ausência de profissionalismo
A morte do jardineiro não lesa uma árvore.
Contudo, se você ameaçar a árvore,
então o jardineiro morre duas vezes.
Antoine de Saint-Exupéry
(“Citadelle” – capítulo V)
Antônio já havia lido o blog anterior sobre a tragédia a envolver a equipe da Chapecoense, comissão técnica, dirigentes, jornalistas e convidados, deixando 71 mortos e seis gravemente feridos, estes, felizmente em recuperação. Natural de Jaraguá do Sul, igualmente do Estado de Santa Catarina, como Chapecó, Antônio fez pergunta pertinente: “Pode uma equipe bem mais modesta, como a Chapecoense, competir na igualdade com times imensamente mais ricos?”. Inicialmente disse-lhe que gosto imenso de futebol desde a tenra infância, mas não seria a pessoa indicada para responder. A certa altura perguntou-me sobre a Portuguesa, time pelo qual torci muito, até o episódio a envolver sua estranha queda para a série B, mercê da “troca” de posições e da “ascensão” estranhíssima do Fluminense, time que havia merecidamente caído para a série B no campo de futebol, friso bem. Aliás, o Fluminense tem tradição nesses recursos no famigerado tapetão.
Que o futebol é uma paixão para centenas de milhões de aficionados espalhados pelo mundo não há a menor dúvida. Rarissimamente um torcedor muda de time. A fidelidade é tão maior avaliada se a compararmos com a dos “amores eternos”, pois o número de dissoluções de casamento em breve tempo de união é fato. Acredito que apenas a religião compete com o futebol no item fidelidade, assim mesmo com boa desvantagem.
Quando houve o imbroglio a envolver Portuguesa e Fluminense, insólitas decisões do STJE, sediado no Rio de Janeiro, provocaram o descenso da Lusa para a segunda divisão. Desmoralizada sob o aspecto moral e ético, graças à ventilação ampla pelos meios de comunicação do processo que envolveria o comprometimento de dirigentes da Associação Portuguesa de Desportos, a descida à série D, último estágio do campeonato brasileiro, foi sequência natural. Mergulhada em dívidas impagáveis – seu estádio a ser leiloado -, segue a Lusa seu destino abissal. Comentei muito anteriormente que o melhor a fazer seria “congelar” o futebol profissional, continuando a existência da Associação em níveis esportivos diferenciados.
A partir de toda essa tumultuosa situação, deixei de torcer pela Portuguesa, sem contudo substituí-la por qualquer outra equipe. Esqueci-a e isso foi bom, pois a Lusa, sob outra égide, sempre sofreu em campo as decisões equivocadas dos árbitros, o que, aliás, era motivo de chacota por parte de torcedores de outros times, constrangimento por parte de sua diminuta torcida e vergonha para o futebol.
Atualmente assisto aos bons jogos pelo prazer de ver espetáculos de arte futebolística. Foco meu olhar nos grandes embates que se processam nos principais centros europeus. Raramente vejo jogos de nossos campeonatos, não suportando o incalculável número dos chamados passes errados no nosso futebol. Lembraria ao leitor que esse é princípio primeiro que deveria ser ensinado aos nossos jogadores, mas que técnicos, a grande maioria sem conhecimentos ao menos medianos, não transmitem aos nossos atletas. Fundamentos essenciais passam ao largo e a troca frequente de técnicos no futebol brasileiro apenas ratifica mesmices por eles praticadas. Os mais conhecidos já dirigiram os times mais “importantes” do país!!! Importa-lhes a pontuação nos campeonatos e não a edificação do futebol arte, planejado, estudado. Não seria essa uma das razões de o Brasil não receber convites para que técnicos pátrios dirijam equipes de ponta da Europa? Quando convidados por países asiáticos ou do Extremo Oriente, partem em busca do ouro e transmitem os parcos conhecimentos a um tipo de futebol ainda precário. Todo o mal está feito, pois.
Admirei a estrutura da Associação Chapecoense de Futebol desde 1973, data da fundação da agremiação, e que foi dada a conhecer ao mundo mercê do trágico acidente aéreo. Competência, dedicação sem atos desabusados, orçamento módico, mas bem administrado, e… fervor de uma população que acarinha de maneira comovente o time da simpática cidade de Chapecó. O compositor e pensador francês François Servenière escreve em sua mensagem sobre a infausto acontecimento que dizimou a Chapecoense: “Essas tragédias são raras, mas quando atingem pessoas públicas, a emoção é maior, pois fazem parte de nosso cotidiano audiovisual, como se os acidentados ‘integrassem um pouco nossa família’. Os atentados cotidianos islamitas que fazem dezenas de mortos; inundações, terremotos que ocorrem sempre, dizimando centenas ou milhares de seres humanos, representam mortos anônimos que integram estatísticas macabras, cifras que se acumulam inexoravelmente. Damos importância relativa. Quanto às figuras conhecidas mundialmente, sabemos que não mais estarão entre nós. Quando Ayrton Senna morreu em Imola, tive uma tristeza infinita, não pelo fato de ser brasileiro e porque representava, ao lado de nosso Alain Prost, um gênio das corridas de F1, com quem disputava aos domingos as poles positions nos circuitos do mundo, mas pelo fato de o termos visto morrer en direct, drama que teria o equivalente se Pelé morresse durante um jogo de futebol. Quando um deus dos estádios ou, no caso da Chapecoense, uma equipe inteira morre e pouco após presenciamos en direct o palco do acidente, presenciamos, na realidade, uma tragédia à antiga” (tradução: J.E.M.). Estou a me lembrar que menos de um minuto após aquele choque brutal que vitimou Ayrton Senna, meu saudoso pai me ligou do alto de seus 96 anos e me perguntou, após ouvir palavras ainda de esperanças pela TV: “Será que foi grave?”. Não vendo qualquer reação e assistindo a um incrível desespero daqueles que cercavam o carro, disse-lhe que, a meu ver, ele estava morto. Meu pai, com a voz embargada, desligou o telefone.
Sob outra égide, esse post atenderia aos questionamentos de meu amigo Antônio. A importância do futebol, o esporte mais praticado no mundo, deveria sempre ter como fulcro o entretenimento sadio. Para quem gosta apenas do bom espetáculo, é um prazer vê-lo, não importa o lugar, tampouco as equipes envolvidas.Hoje, não mais como torcedor, mas como aficionado pelo esporte bretão, sinto-me bem mais confortável. Paixão existe como sentimento positivo para a maioria dos torcedores. Ela é sadia, desde que não ultrapasse negativamente os limites da civilidade, graças à grande chaga aberta, jamais cicatrizada, a torcida organizada. O Poder Público no Brasil não tem a coragem de extingui-la, e os uniformizados continuarão a provocar mortes sucessivas em batalhas campais, mercê do número crescente de marginais em suas fileiras. A Europa soube combatê-los com firmeza, mas em nossa plagas… Apesar de não mais ligado a um time, aguardarei com profunda simpatia a remontagem da gloriosa Chapecoense. E como ela merece ressurgir das cinzas!
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No próximo post abordarei, com enorme felicidade, a consagração inédita e maior de um jovem brasileiro no cenário mundial, Luiz Guilherme Godoy. Seu mestre durante tantos anos, e que teve papel preponderante em sua formação na Escola Municipal de Música, Renato Figueiredo, e eu, na Universidade de São Paulo nos seus dois últimos anos em minha classe de piano, sentimo-nos plenos daquele sentimento que o prelado D.Henrique Golland Trindade denominava o “santo orgulho”.
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