O Homem a Caminhar pela História
Mas aquele que se mantiver
bom até o fim, aquele será salvo.
Mateus: 24 13
A leitura do Oitavo Dia da Criação (Brasília, Ser, 2007, 140 págs. e-mail:editoraser@terra.com.br) possibilita diversidade de reflexões. Luís Guerreiro, de sólida formação humanística acumulada em Portugal, Espanha, Itália e Brasil, tendo desenvolvido atividades religiosas e sociais em Angola, é autor de Caminhos de Liberdade e Solidão (1991), Impossível Regresso (1995) e Entardecer (1998). Apresenta mais este romance. Instigante. Pode o homem avançar em suas preocupações científicas a levá-lo ao Bem e ao Mal, noções tão controvertidas hoje, mercê de interesses os mais díspares? Deve o homem caminhar em direção às descobertas mais avançadas da ciência? A tentativa de se encontrar caminhos que levem a uma nova categoria de homem através da clonagem não estaria a atentar contra princípios sacralizados? Todas, perguntas que possibilitam hipóteses as mais variadas.
Centrando o romance em Deodato, personagem atemporal, Luís Guerreiro acompanha essa descoberta do mundo feita pelo herói. Deodato tem, desde a infância, noções de verdades que lhe são tenuemente passadas pela mãe e pelos tios. Contudo, já trazia, desde esses primeiros anos, a consciência clara, que apenas necessita da vivência para ratificar certezas. Busca desde a juventude essa descoberta perigosa de um mundo hostil, que é o do autor e também o de todos nós. Como extrair das experiências vividas, tantas delas no sofrimento ou na solidão quase que absoluta, os conceitos para que a caminhada tenha sentido? As sendas estão sempre a apontar discrepâncias para o jovem andarilho. Amor, justiça, compreensão, solidariedade estariam a se contrapor a seus opostos.
Deodato, a buscar sua verdade, torna-se advogado promissor, mas tem a convicção de que ideal outro o espera. Encontra-o e, não como um acaso, a desolada terra da miséria, o Vale dos Ossos, passa a ser sua aspiração maior, a redenção social, não aquela de ordem individual, única, mas a que poderia levar toda uma comunidade a entender a igualdade, a força comum, os anseios difíceis de serem realizados, a ascensão através da compreensão .
Personagens surgem, míticos em seus cenários, símbolos atemporais igualmente, coadjuvantes desse projeto social de Deodato. Nesse enredo metafórico, o autor, por vezes, interpõe-se na narrativa, sendo ele a externar seu próprio interior, mas também o daqueles que entendem os descalabros centrados nas regiões quentes e áridas desse Brasil e que se repetem em outras latitudes. Social e fraterno, mas crua realidade da atualidade atávica, esse libelo dimensiona distorções. O coronelismo, praga que nunca se extingue; a escravidão presente em tantos rincões; a ganância como princípio maior; a corrupção como pandemia, tendo enlaçado com seus tentáculos todo o Sistema; a raça política que tudo pode, pois tem as chaves certas do malefício e é sempre irremediavelmente impune. Essas interrupções – sem pausas – da narrativa fazem o leitor melhor apreender o personagem central e Deodato adquire grandeza, emerge como herói ou profeta impoluto.
Atrelado ao enredo, Luís Guerreiro abruptamente, como epílogo, debruça-se sobre a legitimidade do Santo Sudário em suas implicações hodiernas de ordem científica, a provocar reflexão e mesmo apreensão. Oitavo Dia da Criação, merece ser lido. Através dele, o leitor poderá tecer suas elucubrações sobre os entraves que tornam o homem tão mesquinho e pequeno, mas também, entendendo-se a sua natureza, um ser privilegiado, capaz de alimentar ideais e realizá-los na história.
The Eighth Day of Creation
This fictional work explores some serious ethical issues that have arisen with recent technological advances through the story of Deodato, a promising lawyer with dynamic personality who feels an inner urge to fight against poverty and oppression in Vale dos Ossos, a place that is a metaphor for populations subject to social exclusion anywhere. A modern hero or prophet who risks and sacrifices his life for the sake of others.
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