Rabiscos de Benedito Lima de Toledo

    Nosso Cantinho Possível


Conforme fores lendo
Assim irás vendo.

Adagiário Popular Açoriano

Parque, praça, jardim, logradouro ou um simples cantinho público, tudo se entende como um espaço onde pode haver o congraçamento. Nos países que cultivam a segurança do cidadão como cláusula pétrea, praças, parques e jardins das grandes cidades podem oferecer esse refúgio, a abrigar o relacionamento das pessoas. Contudo, é nas cidades menores, nas vilas, ou mesmo nas aldeias que o prazer do convívio humano rotineiro se faz nesses locais.
Há décadas, mercê dos deslocamentos geográficos que a atividade musical proporciona, freqüento praças e jardins públicos. De Varna, às margens do Mar Negro, na Bulgária, de Târgu-Jiu na Romênia, ou de San Juan – Província de San Juan – na Argentina, ou mesmo das pequenas cidades ou vilas de Portugal continente e dos Açores, exemplos me vêm à memória. Contudo, é na semelhança dos personagens em suas aspirações cotidianas, nesse dia a dia repetitivo, que compreendo o encantamento.
Nos bancos desses espaços, aqueles que pertencem à terceira idade têm assiduidade. É o prazer diário de encontrar sempre os mesmos amigos, trocar impressões sobre a chuva ou a estiagem, as variações térmicas, o plantio ou a colheita, ou mesmo o incidente ocorrido ontem ou no instante. No arquipélado dos Açores há o acréscimo da pesca e dos sonhos dela decorrentes. Essa rotina monótona, mas necessária à existência dessa boa gente, torna-os atemporais, homogêneos e únicos. Quantos não foram os escritores, poetas, músicos e pintores que registraram esse pulsar lento, mas perene? O grande poeta açoriano Antero de Quental (1842-1891) buscaria em um banco de praça em Ponta Delgada, na Ilha de São Miguel, seu voluntário último instante.
Como observador, se o idioma é para mim um empecilho, busco sempre alguém que entenda um pouco de inglês ou francês e faço as indagações aos freqüentadores. Basicamente respondem as mesmas coisas, seja qual for o país ou a região. Quando indago sobre a amizade que os faz reunidos, mencionam igualmente aqueles que se foram e daí a falar nessas faltas é conseqüência, sendo que a morte passa a ser entendida, pois, como um caminho natural, sem traumas maiores, pelo menos aparentemente. Sob contexto outro, como arabescos de um quadro, música ou tapeçaria, crianças correm, mães conversam outras conversas e senhoras devem falar de assuntos pertinentes.
No imenso interior deste país, tudo se processa em bem próximas pulsações. Bragança Paulista, cidade distante cerca de 100 km de São Paulo, é por mim freqüentada há décadas. Absolutamente anônimo, minha referência para as conversas é a do bom pessoal do Grande Hotel Bragança, em frente à Praça José Bonifácio. Sempre que estou a escrever um longo artigo para revista especializada do Exterior, ou tenho que ouvir o material gravado de um CD a fim de edição, o que me impele à solidão e à serenidade, é para Bragança que me dirijo. A praça, ainda “aparentemente” livre da violência que se espalha célere para o nosso interior sem o elementar controle do governo, possibilita a reflexão e, ao espalhar meus livros em um banco, tenho a sensação de que as idéias fluem num outro ritmo. Nos momentos de repouso, ouço as vozes dos freqüentadores. Os assuntos, quase idênticos aos de outras tão distantes praças. Em nossas terras, inclua-se o futebol.
O dramaturgo e escritor Plínio Marcos (1935-1999) comentou certa vez que sua cidade era a região central de São Paulo, até onde pudesse caminhar, pois lá estavam suas referências. O resto da cidade parecia-lhe estranho, pois essas amarras não existiam.
Se as praças ou logradouros públicos, em São Paulo e outras grandes cidades do país, ficaram basicamente inacessíveis – mercê da violência à espreita -, os freqüentadores refugiam-se em botecos, cafés e bares, espaços privados onde, ao menos assim parece, haveria maior segurança. Se as burras do governo ficam repletas do dinheiro arrecadado através de impostos e taxas extorsivos, nem por isso há qualquer retorno quanto à segurança sempre em crise. Todavia, necessita o homem de suas áreas públicas, a fim de poder conversar, pensar ou simplesmente ver o mundo passar.
A dinastia de Nélson, o bom jornaleiro, vem dos anos 50. Desse período, já havia a banca de seu pai e de seu irmão em plena Av. Santo Amaro, no coração do Brooklin. Hoje, Nélson tem sua estrutura montada uma quadra abaixo da Avenida, a atender, sempre com a mesma atenção, os moradores da proximidade. Conheço-o desde o início de suas atividades, há 50 anos certamente. Sua banca de jornais oferece uma infinidade de publicações, encontráveis também nas congêneres da vizinhança. A oferta é bem maior na atualidade e, quando pergunto se tal revistinha escondida lá no alto e tratando de um assunto absolutamente específico é procurada, responde Nélson sabiamente: tudo se vende, há sempre o freguês certo que vem à busca de seu interesse.
A ladear sua banca há pedras de granito liso, que servem de parapeito a uma espécie de vitrine, vidraça de farmácia. Local ideal, tendo-se em conta essa escassez de um canto seguro. Sucedâneo dos bancos de praça pública. Os personagens que freqüentam essa pedra de granito são sempre os mesmos. Retrato das praças citadas. Todos acumulando muitas décadas. Em torno do Nélson, que tudo sabe, pois tudo lê, há Jorge, permanente, a tudo observar até quase o fechamento. Viajou mundo afora e, instigado, tem sempre algo interessante a narrar. Todos os outros personagens que gravitam ao redor do Nélson, o Sábio, são mais ou menos freqüentes, mas encontráveis, dependendo dos horários. Juracy, Marcos, Gil, Uyara, Ari, Benedito passam, sentam-se para um dedo de prosa e continuam os seus caminhos. Após horas de estudo, ou depois de caminhada e trote em um pequeno bosque nas proximidades, chego ao nosso cantinho e também entro nas conversas durante certo tempo. Chuva, variações térmicas, a acentuada estiagem política e, igualmente, os incidentes de ontem ou do instante são constantes. Ou seja, pequenas variações de um tema eterno a povoar praças, logradouros ou cantinhos. Graças à idade, sinto-me bem em ser, hoje, partícipe.
E a vida continua…

Public parks, squares, street corners are sites usually turned into meeting points for those living in their immediate surroundings. This is particularly true in small towns, but even in large cities – at least those in countries that ensure their citizens’ safety – such places are havens where everybody, the old in special – meet daily to talk about the weather, politics, football, the news, all sorts of trifling matters. In São Paulo, as in other megacities in Brazil, public recreation grounds are threatened by increasing crime rates and omission of local authorities. But the population finds other alternatives: bar-rooms, coffee shops. At a street corner one block down from my house there is a newsstand. It has been there for the last 50 years, the time of my friendship with its owner. It was lately turned into a gathering place for half a dozen men who live nearby, myself included. I enjoy stopping there a few minutes every day for some small talk with other frequent visitors, sat on the windowsill of the neighboring drugstore. Our topics? The weather, politics, football… Slight variations on the eternal themes of those linked by a sense of community throughout the world.