Navegando Posts publicados em junho, 2007

O Homem a Caminhar pela História

Mas aquele que se mantiver
bom até o fim, aquele será salvo.

Mateus: 24 13

Oitavo Dia da Criação

A leitura do Oitavo Dia da Criação (Brasília, Ser, 2007, 140 págs. e-mail:editoraser@terra.com.br) possibilita diversidade de reflexões. Luís Guerreiro, de sólida formação humanística acumulada em Portugal, Espanha, Itália e Brasil, tendo desenvolvido atividades religiosas e sociais em Angola, é autor de Caminhos de Liberdade e Solidão (1991), Impossível Regresso (1995) e Entardecer (1998). Apresenta mais este romance. Instigante. Pode o homem avançar em suas preocupações científicas a levá-lo ao Bem e ao Mal, noções tão controvertidas hoje, mercê de interesses os mais díspares? Deve o homem caminhar em direção às descobertas mais avançadas da ciência? A tentativa de se encontrar caminhos que levem a uma nova categoria de homem através da clonagem não estaria a atentar contra princípios sacralizados? Todas, perguntas que possibilitam hipóteses as mais variadas.
Centrando o romance em Deodato, personagem atemporal, Luís Guerreiro acompanha essa descoberta do mundo feita pelo herói. Deodato tem, desde a infância, noções de verdades que lhe são tenuemente passadas pela mãe e pelos tios. Contudo, já trazia, desde esses primeiros anos, a consciência clara, que apenas necessita da vivência para ratificar certezas. Busca desde a juventude essa descoberta perigosa de um mundo hostil, que é o do autor e também o de todos nós. Como extrair das experiências vividas, tantas delas no sofrimento ou na solidão quase que absoluta, os conceitos para que a caminhada tenha sentido? As sendas estão sempre a apontar discrepâncias para o jovem andarilho. Amor, justiça, compreensão, solidariedade estariam a se contrapor a seus opostos.
Deodato, a buscar sua verdade, torna-se advogado promissor, mas tem a convicção de que ideal outro o espera. Encontra-o e, não como um acaso, a desolada terra da miséria, o Vale dos Ossos, passa a ser sua aspiração maior, a redenção social, não aquela de ordem individual, única, mas a que poderia levar toda uma comunidade a entender a igualdade, a força comum, os anseios difíceis de serem realizados, a ascensão através da compreensão .
Personagens surgem, míticos em seus cenários, símbolos atemporais igualmente, coadjuvantes desse projeto social de Deodato. Nesse enredo metafórico, o autor, por vezes, interpõe-se na narrativa, sendo ele a externar seu próprio interior, mas também o daqueles que entendem os descalabros centrados nas regiões quentes e áridas desse Brasil e que se repetem em outras latitudes. Social e fraterno, mas crua realidade da atualidade atávica, esse libelo dimensiona distorções. O coronelismo, praga que nunca se extingue; a escravidão presente em tantos rincões; a ganância como princípio maior; a corrupção como pandemia, tendo enlaçado com seus tentáculos todo o Sistema; a raça política que tudo pode, pois tem as chaves certas do malefício e é sempre irremediavelmente impune. Essas interrupções – sem pausas – da narrativa fazem o leitor melhor apreender o personagem central e Deodato adquire grandeza, emerge como herói ou profeta impoluto.
Atrelado ao enredo, Luís Guerreiro abruptamente, como epílogo, debruça-se sobre a legitimidade do Santo Sudário em suas implicações hodiernas de ordem científica, a provocar reflexão e mesmo apreensão. Oitavo Dia da Criação, merece ser lido. Através dele, o leitor poderá tecer suas elucubrações sobre os entraves que tornam o homem tão mesquinho e pequeno, mas também, entendendo-se a sua natureza, um ser privilegiado, capaz de alimentar ideais e realizá-los na história.


The Eighth Day of Creation
This fictional work explores some serious ethical issues that have arisen with recent technological advances through the story of Deodato, a promising lawyer with dynamic personality who feels an inner urge to fight against poverty and oppression in Vale dos Ossos, a place that is a metaphor for populations subject to social exclusion anywhere. A modern hero or prophet who risks and sacrifices his life for the sake of others.

O Perigo do Circunstancial Endêmico

Le trop grand empressement qu’on a
de s’acquitter d’une obligation
est une espèce d’ingratitude.

La Rochefoucauld

Elegemos nossos temas de vida. - Foto J.E.M.

Voltava de minha caminhada habitual pelas ruas do Brooklin, quando encontro um ex-aluno de curso que ofereci em um dos programas de pós-graduação na Universidade de São Paulo. Convidei-o para um café. Instalados, perguntei-lhe a respeito da conclusão de seu mestrado e dos caminhos trilhados nesses últimos dois ou três anos. Disse-me que fora aprovado como mestre e que tentava, presentemente, o doutorado, a fim de obter uma bolsa junto a um dos Institutos de Fomento existentes para continuar a viver, já que não tinha emprego, apenas dava algumas aulas particulares. Indaguei-lhe se continuaria com o tema que desenvolvera para o mestrado. Respondeu-me prontamente que de forma alguma voltaria àquela temática que o cansara tanto. Pretendia um outro “assunto”, que lhe desse tranqüilidade. Insisti. Nem tenho idéia, respondeu. Tomamos o café, despedimo-nos e cada qual continuou seu caminho. Fiquei a pensar que a cena se repete. Alguns outros, a quem fiz idêntica pergunta no campus universitário nesses últimos anos, deram-me rápido a mesma resposta, como um verdadeiro leitmotiv.
Sem ser regra, pois há uma grande diversidade de áreas na Universidade, antolha-se-me contudo preocupante a repetição de tais casos. Em algumas das especificidades das Humanas, a pequena possibilidade de absorção pelo mercado de trabalho torna imperiosa a busca pela sobrevivência. Os que se enquadram no perfil mencionado, a buscarem a bolsa, correm em direção ao título e que venha ele o mais rápido possível. O tema de Dissertação de Mestrado, ou Tese de Doutorado, pareceria um “mal necessário” aos desideratos reais. Frise-se, há constante preocupação das instâncias superiores, a almejarem duração menor dos cursos que levam à conclusão de Dissertações e Teses.
Deparei-me, ao logo de minha vida acadêmica, com outra situação, não distante do princípio da primeira: o pós-graduando que se dirige sequioso aos Congressos, Seminários ou Colóquios, com o objetivo precípuo de ler um paper e vê-lo publicado. A questionamentos que faço, a resposta vem direta: “Professor, conta pontos junto aos Institutos de Fomento”. Se aceito pelas organizações dessas Reuniões, a pontuação estará garantida. Destaque-se que muitas vezes esses Encontros têm necessidade de determinado volume de trabalhos, o que significa “importância e respeitabilidade”, a resultar em captação de verbas públicas. Neste caso específico, paper aceito, o candidato à bolsa estará a evidenciar desempenho.
A Rádio Jovem Pan tem apresentado um segmento exemplar: Educação, Semente do Amanhã, Alicerce da Pátria. O competente Joseval Peixoto apresentou o depoimento de dezenas de crianças que cursavam a Escola Pública e nada sabiam após alguns anos. Numa segunda etapa, professores estão sendo ouvidos e a situação mostra o desmoronamento educacional neste país de tantos desvios. Em todos os níveis, pois as mais diferentes categorias de docentes estão a ser ouvidas.
Creio que as nuvens plúmbeas aproximam-se igualmente da Universidade Pública no Brasil, inclusive na pós-graduação. Estou a me lembrar de teses defendidas em décadas anteriores, quando o número de candidatos ao mestrado e ao doutorado era bem inferior. Havia, preferencialmente, o gosto pela investigação. Temas de mestrado continuavam seu percurso no doutorado, tornando-se roteiros de vida. Um, dois ou mais objetos de estudo acompanhavam a trajetória acadêmica daquele estudioso. Mostrar-se-ia inequívoco o resultado, a dar subsídios valiosos à ainda precária bibliografia brasileira em tantas áreas.
O Governo alardeia o aumento de mestrados e doutorados no país, como se a quantidade fosse o fulcro da questão. Político sim, mas qualitativamente uma tragédia que se anuncia. Há um guarda-chuva imenso a cobrir a pós-graduação neste país. O sinônimo é pesquisa. Todos são pesquisadores, bons e maus, ótimos e péssimos. Joio e trigo freqüentam os mesmos bancos da pós-graduação. Curso findo, temas são abandonados abruptamente, a interromper um estudo mais pormenorizado, o que constitui um prejuízo irrecuperável, pois bolsas foram concedidas e trabalhos arquivados após a aprovação dos novos mestres ou doutores. Contudo, não se dá o mesmo em tantas construções públicas dispendiosas abandonadas pelo Brasil? A analogia faz-se lembrada. Ressalvem-se dissertações e teses meritórias, que tendem à publicação em revistas arbitradas ou tornam-se livros de referência.
Não obstante a presença de tantos estudiosos de respeito, jovens que eventualmente trocam de temática após o mestrado, apenas para recuperá-la mais tarde, quando outro for o embasamento, observam-se exemplos em que a mudança do objeto de estudo pode estar a acontecer aleatoriamente. Se houver princípio de interdisciplinaridade nesse novo projeto, ou se ele tiver uma força abrangente a enriquecer o todo de um pós-graduando, que seja bem-vindo. Dificilmente um bom orientador deixará de compreender as nuances da escolha de um candidato na apresentação de um projeto de dissertação ou tese. Um mau orientador sempre abrigará qualquer projeto. Neste caso, acentua-se o caminho da fatalidade, peristilo da tragédia, a pós-graduação circunstancial, hoje endêmica. A corroborar tal situação, verifica-se que muitos mestres ou doutores chegam às conclusões de dissertações e teses, respectivamente, sem biblioteca doméstica. Quando perguntei àquele ex-aluno sobre o seu acervo livresco, respondeu-me que na verdade tinha em casa algumas poucas publicações não específicas. A modernidade, a apresentar o “benefício” das fotocópias ou a busca via internet – importantes veículos para o conhecimento -, ceifou o gosto pelo livro, companheiro de vida. Não seria este brusco corte, igualmente, um foco do desinteresse pelo aprofundamento? Perde-se o norte. A afeição pelo livro, necessária a todo desenvolvimento intelectual, não chega sequer a abortar, pois não foi gerada.
O regresso ao verdadeiro sentido vocacional pleno pareceria uma miragem. Realmente, é o auxílio através da bolsa de pós-graduação um empecilho ao desenvolvimento acadêmico? É-o, na medida em que, mutatis mutandis, assemelha-se, em tantos casos, à bolsa-família meramente assistencialista do governo federal; é-o, a evidenciar ao pós-graduando que as vagas docente-universitárias estão basicamente preenchidas, restando a ele a bolsa como salvação temporária, a prejudicar o real sentido do aprofundamento; e é-o, quando, em certos casos, dá origem ao pós-graduando bolsista “profissional”. E todo o mal estará feito.
Solução haveria? Acredito que um maior rigor na concessão dessas bolsas seja imperioso, sem generosidade excessiva por parte dos Institutos de Fomento, que tendem a mostrar índices quantitativos. Felizmente, ainda são muitos os verdadeiros vocacionados, para os quais a verba da bolsa retorna à comunidade brasileira através de profissionais preparados, que souberam extrair de cada centavo, semente do amanhã, o conhecimento abrangente. A austeridade permitiria um estudo do verdadeiro “DNA” do candidato, suas origens educacionais, seu desempenho, sua dedicação, e seu desiderato final. Se isso ocorresse, enriqueceria o país com o “fim” do desperdício, aumentaria o número dos verdadeiros estudiosos, a grande Bibliografia Brasileira em todas as áreas tornar-se-ia uma certeza e a Comunidade Brasileira receberia realmente os profissionais de maior competência.

The drama of the postgraduate courses:
Funding agencies and the problem of allocation of funds for scholarships for postgraduate students.
Circumstantial projects versus thoughtful research projects with personal and social relevance.

Breves II
Cabo de São Vicente, Algarve. Foto J.E.M.

Firmino é um homem do mar. Pescador durante 60 anos, só bem recentemente vendeu seu barco. Septuagenário, vê as águas marítimas com amor e saudades do ondular da embarcação. Sente quaisquer alterações que interfiram no mar: fases da lua, ventos, aguaceiros, mudanças de temperatura. Firmino é uma enciclopédia do oceano algarvio. É, contudo, ao falar das pescarias vividas durante decênios que sua voz se altera e seus olhos brilham. Não há exageros. Sua competência, mercê de longa experiência, impede a empáfia, tipicidade do amador. Quando a noite descia, Firmino buscava o mar, só regressando pela manhã, aquinhoado ou não.
Conheci Firmino em Lagos, ao sul do Algarve. Em um fim de semana livre, aceitei o convite do colega e amigo, professor da Universidade de Coimbra, José Maria Pedrosa Cardoso. Firmino é pai de Maria Manuela, esposa do amigo musicólogo. Em casa dos sogros lacobrigenses ficamos hospedados. Igualmente mestre na culinária pesqueira, Firmino apreendeu o momento exato da perfeição ao assar sardinhas, carapaus, peixes-espada, cavalas. Algo inesquecível apreciar o que o velho homem das noites marítimas prepara. Há ciência, da escolha dos peixes à exatidão do ponto em que devem estar prontos.
Fiz-lhe muitas perguntas. A todas respondia com serenidade, mas amorosamente. Algumas poucas vezes sua vida esteve em risco, pois amalgamou-se ao mar e a intimidade se fez. Quando estivemos no Cabo de São Vicente, ponto referencial do ciclo das navegações em Portugal, falou-me do medo. Sim, nas primeiras viagens entre Sagres e o Cabo, a fim de pescar sardinhas, não decifrara ainda as correntes desse oceano que encontra em terra as grandes falésias. Insisti, e depois? Tornamo-nos íntimos, respondeu tranqüilamente. O que você encontrou durante aqueles sessenta anos passados diariamente nessas águas tantas vezes bravias? Qual o segredo do mar? Firmino olha-me e responde com sabedoria: O segredo do mar é o vento.

Na austera Igreja de Santa Maria, em Lagos, José Maria e eu ouvimos um belo concerto em que foi apresentado o Magnificat em Talha Dourada op. 17, de Eurico Carrapatoso. Dois corais, soprano, orquestra de cordas e cravo deram à obra uma interpretação entusiasmada. O Magnificat visita formas antigas, alternando-as com a modernidade. Esta associação proporciona um rico interesse. Carrapatoso é um dos compositores de destaque em Portugal. Quanto à Igreja de Santa Maria, foi construída no século XVI, tendo havido intervenções posteriores.

José Maria e eu, com as nossas respectivas esposas, não retornamos a Lisboa pela auto-estrada. Fomos serpenteando até bem além do Alentejo, para depois atingirmos novamente a rodovia principal. Ele quis que conhecêssemos duas das cidades que constam das Viagens na Minha Terra, de Lopes-Graça, coletânea de 19 peças por mim gravadas em CD pelo selo Portugaler. Silves, com sua cruz medieval trabalhada em pedra logo à entrada da cidade e sua bela Igreja ao alto, fez-nos lembrar de Em Silves já não há moiras encantadas. Ao visitar a lendária Ourique, veio-nos à mente Em Ourique do Alentejo , durante o S.João. Quanto a José Maria Pedrosa Cardoso, ele está presente em vários de meus textos. Inteligência rara, competência impecável no conhecimento da música do século XVI ao XVIII em Portugal e latinista profundo. Em Coimbra, fez os comentários de meu recital e apresentou um data show referente às Sonatas Bíblicas programáticas de Johann Kuhnau.

Ao conhecer, em 2004, João Gouveia Monteiro, Professor Associado da Universidade de Coimbra, pertencia o amigo à equipe reitoral da Universidade, como Pró-Reitor para a Cultura. Absolutamente ímpar na organização do Colóquio Carlos Seixas, que teve lugar nos próprios da Universidade, quando tive o privilégio de dar um recital na Biblioteca Joanina e uma conferência. Especialista em Estudos Militares, mais precisamente da História Medieval, Gouveia Monteiro é freqüência obrigatória nas mais importantes universidades, dentro e fora de Portugal. Entre suas numerosas publicações, salientem-se A Guerra em Portugal nos finais da Idade Média (Lisboa, 1988) e Aljubarrota, A Batalha Real (Lisboa, 2003). Sereno, com ampla visão da Universidade – senti bem essa qualidade quando até este ano esteve à frente da Pró-Reitoria – João Gouveia Monteiro é um estudioso vocacionado, voltado ao conhecimento profundo de sua área e conversar com o amigo é enriquecedor.

No dia do recital em Évora tive duas grandes alegrias. Almoçava com a dileta e competente amiga Idalete Giga, Diretora do Centro Ward Júlia D’Almendra em Lisboa e Professora da Universidade de Évora, quando, em dado momento, chegou o jornalista e historiador Joaquim Palminha Silva. Polêmico, é um apaixonado pela história de Évora. Li com profundo interesse seu livro Évora – Cidade Esotérica e Misteriosa (Lisboa, Europress, 2005, 270 págs.). Ofereceu-mo com bela dedicatória durante nosso encontro. Ouvi-lo contar as epopéias eborenses milenares é uma aula. Quanto à Idalete, foi em torno da saudosa gregorianista Júlia de Almendra, em cuja morada em Lisboa, à Rua d’Alegria,nº 25, hospedei-me diversas vezes na década de 80, que uma amizade se fez com a fidelíssima discípula da grande Mestra. Em todos os retornos à Lisboa, reencontro Idalete e sigo sua bela trajetória como educadora musical e gregorianista.

No recital no Convento dos Remédios estiveram presentes os amigos e professores da Universidade de Évora: João Vaz, organista, que está a realizar uma carreira consistente, e Manuel Moraes, Diretor e Regente do consagrado Segréis de Lisboa. Moraes ofereceu-me Gil Vicente e Évora – nos alvores de Quinhentos (Casal de Cambra, Caleidoscópio, 2005, 121 págs.), importante coletânea de textos. Moraes contribuiu com o estudo Música para as peças de Gil Vicente estreadas em Évora e um CD, encarte do livro, com as obras mencionadas no texto interpretadas pelo conjunto por ele dirigido.

Rui Vieira Nery é figura exemplar na cultura musical portuguesa nos dias de hoje. Solicitado pelo mundo, percorre a Europa e as Américas proferindo palestras e conferências em Congressos, Seminários e Colóquios. Professor da Universidade de Évora, é Diretor Adjunto da Secção de Música da prestigiosa Fundação Calouste Gulbenkian em Lisboa. Com a mesma facilidade, escreve sobre a música dos primórdios de Portugal ao Fado, essa expressão tão genuína do país. Ainda estou a ler o seu livro fundamental, Para uma História do Fado ( Lisboa, Público, Corda Seca, 2004, 301 págs.), onde está depositado um profundo conhecimento, atávico certamente, pois seu pai, Raul Nery, teve belíssima carreira de guitarrista de fado. Estivemos juntos, desta vez, em três oportunidades e sempre com uma alegria mútua. Disso tenho certeza.

Amizades mais recentes formaram-se a partir da Academia de Amadores de Música. Antônio Ferreirinho, professor de guitarra – violão, no Brasil – tem feito um belo trabalho visando à divulgação de Lopes-Graça e da música específica para guitarra em Portugal. No ano passado, fez-me conhecer parte da obra do excelente poeta José Gomes Ferreira, autor de poemas musicados por Lopes-Graça. Ferreirinho tem uma profunda admiração pela arte violonística do nosso Edelton Gloeden. Alexandre Branco Weffort, professor de flauta no Conservatório Nacional, desenvolve paralelamente um substancioso trabalho de recuperação da obra de Lopes-Graça (vide texto sobre Lisboa). José Carlos Florentino é entusiasta sereno do grande mestre nascido em Tomar. Generoso, sempre tem algo para mim. Desta vez, ofereceu-me o livro Olga Prats – Um Piano Singular, conversas com Sérgio Azevedo (Lisboa, Bizâncio, 2007, 369 págs.). Olga Prats divulga há décadas, com plena dedicação, as obras de Lopes-Graça e de outros importantes compositores contemporâneos portugueses.

Maria José de Souza Guedes e Luís Meireles formam um duo singular. Professores do Conservatório do Porto, a pianista e o flautista realizam uma carreira de mérito e já gravaram CDs referenciais, privilegiando a música contemporânea portuguesa. A atuação do casal estende-se a muitos países da Europa, mormente no Leste Europeu. Em todas as visitas ao Porto com eles me encontro e os temas interpretativos e didáticos dominam nossas conversas.

Através do amigo e arquiteto Benedito Lima de Toledo, conheci na cidade portuense seu colega António Menéres, Professor convidado da Universidade Lusíada do Porto. Figura de imensa cultura, apesar de não ser músico, tem prestado um contributo especial à música portuguesa na divulgação da obra de Óscar da Silva (1870-1958), compositor que pertenceu ao saudosismo - corrente estimulada pelo poeta Teixeira de Pascoais – e cuja obra é muito bem escrita. Menéres conheceu pessoalmente Óscar da Silva, tendo concebido o túmulo definitivo em Leça da Palmeira, homenagem ao ilustre compositor. A Sonata Saudade para violino e piano, de Óscar da Silva, tem essa atmosfera decorrente do prolongamento romântico tão característico também em obras do nosso Henrique Oswald (1852-1931). Versátil, Menéres escreveu Crónicas Contra o Esquecimento (Matosinhos, Edium, 2006, 238 págs.). Lerei com prazer.

José Abel Carriço, Professor da Escola de Música da Póvoa de Varzim, atendendo a um apelo de Pedrosa Cardoso, apresentou-me a Igreja Românica de São Pedro de Rates na Vila de Rates, berço do Primeiro Governador Geral do Brasil, Thomé de Souza. Há décadas pretendia visitá-la. Pormenorizou a construção, exterior e interior, e suas múltiplas particularidades. Saí absolutamente encantado. Tendo recebido uma rica bibliografia, penso um dia escrever um texto sobre esse maravilhamento.

Em meu programa Idéia, Criação e Interpretação, apresentado todas as terças-feiras, das 22 às 23 horas, na Rádio USP-FM 93.7, divulgarei apenas CDs inéditos de música portuguesa que recebi nessa viagem. Destaco In Memoriam Béla Bartók, suítes de Fernando Lopes-Graça para piano, na excelente interpretação de António Rosado; Polifonistas da Sé de Évora dos séculos XVI e XVII, na versão do Coro Eborae Musica, assim como, Música para o Teatro de Gil Vicente na interpretação dos Segréis de Lisboa.