O Homem Frente às Renovações
Cada um de nós emergirá ao fim do Ano Novo, ou maior ou menor; ou então, absolutamente não teremos crescido, permanecendo em completa inércia, exatamente aquilo que agora somos. Porem, para aqueles dentre nós que sentem ardor, que é que um Novo Ano significa? Não poder ter esta significação? Somos semelhantes a viajantes, penetrando, em nossa longa jornada, por um país novo e desconhecido, onde fados estranhos e estranhas aventuras nos esperam. Nesta terra, à medida que o peregrino observador a percorre, oportunidades se acumulam sob seus passos. Porém, para os utilizar, necessita ser sábio e estar alerta. Pois de uma cousa deve lembrar-se, – que é um viajante e que o que lhe compete é, não deter-se, mas passar adeante.
Jiddu Krishnamurti
A todo fim de ano, o ser humano busca interiormente o renascimento que deveria acontecer no alvorecer de outro período inexorável. Tão logo o reinício das atividades nos primeiros dias, percebe-se que a rotina, os hábitos enraizados fazem sucumbir vãs promessas desse renovar. É absolutamente humano e acontece em todos os povos, que, ajustados a outros calendários, criam a esperança de um desabrochar, lindo no conceito, difícil na prática.
A cada ano antecipa-se a pressão publicitária relacionada às festividades em torno da transição para o Ano Novo. A insistência no sentido de que tudo será diferente é repetitiva em quase todas as propagandas. Estimula-se a mudança para melhor, tantas vezes a certeza da frustração do amanhã. Fica no ar a “aparência” da felicidade.
Estou a me lembrar de preceitos de meu saudoso pai, José da Silva Martins (1898-2000), que a cada ano propunha metas e geralmente as cumpria, criava métodos para os quatro filhos e raramente deixava de aplicá-los. Havia o amálgama de atitude espartana à aplicação ateniense. Dir-se-ia ainda, um misto de Apolo e Dionísio. O velho patriarca, a fim de fazer-se doutrinário, era o paradigma de conduta, método, disciplina e afeto também, mercê da ação moderadora de nossa mãe (vide Mãe, 15/07/07, categoria Cotidiano). Após assistir à plena sedimentação de seus descendentes, realizaria ainda, a partir dos 86 anos, o seu sonho, escrever, e nessa idade veria o primeiro de seus sete livros publicados.
Os anos se passaram, as décadas foram acumuladas em quantidade fora dos limites, e meu pai chegaria aos 102 anos incompletos, pois faltavam apenas vinte e dois dias para isso quando a senhora morte surgiu, aos 19 de Maio de 2000. Um primeiro alerta da renovação já se fazia prenunciar quando, duas horas antes de seu desenlace, ouvi a respiração que o acompanhou desde 1898. Parecia-me irreal aquele arfar sôfrego e rápido, últimos vestígios de vida de alguém que nascera no século XIX e chegara até ao amanhecer do XXI. Irreal e a causar impacto emotivo, que seria apreendido, diferentemente, dois dias após, também em um hospital, quando ouvia outro respirar, também acelerado, o de uma neta que vinha ao mundo, a clamar vida, alegria e renascimento.
Um fato inusitado deu-se três meses após meu pai ter completado os 100 anos de idade. Sempre soubera digitar com destreza em máquinas de escrever, contudo queria mais e comprou um computador, aprendendo com incrível rapidez os meandros elementares. Durante uns bons trinta anos tive o hábito de almoçar com meus pais todas as sextas-feiras. Fi-lo certa vez e, ao entrar em seu escritório, surpreendi-me ao ver o pai centenário frente à internet. Como mantinha segredo desse “descobrimento”, chegou inclusive a ficar um tanto irritado. Nada que o bom vinho tinto português à mesa não atenuasse. Seu último livro foi inteiramente digitado no computador e ele trocava idéias on line com seu editor.
Após sua morte, fiquei com o computador que a ele pertencera. Relutava em aprender essa tecnologia hoje tão difundida. Dessa maneira, apenas um ano após o PC começou a funcionar, graças às aulas recebidas de meu ex-aluno de piano na universidade, Magnus Bardela, sempre possuidor de uma arguta escuta musical e hoje com carreira promissora em outra área. É ele o responsável pela colocação de meus posts, sempre acompanhados de ilustrações pertinentes por mim escolhidas e por ele trabalhadas. Sem as colaborações de Magnus e de Regina Maria Pitta, revisora dos textos, tudo se tornaria mais complexo.
Assim que a impressora foi instalada, duas páginas que permaneciam na memória da máquina surgiram: na primeira, ora reproduzida, meu pai fixava sua rotina diária. Aos 101 anos, ei-lo absolutamente convicto e sereno quanto ao seguimento de seus horários. Vê-se a espiritualidade em um homem que entendia as religiões num sentido plenamente ecumênico, pois sentia-se teósofo. Entre seus autores preferidos mais recentes na esfera místico-religiosa, Maurice Maeterlinck (1862-1949), Annie Besant (1847-1933) e Jiddu Krishnamurti (1895-1986). Compreendia ainda meu pai que o corpo humano deveria sempre ser entendido como um templo, perenemente preservado através da alimentação correta e dos exercícios físicos. Caminhadas diárias e 15 minutos de ginástica sueca, três refeições comedidas e nenhum outro alimento fora dos horários, eis a rotina de tantas décadas. Numa segunda página, ele se mostrava plenamente realizado e aguardava o chamado de Deus para ir ao encontro de minha mãe, que falecera um ano antes. Ao sairem essas duas únicas e derradeiras páginas da impressora, ficamos emocionados. Algumas horas após redigi-las, meu pai teve uma queda, por pura distração, houve trauma craniano e morreria no coma três meses após.
Creio ser relevante o entender apenas seqüencialmente as passagens de ano. Estrutura básica, princípios, metas, projetos de vida, estes nascem do pensar e do agir que se acumulam, serenamente ou não, e estarão a resultar mais ou menos intensamente, dependendo das atitudes tomadas. Impactos que independem da vontade podem alterar projetos, mas se houver centelha, o ser humano tendo esforço, persistência, paciência e concentração, atingirá parâmetros de realizações possivelmente não imaginados, mesmo que em senda diferenciada. Sentirá que todas as experiências, boas e más, serviram de acúmulo para o aprimoramento interior.
Serve essa página como um estímulo àqueles que entendem a seqüência da vida como renovação, e não apenas o Novo Ano do calendário. Os objetivos, sejam eles quais forem, nas mais diversas faixas etárias, só se realizam através do envolvimento pleno e harmonioso. O recomeço é diário, sem tréguas e, na medida do possível, sem traumas. As nossas camadas de todas as categorias acumulam-se e a existência, pouco a pouco, pode merecer um olhar mais amoroso. Se os passos diários são nosso calendário, este pode servir como norte para muitas resoluções previstas. Nesse desiderato, a inclusão de um pequeno Poslúdio clarifica o fluxo contínuo do blog.
New Year’s Resolutions:
One of the traditions of the season is the making of New Year’s resolutions. Since this is considered a time of rebirth, we are encouraged to set our goals for the next year – most of the times just to fail to meet them as the year gets underway. It reminded of my father, who each year set the goals he wanted to attain and really strived to reach them. He lived 102 years and till the very end was rigorously self-disciplined, keeping a list of pre-established steps to guide him through the days. Life is a challenge renewed constantly, not only by the year-end, and we should aim to get better – with effort, patience and persistence – as we move forward.
Poslúdio
O blog existe desde 2 de Março de 2007. Foram 53 posts publicados e inúmeras comunicações com leitores do Brasil e do Exterior, o que me traz uma grande alegria. No sentido de tornar os textos mais amplamente apreendidos pelo leitor, incluí no menu do blog um item, Instruções.
Quanto ao website, já estão disponíveis os itens: curriculum, blog, portraits, recordings, repertoire e contact. Através deste último, poderá o leitor transmitir as suas mensagens diretamente para J.E.M. Entramos pois em 2008 a buscar o aperfeiçoamento, nosso perene objetivo.
This Postlude explains the insertion of the item “Instructions” in the menu options, so as to make easier the access to the blog, integral part of the site under construction.