Ciclo a Recomeçar

 Esperança. Pintura de Evilásio Cândido. Clique para ampliar.

Amor à vida no tempo
Corra bem ou corra mal…

Agostinho da Silva

Renovam-se esperanças. Para o maratonista preparado, a mente direciona-o ao objetivo final. Àquele que se propõe adentrar o ano apenas com o aparente entusiamo, percebe-se que o desânimo, a falta de perspectiva e a chama que se extingue impossibilitam-no de prosseguir. Isso se dá a cada ano. Metas que se estiolam, esperanças que fenecem continuarão a atormentar a humanidade não pouco após a passagem do ano. Há causas sensíveis para esse enfraquecimento mental.
Seria possível entender que, se projetos se apresentam unicamente individuais, mesmo que desideratos sejam atingidos terão faltado a irmanação, o pensar no coletivo, caminho solidário que equilibra e dá sentido à vida. Compreender o próximo como ser autêntico e não como metáfora ou alegoria. Integrá-lo ao pensamento e à consequente ação. Contrariamente, a volúpia para amealhar riquezas e pela “aparência” da eternidade, assim como a atração sem pejo pelo poder têm propiciado às “renovações”, que deveriam acontecer a cada ano, a malfadada aspiração ao erro, à corrupção, ao descalabro.
Neste ano que finda, quando escândalos de toda ordem assolaram essa estranha conexão político-empresarial em nosso país de contrastes tão violentos; em que a impunidade permaneceu a ser realidade escabrosa; onde aumentos estratosféricos proliferaram nos salários dos três poderes; no qual houve o episódio dos precatórios diante de governantes sem rubor; em que se cogitou a volta de uma “velada” censura aos meios de comunicação, uma aspiração de seus mentores para um tipo de Jdanovismo tropical; que motivou posicionamento de profissionais liberais em entrevistas, ostentando como galardão, compulsivamente, altos vencimentos recebidos, mormente na área médica; o povo, essa figura só lembrada às vésperas dos escrutínios, sofreu catástrofes de toda a ordem, mercê do absoluto descaso das autoridades. Inundações, tornados, secas, desmoronamentos, todas causas naturais em crescimento geométrico têm, como acréscimo ditado pelo desinteresse das autoridades, epidemias, desmatamento criminoso acelerado a provocar o desaparecimento de milhares de espécies da vida animal, insegurança absoluta a que é sujeito o cidadão, vergonhoso descaso pela educação e saúde públicas. Sem contar esse assalto representado pela carga tributária em permanente ascensão. A palavra imediata do governante de plantão com tendência a se eternizar, seja ele da situação ou da oposição, aponta a falha hoje para esquecê-la amanhã. As ações se perdem com o tempo. Nada acontece, tudo se repetirá ano após ano. Nada a fazer neste país propenso à ilusão e às promessas no denominado dia do Réveillon. Qual governante permanece a falar em tragédia por mais de um pronunciamento? Contudo, diuturnamente elogiam seus feitos, tantas vezes comprovados estranhos com o decorrer das estações. Também nesses casos nada acontece, e a impunidade mencionada, mãe de todos os vícios, aí está para sacramentar absolvições comprometedoras à opinião pública indefesa. Acrescentem-se as viseiras ideológicas que estabelecem o que deve ser dito às multidões passivas. Meu querido irmão Ives transmitiu-me frase tirada de um filósofo d’antanho e que se mostra tão propícia à nossa triste realidade: “Estupendência é a conjugação da estupidez política e a dependência ideológica”.
Se todos esses descalabros infestam nossos noticiários para desespero de nossos políticos, há que se mencionar a face boa da população, alheia aos escândalos e demagogias e que forma uma corrente que permanece. Apesar dos membros do governo, tem ela aspirações, entende o passar de cada ano como renovação salutar e é povoada por sonhos simples, de afeto ou de consumo. Esse povo não comete insanidade – há exceções -, paga seus tributos apesar de saber que o destino deles alimentará uma máquina inoperante e sobrecarregada. Essa gente ama a vida, educa na medida do possível seus filhos, mesmo sabendo que educação não é prioridade dos governantes. Compreende que a cada ano a prole cresce e as esperanças alimentarão aspirações condignas. Permanecerá em filas intermináveis a espera de atendimento de saúde ou outros mais. E é paciente. Até quando? E geralmente aquele que labuta nessa rotina necessária consegue estágios de felicidade junto à família, no trabalho, no convívio com o próximo. Desde Março de 2007 tenho apontado essas figuras humanas do cotidiano. São elas que fazem pulsar as noções do bem e do belo, independentes que são dessa insana procura da fortuna e do poder como movimentos compulsivos, ilusão absoluta. Carlinhos da pequena loja, a Mocidade de Valor que labuta em um hortifrúti, o amolador Constantino e Evilásio Cândido, dádiva que nos faz refletir sobre a mais autêntica Superação sem panfletarismo, este, a perpetuar outra ilusão, o holofote. Foram eles lições para meu próprio caminhar. Krishnamurti já observava em reflexões sobre um novo ano: “Todos teremos notado como um homem realmente feliz dissipa a penumbra e o desânimo em redor de si. Do mesmo modo, quando houvermos aprendido a corporificar os novos moldes e a nova atitude, então, para onde quer que sigamos, nossa influência e ventura far-se-ão sentir e animarão os outros que lutam por encontrar a felicidade”.
Seria benfazejo acreditar que propostas para o ano que entra possam ser ao menos tentadas com ardor. Nem sempre é possível atingir metas, mas a firme intenção representa o indício de que a chama continua acesa. Na medida que os anos passam, mais acentuadamente pode-se entender que objetivos propostos não perdem entusiasmo, apenas transfiguram-se. Para as novas gerações, essa transição no calendário deveria sempre pressupor crescimento. A globalização a buscar o imediatismo e a volúpia voltada à produção, ao lucro e ao consumo fazem esquecer valores que mereceriam o debruçar real, sem pieguismo, sem erudição panfletária a contestar palavras sacralizadas. J. Krishnamurti ainda observa: “A luz da Verdade só pode crescer à medida que nós crescermos. Podemos apressar ou retardar-lhe o processo; pode ser estimulado ou retido pelas circunstâncias e oportunidades exteriores. Porém, não esqueçais jamais que, em última análise, a descoberta de toda Verdade deve ser efetuada por nós mesmos para nós mesmos. Se para o conhecimento da vida dependermos de outras pessoas, de livros ou de conferências, jamais o encontraremos, posto que sejamos ajudados por esses processos segundo vias apropriadas. O desejo, o anseio pela verdade e pela espiritualidade devem nascer dentro de nós”.
Neste mais um ano desejo a todos os leitores, que me acompanharam nesse percurso semanal, renovação na continuidade ou na ruptura salutar. Importa sempre considerar esse caminhar em direção ao aperfeiçoamento em todos os sentidos. Seria essa a salvaguarda da existência. Na medida que houver o aprofundamento individual, mais o próximo estará presente. Pareceria esperançoso acreditar que o vislumbre do equilíbrio passe a ser integrante de nós mesmos.
Que ultrapassemos 2010 na paz, saúde e no convívio pleno.

And so it is year-end again. Looking back at 2009 in Brazil in retrospect, I see corruption scandals, bloody confrontations between drug gangs, a dramatic upswing in youth crime, a feeling of uncertainty about the future. But I see also family, friends, work and small pleasures that make me hope for the best in the coming months. That’s why I send you all greetings of the season and my best wishes for the New Year.