Quando Rever é Maravilhamento
O Algarve tem algo de especial. Nesta terceira visita à região esperava-me intensa atividade musical e mudanças de locais de apresentação movidas por circunstâncias inesperadas. Tudo a fazer parte desse encantamento que representa a vida de um músico. Saber tirar de cada situação o essencial, que ficará guardado para sempre. Se rotineiro for o percurso, dele nos esquecemos com certeza. É o inusitado que provoca sedimentação na memória e traz recordações.
As três master classes foram realizadas na Academia de Música de Lagos e tive o prazer de ouvir jovens talentos, que se empenham com entusiasmo. É gratificante verificar a continuidade do ensinar música. Professores atentos, alunos inteligentes.
Quanto aos recitais, foram transferidos para Sagres e Monchique. Sagres, promontório sacro, parte decisiva de nossa história, pois o Brasil é fruto da determinação do povo português num vislumbre heróico além-mar. No dia do recital, quando nos preparávamos para o deslocamento, pois 40km separam Lagos da lendária cidade, já estava a pensar nesse concerto na Igreja da Fortaleza. Soubemos que uma greve estava em andamento àquelas horas e que seria impossível chegar à histórica fortificação. Imediatamente, a direção da Academia manteve vários contatos e em horas transferiram o recital para a Igreja Matriz de Vila do Bispo, que tem singular beleza, pois o altar-mor, assim como as duas capelas laterais, exibem rica talha dourada e imagens que exemplificam qualidades do barroco. Logicamente, o piano teve o seu desvio geográfico, mas chegou a tempo, assim como ouvintes que, ao se dirigirem à Fortaleza, depararam-se com aviso a alterar o local da apresentação. Após o recital, fui jantar com a querida família de José Maria e Manuela na pequena cidade, varrida incessantemente pelos ventos. Deliciaram-se com percêves, fruto do mar especialíssimo da região, mas o intérprete preferiu um bom cherne, pescado do Algarve, pois evita esses frutos marítimos em tournées. Fomos unânimes quanto ao generoso vinho.
No dia seguinte, o piano foi transportado para Monchique, fascinante cidade situada na serra do mesmo nome, considerada o “Minho do Algarve”, pois subimos cerca de 700 metros. Uma austera matriz, com o portal principal e o lateral com esculturas típicas do período manuelino. Acústica muitíssimo boa e as obras de Lopes-Graça ecoaram pela bela nave e laterais. Novamente fomos jantar. Agora o prato da região, costeletas de javali, alegrou o pianista e seus amigos. Como brinde da casa, Restaurante A Charrete, especializada na culinária monchiqueira, não faltou a degustação do aguardente de medronho, algo realmente a não se desconhecer. Findo o jantar, e em noite límpida, serpenteamos por um novo caminho, via Alferce, que nos levou até a auto-estrada.
Já na tarde seguinte seguia eu de comboio para Braga, na região minhota. Basicamente, o território português foi percorrido do Algarve ao Minho. Do Porto à Bracara Augusta, passando por Famalicão, o trem corre por terras que me levam a reminiscências da infância. Estive a pensar, nostalgicamente, no trajeto dos fins de semana, da Av. Rodrigues Alves ao bucólico Largo da Matriz em Santo Amaro, hoje Largo 13 de Maio, superpopuloso. O bonde, ao passar pelo Instituto Biológico, despejava energia após curva à direita e, em linha reta, levava-nos a Santo Amaro, onde avós maternos aguardavam-nos para o almoço. Durante o trajeto, hortas, cultivadas por portugueses ou descendentes, emanavam cheiro da terra. O solo cultivado do caminho português pelo Douro e Minho trouxe-me essa lembrança, ao contemplar vinhedos intermediados por hortaliças.
Ir à Braga ao encontro da alma de meu pai. Sempre me emociono ao rever amigos, descendentes de Lourenço dos Santos, paradigma de meu progenitor. Motivo de conversas saudosistas. O recital dar-se-á na Sala dos Congregados da Universidade do Minho. O espaço bracarense é especial. Último dos recitais da extensa tournée iniciada com as gravações na planura flamenga. Só poderia ter seu término em Braga.
Os dois dias que precederão meu regresso à família, aos outros amigos e à minha cidade bairro, Brooklin-Campo Belo,têm destino esperado. Os diletos amigos Teotónio e Maria Teresa, ele neto de Lourenço, levar-me-ão a Santiago de Compostela. Motivo para um próximo post.
This week my tour in Portugal led me to the regions of Algarve and Minho. In the Algarve, three master classes at Lagos Music Academy and recitals in the cities of Sagres and Monchique. Following I went to Braga, in northwestern Portugal, passing through a countryside dotted with vineyards and vegetable plots. Braga, final step of my tour, will always have a special place in my heart, for it is my father’s homeland. The performance will be at the Congregados Hall of the Minho University. Before my return to Brazil, friends from Braga will take me to Santiago de Compostela, in Spain.