De Volta um Seriado que Marcou

Bonanza

O you youths, western youths,
So impatient, full of action, full of manly pride and friendship,
Plain I see you, western youths, see you tramping with the foremost,
Pioneers! O pioneers!

Walt Whitman

As séries televisivas norte-americanas inundaram nossa televisão mais acentuadamente a partir da década de 60. Poder-se-ia dizer que um boom extraordinário se daria e telespectadores de todos os rincões ficaram durante anos fixados na tela, a aguardar o momento do episódio. Estou a me lembrar de séries como Rota 66, Os Invasores, O Fugitivo, Combate, Bonanza, Os Pioneiros, Chaparral e tantas outras. Dois fatores básicos levavam o adepto a assisti-las: a violência moderada – a insana ainda não invadira os noticiários e séries – e o episódio com fim definido, assim como um cunho moral em que o bem prevalecia, diferentemente da novela brasileira, com suas longas histórias arrastando-se durante infindáveis meses. Confesso que deste último gênero jamais assisti a um capítulo sequer, devido à dependência ao desenrolar da trama. Apesar de afluências enormes em todo o país, a novela realmente nunca me interessou.
Numa outra perspectiva, tem-se neste país o costume, enraizado em determinada camada pertencente à inteligentzia, de menosprezar preferências eleitas e não pertencentes ao que é de circulação restrita. A leitura de recente e instigante livro de François Noudelmann (Le Toucher des Philosophes), a abordar duas faces de filósofos renomados que, diante dos seus pares, preferenciavam certos compositores de moda, ditos de vanguarda, mas privadamente cultuavam o que de mais tradicional existia, dá bem a medida de interpretações diferenciadas. Será tema para futuro post.
A adolescência e a juventude deixam marcas indeléveis. Assim, sou da geração dos westerns que encantaram gerações. A pujança do gênero, que declinaria com o passar das décadas, mormente com a avalanche dos spaguettis realizados na Itália – já decorrência da decadência – não retirou dos verdadeiros aficcionados o prazer de assistir a um bom faroeste. Nesses períodos mais difíceis, louve-se Clint Eastwood, com vários excelentes filmes do gênero. Anteriormente, como não lembrar de Randolph Scott, Gary Cooper, John Wayne, Richard Boone, Alan Ladd, Chuck Connors, Gleen Ford e tantos outros. Mocinhos e bandidos que povoaram nossa imaginação e que, ao tombarem vítimas de balas certeiras, morriam majoritariamente no instante, e sequer a câmara com eles se importava. Mortes rigorosamente assépticas, contrariamente àquelas psicopáticas de inúmeros filmes atuais, onde a crueldade no seu limite máximo acompanha o algoz das macabras intenções.
Distanciei-me irremediavelmente de todas as películas em que diretores perturbados “vomitam” nas telas o que de mais escabroso possa existir, voltando-me às películas mais amenas. Essa ascensão não teria tudo a ver com a violência absurda que presenciamos no cotidiano, quando vidas são ceifadas por um nada e tantas vezes de maneira cruel e sádica? A droga, assim como a parafernália sem sentido e descomunalmente assustadora, sob aspecto outro, dos decibéis altíssimos de “gêneros musicais” ridiculamente grosseiros não seriam porventura exemplos de influências que surgem nas telas? Comentaristas não têm insistido no tema da invasão das favelas do Alemão, como conscientização do povo após Tropa de Elite I e II? Amálgama. A violência expressa a fazer o cidadão refletir. Paradoxal, mas fato.
Uma série a que assisti com prazer foi Bonanza, que teve longa duração. A série foi apresentada de 1959 até 1973. Tornou-se, em pouquíssimo tempo, um dos maiores sucessos da TV norte-americana e do mundo, e ainda hoje é tida como aquela que granjeou uma das maiores popularidades em todos os países onde foi exibida. A temática trata sempre da preservação física dos quatro personagens, o viúvo Ben Cartwright (Lorne Greene) e de seus filhos nascidos de mães diferentes: Adam (Pernell Roberts), Hoss (Dan Blocker) e Litle Joe (Michael Landon). Este último faria duas outras série de sucesso, Os Pioneiros e O Homem que Veio do céu. Outro hilariante personagem é o cozinheiro chinês Hop Sing. A depender do episódio, nem sempre todos atuam, pois nesses casos o diretor de filmagens centra em determinado membro da família.
A sensação que me traz Bonanza é a do regresso a momentos descontraídos e felizes em que esperava o dia do seriado, que sempre apresentava história conclusa, o que me parecia salutar. Traz-me nostalgia também. Felizmente o Canal a Cabo TCM está a apresentar toda a série.
Bonanza se passava no Velho Oeste com histórias sempre renovadas, apesar de se poder antecipar o final que era, logicamente, a união dos quatro Cartwrights. Todavia, perpassavam pela série valores hoje minimizados por parte da sociedade. Possuidores de uma vastidão de território – o Rancho Ponderosa – tem Ben Cartwright princípios de honradez em que palavra dada é soberana, assim como senso de justiça e generosidade. Passa essas virtudes aos filhos e o constante desafio em manter indivisível Ponderosa não exclui a cessão de determinados torrões àqueles que, inicialmente arredios, lutam por um pedaço de terra. A violência tem sua medida e jamais extrapola, a não haver tampouco a arbitrariedade movida pela ideologia no sentido de se invadir terras. Há ou ambição de celerados ou súplica de desesperados. Aqueles acabam invariavelmente tendo o que a justiça determina; estes, necessitados que buscam na lisura o chão para a sobrevivência, terminam beneficiados pelos Cartwrights. Foragidos que assaltam bancos, remanescentes dos índios que ainda atacam, comancheros e pistoleiros de plantão completam a lista dos oponentes dos heróis. Sob aspecto outro, há um misto de admiração e inveja por parte dos cidadãos de Virginia City, a cidadezinha mais próxima, em relação ao fazendeiro e seus filhos. Atores que ficariam bem conhecidos mais tarde passaram por Bonanza em determinados episódios: Leonard Nimoy (série Jornada nas Estrelas), Vic Morrow (série Combate), James Coburn, Martin Landau, Ida Lupino…
Em incontáveis “capítulos” a figura feminina aparece como “miragem”. Cada membro do grupo, com periodicidade proposta pelo roteirista, saberá cortejar a mulher, seja filha de pequeno fazendeiro ou de lojista de Virgina City, seja alguma bela viúva ou mesmo atraente mulher de saloom, ou ainda aventureira bonita recém-chegada. Quando esta última pertence à idade madura, certamente já teve caso com o patriarca Ben Cartwright. Também torna-se lógica a não continuação dos respectivos romances. Seja qual for o desfecho de uma relação afetiva, é fácil a cicatrização.
Recentemente, um episódio chamou-me a atenção. Hoss, vivido por Dan Blocker, o filho grandalhão, talvez o menos esperto, mas o mais generoso e possivelmente o melhor ator do quarteto, faz amizade com outro personagem igualmente forte e enorme, forasteiro absolutamente desprovido de ínfimo raciocínio lógico. Não distingue o bem do mal. Mostrar-se-ia violentíssimo em determinados momentos, sem ter a menor sensação de que assim procedera. Curiosamente, o personagem é extraído por inteiro do célebre romance Ratos e Homens, de John Steinbeck (1902-1968), com variações naturais. No livro, os amigos George e Lennie vivem de trabalhos esporádicos durante a forte recessão econômica dos anos 1930 nos Estados Unidos. Lennie, ingênuo, sem qualquer possibilidade de organizar o mínimo raciocínio, vaza para Bonanza. Os personagens do romance Of Mice and Men e do episódio do faroeste passam por circunstâncias semelhantes e suas mortes têm ainda maior proximidade. O livro de 1937 motivaria, bem depois de Bonanza, o filme com os excelentes atores John Malkovich (Lennie) e Gary Sinise (George). Sinise seria inclusive o diretor de Of Mice and Men (1992). Quanto à Bonanza, seria possível apreender que o produtor David Dortort, igualmente autor do roteiro piloto, buscou inspiração em figuras de tantos outros romances. Em um dos episódios, não colocaria como personagem central Mark Twain (1835-1910), o autor do célebre As Aventuras de Tom Sawyer ? Em torno do festejado tema musical de Jay Livingston e Ray Evans, foram muitos os arranjos bem elaborados que percorrem o seriado, a depender dos contextos. Seria correto asseverar que as tramas, sempre muito bem conduzidas, e essa ausência de violência pela violência, mas sim a seguir uma naturalidade sem provocar choques, tenham conquistado o público de outras gerações. O certo é que, enquanto o seriado estiver sendo apresentado, procurarei assisti-lo, sempre com prazer renovado.

I’ve always been fond of Westerns and actors strongly associated with Wild West movies: Randolph Scott, Gary Cooper, John Wayne, Richard Boone, Alan Ladd, Chuck Connor, Clint Eastwood. In the sixties one of my pleasures was to watch the long-running TV show Bonanza, the story of the widow Ben Cartwright and his three sons living on a ranch called Ponderosa and the troubles they went through: affairs of territory, conflicts with neighbors, natives and wanderers, gunfights, fleeting romances. Whenever possible I still watch reruns of Bonanza on cable TV, admiring with nostalgia its restrained violence, ethical heroes, values of honor and sacrifice, simple morality tales. Pleasant memories revisited…