O Interesse dos Leitores
Eu tenho que confessar meu espanto, por vêzes consternação,
face a atitude de certos públicos “especializados” nos santuários
daquilo que nesciamente nomeou-se arte contemporânea.
Por que não falarmos de masoquismo ?
De outra maneira, eu não explicaria essa espécie de empenho
em aceitar a chatice de se ouvir sempre os mesmos disparates técnicos
destinados a “preparar os ouvidos”,
depois esse tipo de servidão que leva, após o concerto,
expressões fabricadas (“interessante ! divertido ! muito forte !…”),
somente destinadas a mascarar a decepção.
Por que tanta gentileza e amabilidade
quando acabamos de ouvir verdadeiros horrores ?
O que poderia justificar, entre os melômanos sinceros,
a aceitação de tais sofrimentos, a absorção de poções também amargas ?
Serge Nigg
Tantas são as impressões que um livro pode nos causar. A leitura pressupõe interesse, e quão mais uma obra nos diz algo, mais referências ficam gravadas. Livro bom não é esquecido, nem na memória, tampouco na estante. Acalentado, pode esclarecer-nos, abrir novos rumos, fazer com que mudemos, inclusive, determinados conceitos.
Resolvi escrever um blog sobre o livro “Serge Nigg, compositeur” porque constatei que, através daquelas páginas que não atingiam a centena, havia conceitos de extraordinária força, pensados por um músico que no final da vida estava a planar sobre o infindável campo do conhecimento. A recepção às ideias de Serge Nigg foi imensa. Leitores – músicos, amadores e leigos - pronunciaram-se, inclusive um arquiteto, a apreciar trecho de sua área de atuação. Selecionei alguns comentários mercê do espaço proposto para o blog.
Dois compositores brasileiros da maior dimensão escreveram a opinar. Ricardo Tacuchian observa: “Não conheço a obra de Serge Nigg e fiquei impressionado com as ideias dele que você resumiu de modo primoroso. Vou procurar conhecer mais a obra e o pensamento deste homem que, tão solitariamente, desmistifica o mundo ‘populista e oficial’ das artes. Me identifiquei com quase tudo que você cita em seu post. Mais uma vez, parabéns pelo seu trabalho semanal e obrigado por esta valiosa informação sobre uma figura tão eminente e com um pensamento tão próximo ao meu”. Mario Ficarelli comenta: “Que prazer foi para mim ler o depoimento de Serge Nigg. Foi como estar lendo algum depoimento meu de agora ou no futuro. Compartilho plenamente todo o seu pensamento a respeito da composição”.
De Portugal, a competente professora e gregorianista Idalete Giga considera: “Gostei demais do seu post sobre o compositor Serge Nigg, que eu desconhecia. As respostas a Gérard Dénizeau revelam-nos um compositor profundo, que está já muito para além do barulho do mundo. São uma verdadeira lição de sabedoria, de coragem, de despojamento. É curioso que, quando fala de modismos, do dodecafonismo, do ‘progresso em arte’, da música electroacústica, dos compositores snobs, da obra aberta, etc. entra em cheio no meu pensamento. Estou em plena sintonia com ele. ‘Captar o passado, Apreender o presente, Pressentir o futuro’ é o essencial para a criação de uma obra de arte, que não deve estar sujeita a ‘modismos’. De facto, são raros, muito raros os compositores que conseguem sintetizar o passado, criar a partir dele no presente e projectar-se no futuro. Isto sempre senti, por ex., no nosso genial J.S. Bach.”
O compositor e orquestrador francês de reais méritos, François Servenière, tece comentários: “Li e reli seu post consagrado a Serge Nigg. Conhecia, não pessoalmente, o professor compositor do Conservatório de Paris, mas foi ele mestre de inúmeros amigos meus compositores, entre eles Josef Baán, eslovaco. Concordo com muitas de suas conclusões, assim como com sua lucidez em relação ao dodecafonismo através das impressões anteriores de Schöenberg… e sobre muitos outros temas abordados”.
O arquiteto Marcos Leite atém-se à sua área e discorda da comparação feita por Serge Nigg a respeito da comparação arquitetura-música: “A solidez é só parte e consequência da concepção do projeto. A criação é resultado de uma bagagem obrigatória do Arquiteto que sabe que seu projeto tem solução estrutural exequível e, muitas vezes, já o apresenta ao engenheiro calculista. A estética aceitável é bom uso da técnica disponível aplicada à nova proposta de desenho e atendendo à funcionalidade do uso “.
K. Vertessem, da Holanda, enviou e-mail via site: “Serge Nigg é para mim referência. Colegas meus estudaram com ele e entendiam o seu pensamento enciclopédico, mas coerente quanto à sua linha adotada, do dodecafonismo às obras menos herméticas. Interessa-me muito essa publicação da Université Sorbonne. Vou providenciar”.
Curiosamente, os três primeiros, competentes músicos, sentem a identificação plena, dizendo que poderiam até ser os autores de determinadas posições adotadas por Serge Nigg. Sobre a música eletroacústica, Serge Nigg mostra-se absolutamente refratário. Recordo-me de ter assistido pela televisão em Paris, na década de 1990, mesa redonda em que dirigentes de gravadoras e jornalistas discutiam sobre a indústria fonográfica. À música erudita ou de concerto estava reservada uma fatia irrisória quanto à vendagem – comparada com a música popular – e dessa fatia a música eletroacústica representava parcela ínfima… da música erudita ! Seria possível pressupor que o contato humano, geralmente inexistente, esteja a apontar as causas, mesmo que Festivais tenham público aficionado. Seria essa ausência “humana”, no complexo elo criação e interpretação, que motivaria Nigg a refletir sobre a matéria. Diferentemente da gravação, onde o pulsar e até a respiração do intérprete podem ser ouvidos, a música eletroacústica apontaria para outro direcionamento. Mesmo quando há interação nessa intermediação eletroacústica e intérprete, haveria sempre uma metamorfose, não dos segmentos eletroacústicos registrados, mas do próprio ato instantâneo do executante. É algo para outras reflexões, apesar de, paradoxalmente, projetos relacionados à eletroacústica serem os que estão a receber polpudas verbas de institutos de fomento. Acrescentaria, tendências não inteiramente compreendidas pelos fomentadores e minimamente aceitas pelo público de concertos. Voltemos ao blog sobre Serge Nigg que despertou tanto interesse: modismos ?
Importa considerar que os testemunhos de Sérgio Nigg despertaram um tão grande interesse. Prova inconteste de seu pensamento incisivo.
Readers of my post on Serge Nigg – among them many professional musicians – wrote to me giving their views on Nigg’s words. The post of this week is a selection of some messages I received.
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