Cidadão, Figura Indefesa

Catador de papel. Desenho de Manuel Martins.1936. Clique para ampliar.

Que falta nesta cidade ?… Verdade.
Que mais por sua desonra ?… Honra.
Falta mais que se lhe ponha?… Vergonha
Quem a pôs neste socrócio ?… Negócio.
Quem causa tal perdição ?… Ambição.
E no meio desta loucura ?… Usura

Gregório de Matos

Não foram poucos os posts em que deixei registrada minha indignação contra o acúmulo da falta de respeito que governo e iniciativa privada têm pelo cidadão comum. Falou-se, e isso continua a ser prioridade na conversa e nos textos de articulistas conscientes, sobre a corrupção, outra endemia que atinge ambos os setores, o público e o privado. O cidadão que paga tributos, entre os mais elevados do mundo, não tem sequer o mínimo ressarcimento através de atendimento de saúde, educação e segurança. Se recursos ele não tiver, estará condenado às filas intermináveis, ao atendimento o mais burocrático – abusivamente lento – por parte do governo. Realmente, vive-se o desrespeito ao mínimo anseio do indivíduo. Ele só existe perante o governo desde que contribua com os polpudos impostos, e que não falhe nesses pagamentos, pois o Leviatã estará pronto para atingi-lo no cerne. Um dia de não pagamento e o aparelho de contagem sempre ascendente do Estado será impiedoso até às últimas consequências.

O desrespeito estaria demonstrado em pequenos atos que se tornaram rotineiros. Uma das empresas de telefonia tem gravação automática com a frase “esse telefone não existe”, sempre que, por qualquer motivo, o aparelho estiver fora do gancho ou em outra função. Aquilo que não existe é inexistente, daí o prefixo in + existente. Ora, o número existe, mas está por alguma razão indisponível. Essa frase seria passível de ação judicial, houvesse vontade individual ou coletiva, caso não estivesse o cidadão comum tão anestesiado pelos sucessivos desrespeitos. Sem pensar em outras categorias de desrespeito: crianças e adultos jogados nas calçadas e levados ou às drogas ou à difícil situação de catadores de latas e papelão.

Empresas as mais diversas e instituições governamentais em quantidade desrespeitam o cidadão comum ao fazê-lo esperar para ser atendido ao telefone, através de vozes gravadas e “músicas” repetidas ad nauseam. Se paciente o cidadão comum não for, terá, por vezes, de aguardar minutos, ou dezenas deles. Essas vozes eletrônicas desfilam números sequenciais para orientar o infortunado por caminhos sem respostas, causando irritação, preocupação que inexiste para senhores que instituíram tal procedimento. Criada pelo homem a fim de afastar questionamentos por parte do usuário, só ao final indica a gravação que haverá alguém – humano ! – para atender o incauto. Com sorte, como num jogo de azar, tem-se esclarecimentos. Se houver atendimento, dirá a voz do atendente – tantas vezes – “orientando” o desorientado para que busque outro número, ou mais, instante estressante, cai abruptamente a ligação. Havia regulamentação, s.m.j., a respeito de penalidades contra esses abusos diários e quantitativamente assustadores. Hoje a voz gravada quando adentramos um estacionamento para a  retirada do ticket retrata nosso fracasso frente à máquina erigida por quem pode. Se problema houver, todo o mecanismo trava.

Nada acontece neste país para que regulamentação seja feita em defesa do cidadão comum, pois poderosos não são punidos. Pelo menos é o que parte consciente da mídia escrita e falada cotidianamente professa com outras palavras. Como se não bastasse, há o rosto oculto, o total obscurantismo, quando dados só são transmitidos via internet. Generalizou-se esse processo. Os poderosos ficam ainda mais protegidos. Sem solução prevista, pois um ser “humano” sem rosto, o lobista,  saberá no momento preciso articular a vontade dos “interessados”  junto aos legisladores. Nada mais a fazer, pois radicada a prática nas entranhas do poder. E todo o mal está feito.

Foi pois com indignação que verifiquei esse desrespeito ao cidadão quando leitores generosos me escreveram ou me comunicaram por telefone, no início de Março, que meu blog “não mais existia”. Graças ao meu dileto amigo Magnus Bardela, conhecedor profundo dos meandros da internet, chegamos a recuperá-lo a duras penas. Numa das “conversas” via chat, informaram-me que haviam escrito e-mail em Novembro a dizer que o blog, pago religiosamente, seria desativado em Fevereiro. Não apenas não acusei ter recebido, como a empresa deveria, semanas ou dias antes, prevenir-me do desligamento abrupto, a fim de que pudesse comunicar aos meus leitores bem antecipadamente. Mercê da ação rápida e longa de Magnus, através de inúmeras “conversações” com a empresa, conseguiu a migração do blog para o site, assim como, mais tarde, recuperar o antigo e atual endereço. Se eu, com minhas limitações na área, tivesse de resolver o problema, hoje o prezado leitor não mais teria acesso ao blog, tampouco eu poderia postá-lo.

Houve, contudo, modificações no menu e na estrutura, o que foi resolvido por Magnus após longo labor. Nada que altere o conteúdo, esse que pretendo manter intocado e a atender a fidelidade semanal que me acompanha desde 2 de Março de 2007. Toda a dedicação de meu ex-aluno, hoje meu mestre nessa mutante internet que não consigo acompanhar, merece meu agradecimento pleno.

Continuarei. É o que sei fazer. Enquanto o pensar estiver a produzir textos, eles surgirão. Isso máquina alguma poderá estancar. A não ser o imponderável. Mas aí, só dependemos de um Poder Maior que nos concede tréguas para que trilhemos nosso destino.

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O post foi publicado e horas após já recebia da Alemanha comentário do excelente maestro Roberto Duarte. Transcrevo-o sob sua permissão:

“Só gostaria de acrescentar mais um desrespeito, porém em nossa área de trabalho. Segundo consta, a OSB no Rio de Janeiro resolveu, unilateralmente, fazer uma ‘avaliação de desempenho’ em t-o-d-o-s os seus integrantes, sob pena de demissão. Qualquer empregador tem o direito de avaliar os seus funcionários, é verdade, mas, onde está o respeito àqueles que há décadas partilham com a OSB dos dias de glória e das grandes dificuldades financeiras que a instituição passou ? O ser humano, no caso o instrumentista, será uma peça descartável e sem alma que o seu ‘dono’ poderá dispor ao seu bel prazer ? Transformar-se-ão as nossas orquestras em meros robôs ? Qual é o futuro desta ‘nova’ humanidade ? A situação é preocupante”.

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